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Matemática 2010TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS VII
SENHOR DO BONFIM
A MATEMÁTICA DO COTIDIANO: UMA ABORDAGEM NO TRABALHO INFORMAL
POR:
ANTONIEL JOAQUIM DA SILVA
SENHOR DO BONFIM
2009
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ANTONIEL JOAQUIM DA SILVA
A MATEMÁTICA DO COTIDIANO: UMA ABORDAGEM NO TRABALHO INFORMAL
Monografia apresentada ao Departamento de Educação – UNEB, CAMPUS VII, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Licenciatura em Matemática, sob orientação do prof.º Ivan Souza Costa.
SENHOR DO BONFIM
2009
3
ANTONIEL JOAQUIM DA SILVA
A MATEMÁTICA DO COTIDIANO: UMA ABORDAGEM NO TRABALHO INFORMAL
Monografia apresentada ao Departamento de Educação – UNEB, CAMPUS VII, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Licenciatura em Matemática, sob orientação do prof.º Ivan Souza Costa.
Aprovada em: ________________________ de ______________________ de 2009
_______________________________ ________________________________
Prof.º (avaliador) Prof.ª (Avaliadora)
___________________________________________________________________
Prof.º Ivan Souza Costa
Orientador
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Sem dúvida são os homens, desde que são homens, seres conscientes. Mas desde o início da divisão do trabalho, da cisão e da contraposição entre o trabalho intelectual e o trabalho corporal e a conseqüência desta divisão, a consciência empírica cotidiana dos indivíduos se separa cada vez mais da evolução das esferas sociais conjuntas da produção intelectual, da evolução da ciência e da arte, e se converte em escrava de representações fetichistas que deformam a realidade, embora, por outro lado, se produzem nos planos do pensamento abstrato e da consciência social conjunta as ‘ideologias’, reflexos deformados e invertidos da realidade.
(Markus, 1974)
5
A Deus, autor das minhas realizações. Aos meus familiares pela estimada colaboração!
6
AGRADECIMENTOS
A Deus,
Muito obrigado por ajudar-me a concluir mais uma etapa na minha carreira
acadêmica.
Aos meus familiares, em especial cito aqueles que decisivamente sem eles
não completaria esta vitória, como meus pais, a Minha estimada esposa, ao meu
precioso filho, minha eterna gratidão.
Agradeço ao orientador Ivan Souza Costa pelo importante incentivo e apoio
para conclusão desta pesquisa.
Agradeço também aos demais docentes e direção da UNEB Campus VII, pelo
esforço em nos tornar profissionais mais habilitados.
Aos demais colegas do curso e a todos os envolvidos nesta mesma jornada.
Meu muito obrigado!
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RESUMO
O presente trabalho teve como objetivos Identificar os saberes matemáticos
inseridos nas diversas atividades do cotidiano. Analisar as relações entre a
matemática cultural e a oficial presente no dia-a-dia dos cidadãos comuns. Para
isso foram utilizadas entrevista sobre uma perspectiva qualitativa do tipo semi-
estruturada e também o uso do questionário fechado. O local em que os dados
foram coletados foi na Escola Estadual Dr. Anísio Teixeira, localizada em
Pindobaçu-Ba. Foram utilizados como suporte teórico, autores como: D’ Ambrósio
(1990, 1996, 2001, 2005), Miorim (1992), Knijnik (1996), Lüdke, e André (1986),
Charraher (2003), dentre outros, que tratam do assunto com particularidade,
apresentando considerações acerca da importância da matemática no cotidiano. A
metodologia de caráter qualitativa foi a base do nosso trabalho para melhor
explanarmos a importante relação da matemática na maneira mais genuína e com
extrema facilidade usando o conhecimento prévio e práticas dos seus antecedentes
sem, entretanto deixar de reconhecer a necessidade de adquirir o conhecimento
sistematizado, visando um melhor desenvolvimento do seu trabalho diário.
Constatamos também que embora muitas vezes achem difícil fazer relação com o
que eles praticam no cotidiano, admitem que a matemática escolar seja necessária
para a realização de muitas atividades do cotidiano. Quanto à utilização da
matemática tida como oficial aprendida na sala de aula pouco a usa, ficando a outra
parte por conta da intuição. Argumentamos que se faz necessário repensar nossa
prática enquanto professores, e que principalmente, sejam realizados novos estudos
sobre o saber matemático informal dos alunos utilizados no cotidiano de suas
atividades para melhor confrontarmos com o conhecimento adquirido na sala de
aula.
Palavras-chave: Matemática Formal e Informal; Mediação Pedagógica.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO------------------------------------------------------------------------------------- 10
CAPÍTULO I – PROBLEMATIZAÇÃO ------------------------------------------------- 12
1. 1 – Reflexão em torno do trabalho informal e a presença da Matemática
neste contexto ----------------------------------------------------------------------- 12
CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA---------------------------------- 17
2.1 – A História da Matemática: Sua relação com o cotidiano ------------------- 17
2.2 – A Matemática presente nas diversas atividades formais e informais:
Conceitos e desafios. ------------------------------------------------------------------ 25
2.2.1 – O Pedreiro --------------------------------------------------------------------- 27
2.2.2 – O Lavrador --------------------------------------------------------------------- 31
2.2.3 – O Padeiro ---------------------------------------------------------------------- 34
2.2.4 – O Carpinteiro ------------------------------------------------------------------ 35
2.3 – A prática pedagógica enquanto mediação entre a matemática formal
e a matemática informal-------------------------------------------------------------- 37
CAPÍTULO III- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ------------------- 41
3.1 – Pesquisa qualitativa na atividade cotidiana ------------------------------------ 41
3.2 – Instrumento da pesquisa ------------------------------------------------------------ 42
3.3 – O lócus: aspectos físicos, humanos e sócio-econômicos ------------------ 44
3.4 - Sujeitos da pesquisa ----------------------------------------------------------------- 45
CAPÍTULO IV – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ----- 46
4.1 – Perfil -------------------------------------------------------------------------------------- 46
4.2 – Relacionado à profissão ------------------------------------------------------------ 48
4.3 – Entrevista com dois profissionais ---------------------------------------------- 53
CONSIDERAÇÕES FINAIS ----------------------------------------------------------------61
REFERÊNCIAS --------------------------------------------------------------------------------- 64 ANEXOS
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ANEXOS ANEXO I – QUESTIONÁRIO FECHADO APLICADO AOS SUJEITOS
ANEXO II – ROTEIRO PARA ENTRVISTA COM OS PESQUISADOS
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS VII
SENHOR DO BONFIM
ANEXO I
QUESTIONÁRIO APLICADO AOS SUJEITOS
Prezado (a) Professor (a):
Este questionário faz parte de uma pesquisa que estamos realizando a fim de
coletar dados e informações sobre sua profissão e sua prática na aplicação dos
conhecimentos matemáticos encontrados nela. Esperamos contar com sua preciosa
colaboração, para que possamos compreender esta realidade.
Muito obrigado!
1 – Qual a sua profissão de ofício?
Pedreiro ( )
Lavrador ( )
Padeiro ( )
Carpinteiro ( )
Outro .......................................................................
1 – Há quantos anos trabalha com esta profissão?
Menos de três (3) anos ( )
Entre três (3) e cinco(5) anos ( )
Entre seis (6) e dez (10) anos ( )
11
Mais de dez (10) anos ( )
2 – Qual o seu nível de escolaridade?
Ensino Fundamental I incompleto – (antigo 1º grau) ( )
Ensino Fundamental II completo ( )
Ensino Médio incompleto – (antigo 2º grau) ( )
Ensino Médio completo ( )
Outro .................................................................................
3 – Como você aprendeu esta profissão?
Sozinho ( )
Com um profissional ( )
Como aprendiz ( )
Fez curso ( )
4 – Você utiliza as operações fundamentais no seu trabalho?
Adição ( )
Subtração ( )
Multiplicação ( )
Divisão ( )
5 – Tem alguma dificuldade em realizar sua tarefa profissional quando requer a utilização da matemática?
6 – Você desejaria aprender alguns conteúdos matemáticos para facilitar o seu desempenho na sua profissão?
7 – Você faz algum tipo de curso de aperfeiçoamento? Qual?
9 – Você tem consciência que utiliza a matemática em suas tarefas diárias?
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS VII
SENHOR DO BONFIM
ANEXO II
ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS PESQUISADOS
1 – Qual o seu nome?
2 – Sempre foi morador desta cidade?
3 – Como foi que o senhor adquiriu tal habilidade nesta profissão?
4 – O senhor já freqüentou a escola alguma vez?
5 – Quantos anos o senhor tem nesta profissão?
6 – Quais são as ferramentas de uso de maior utilidade no seu trabalho?
7 – Existe mais de um método para realizar essa tarefa na qual os senhores trabalhando?
8- O senhor sabia que há muitos anos essa técnica vem sendo usada nas construções do mundo inteiro?
9 - Já ouviu falar alguma vez sobre o Teorema de Pitágoras?
10 – Sabia que esse instrumento (Esquadro) que a maioria dos profissionais da área utiliza é fabricado segundo os princípios do Teorema de Pitágoras
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LISTA DE GRÁFICOS
4.1- Perfil 1 – Gráfico 4.1.1 Quanto à profissão-------------------------------------------------------------46 2 – Gráfico 4.1.2 Quanto ao tempo de profissão --------------------------------------------- 47 3 – Gráfico 4.1.3 Quanto ao nível de escolaridade ------------------------------------------ 47 4.2 – Relacionado à profissão 4 – Gráfico 4.2.1 Como aprendeu a profissão ------------------------------------------------ 48 5 – Gráfico 4.2.2 Reconhece a matemática presente em sua atividade --------------- 49 6 – Gráfico 4.2.3 Utiliza as operações fundamentais da matemática ------------------- 50 7 – Gráfico 4.2.4 Apresenta dificuldades em relacionar os cálculos matemáticos aprendidos na escola com sua atividade cotidiana ------------------------------------------ 50 8 – Gráfico 4.2.5 Gostariam que a escola facilitasse seu entendimento na interpretação dos conceitos matemáticos ----------------------------------------------------- 51 9 – Gráfico 4.2.6 Faz algum curso para aperfeiçoar a profissão ------------------------- 52 10 – Gráfico 4.2.7 Acredita que a escola contribui para o aperfeiçoamento da sua profissão ------------------------------------------------------------------------------------------------ 5 4.3 – Entrevista com dois profissionais 11 – Figura 01 Pedreiro (Mestre de obras) e seu ajudante no inicio da atividade--- 56 12 – Figura 02 Segundo passo envolvido na realização de uma construção--------- 57 13 – Figura 03 Certificação das medidas usando como instrumento o esquadro---- 57 14 – Figura 04 O cálculo realizado para definir cantos retos utilizando a trena------ 58
15 – Figura 05 Amostra do triângulo formado pelo mestre e seu ajudante------------ 58
16 – Figura 06 Na escola da vida são formados os mestres e seus ajudantes------- 59
17 – Figura 07 O pedreiro usa uma segunda tentativa para certificar-se das medidas-------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 59
18 – Figura 08 Conclusão da construção utilizando as medidas com base no teorema-------------------------------------------------------------------------------------------------- 60
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INTRODUÇÃO
Em virtude do processo globalizante do mundo atual em que as sociedades
são submetidas a aceleradas e constantes transformações exigidas pelo sistema
mundial, mais do que nunca, os conhecimentos matemáticos alcançam uma
importância extraordinária pela sua presença em todas as situações do cotidiano.
Independente da sociedade em que diferentes grupos sociais vivem os usos da
matemática é imprescindível sendo largamente utilizada mesmo pelos grupos mais
isolados da esfera terrestre.
A matemática está presente em diversas maneiras e se relaciona com as
atividades concretas diárias do ser humano, facilitando a realização de situações-
problemas, fundamentais no comércio a exemplo da compra e venda e o
conhecimento dos valores monetários, determinando o desenvolvimento do
raciocínio lógico e ampliando a visão de mundo, em particular no contexto
matemático. A exigência do mundo atual requer de todos uma boa formação
matemática, visando o melhor desenvolvimento e compreensão pelos fatos da vida,
desde os mais simples aos mais complexos. Assim como o homem é um ser social a
matemática é uma atividade extremamente social, pois está inserida em todas as
sociedades existentes as quais necessita dela para realizar suas atividades.
A matemática como atividade social está intrinsecamente ligada a todas as
formas de produção humana e se manifesta no ambiente familiar muito cedo,
particularmente em famílias que vivem através de pequenas fontes de renda, isto é,
negócios próprios e até em grandes negócios, determinando o relacionamento dos
filhos com a matemática diariamente. E isto ocorre quando ajudam seus pais,
lidando com dinheiro, auxiliando-os nas transações comerciais. Nessas situações,
os filhos resolvem inúmeros problemas matemáticos, envolvendo as quatro
operações fundamentais e sempre acertam. O que causa admiração é o fato de que
na escola, quando submetidos aos cálculos matemáticos envolvendo as quatro
operações, eles não conseguem solucionar os problemas com a mesma facilidade
de que estão habituados no contexto familiar, isto é, no meio social em que estão
inseridos, como se a escola estivesse fora desse contexto, denunciando assim, certo
distanciamento entre matemática sistematizada com a matemática popular.
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Torna-se conveniente acreditar na necessidade de uma reconstrução de
sentidos do ensino matemático que é oferecido nas escolas, visando estabelecer
relações com a matemática usada no cotidiano dos alunos. O professor deve
procurar utilizar as experiências dos alunos, seus saberes matemáticos, ao ministrar
as aulas de matemática a fim de obter um melhor aproveitamento dessa disciplina.
Esse estudo monográfico foi estruturado em diversas partes, a saber:
Inicialmente, no capítulo I abordaram-se a problemática, as questões
norteadoras e os objetivos visados.
Em seguida, no capítulo II, foi realizado em estudo teórico onde foram citados
os autores como D'Ambrósio (2005), Miorim (1998), Araújo (1999), Charraher
(2003), Knijnik (1996), Imenes (2000) onde abordam sobre a matemática do dia-a-
dia e o ensino aprendizagem com atividade cotidianas como as do pedreiro, do
carpinteiro, do lavrador, do padeiro enfim, e sua relação com o ensino sistematizado.
O capítulo III trata dos procedimentos metodológicos usados para realizar a
pesquisa, o campo pesquisado, os sujeitos envolvidos, os instrumentos utilizados e
como ocorreu a coleta de dados.
No capítulo IV, citam-se os resultados confrontados na fundamentação
teórica. Para finalizar são feitas as considerações finais sobre os resultados obtidos
e são colocados os pontos de vista dos autores deste trabalho.
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CAPÍTULO I
PROBLEMATIZAÇÃO
1. 1 – Reflexão em torno do trabalho informal e a presença da Matemática
neste contexto
O surgimento da matemática se deu com o início da história humana,
quando o homem sentiu necessidade de organizar o espaço à sua volta, de calcular,
de medir, elaborar e resolver problemas do cotidiano. Os seres humanos utilizam-na
para realizar suas atividades mais elementares, desde o cálculo até seu sustento e
de toda família. Ela está atrelada ao nosso cotidiano pessoal e coletivo fazendo
parte do nosso dia-a-dia nos diversos campos profissionais. Dessa maneira o
domínio de determinadas habilidades matemáticas pelo cidadão constitui-se num
dos requisitos para mover-se na sociedade. Por isso está de maneira explícita em
quase todas as profissões.
A observação da matemática é essencial nas discussões sobre a
matemática, seu ensino, bem como a compreensão, isto porque, de acordo com
D’Ambrósio (1996), parte do que é apresentado nos programas a respeito do
conteúdo de matemática, “consiste de coisas acabadas e fora do contexto moderno”.
Tornando-se cada vez mais difícil uma melhor absorção destes conteúdos, em
conseqüência, estes ficam menos atrativos. Este autor acrescenta que a revisão
deste conteúdo é ambígua quando diz:
Conhecer, historicamente, pontos altos da matemática de ontem poderá, na melhor das hipóteses e de fato faz isso, orientar no aprendizado e no desenvolvimento da matemática de hoje. Mas o conhecer teorias práticas que ontem foram criadas e quem serviram para resolver os problemas de ontem pouco ajuda nos problemas de hoje. (D’Ambrósio, 1996, p.30)
É muito difícil motivar com fatos e situações do mundo atual numa ciência
criada em outros tempos. Estudiosos tentam justificar a matemática do passado
como servindo de base para a matemática de hoje. “Esse conceito faz sentido, uma
vez que o conhecimento é cumulativo e um contexto auxilia outro”. Mas, o grande
desafio é desenvolver um programa dinâmico, apresentado a ciência de hoje
relacionada a problemas de hoje e ao interesse do aluno. (D’Ambrósio 1996, p. 32).
17
Não é complicado dar uma fundamentação teórica para essa necessidade
desse enfoque, o que tem preocupado no decorrer dos anos, é como levar esse
conteúdo matemático para a prática, melhor ainda, como as pessoas nas suas
atividades profissionais diárias percebem a matemática inserida neste contexto.
No contexto escolar, na maioria das vezes acontece uma desassociação
entre o que ele transmite com o saber-fazer matemático que já vem acompanhado
ao homem, isto é, sua cultura, sua realidade.
O exercício de toda atividade humana tem sua origem nas necessidades,
atitudes e fatos cotidianos. Qualquer atividade exercida pelo ser humano traz em
seu bojo, uma grande bagagem de conhecimento histórico cultural herdado de
outras gerações e, conseqüentemente produzido, reproduzido e ampliado conforme
as necessidades de sobrevivência. Para tanto, o homem precisa utilizar seus
conhecimentos produzidos através do tempo, construindo equipamentos e técnicas
que simplificam as atividades do cotidiano e permitem ultrapassar as limitações
naturais impostas pelo meio em que vivem e buscar locais, como enfatiza
D’Ambrósio (2005):
Dentre as distintas maneiras de fazer e de saber, algumas privilegiam comparar, classificações, quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e, de algum modo avaliar. Falamos então de um saber/fazer matemática na busca de explicações e de maneiras de lidar com o ambiente imediato e remoto. Obviamente, esse saber/fazer matemática é contextualizado responde a fatores naturais e sociais (p.22)
O saber e o fazer matemático, está presente na grande diversidade de etnias,
possuidoras de características, condutas e valores próprios levando a acreditar que
cada povo possui a sua cultura técnica e uso do saber matemático independente de
tecnologias sofisticadas, e desenvolve habilidades de contagem, análise e
semelhanças. Isso quer dizer que um pedreiro, um lavrador um carpinteiro, um
estudante universitário, tem que saber o modo de desenvolver a matemática útil
para realização de seu trabalho.
Essa realidade é contrastante quando comparada à matemática ensinada na
totalidade das escolas que é desprovida de vínculos com a realidade desse
indivíduo. Acredita-se que a historicidade e o uso das técnicas empregadas por
diversas etnias são fatores constituintes do conhecimento tácito e este digno de ser
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aproveitado através das muitas relações que se pode considerar no processo
ensino-aprendizagem. Acrescenta-se ainda na existência de elos entre a tradição e
a modernidade, ou seja, trazer o conhecimento prévio por muitos desvalorizado,
adaptando-se à realidade sócio-cultural de individuo. D’Ambrósio (2005, p.46) deixa
esse aspecto bem claro quando propõe:
Fazer da matemática algo vivo ligando com situações reais no tempo [agora] e no espaço [aqui]. E, através da crítica, questionar aqui e agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e praticamos dinâmica cultural. Estamos, efetivamente, reconhecendo na educação a importância das várias culturas e tradições na formação de uma nova civilização transcultural e transdisciplinar.
O conhecimento (conteúdo) matemático trabalhando em sala de aula baseia-
se nos livros didáticos, que apresentam materiais distantes do cotidiano do aluno,
perplexo, inculcado com a falsa impressão de que é capaz de acompanhar e
compreender a matemática tida como única no mundo “civilizado” e que lhe é
imposto. Ao sentir dificuldades de compreensão da disciplina fora do seu dia-a-dia, o
indivíduo perde totalmente o valor e o exclui da esfera social conhecida como
detentora do “conhecimento” formal. Entretanto, o seu conhecimento é resultado de
fatores naturais e sociais, objetos essenciais na produção do saber fazer informal.
A matemática utilizada no meio ambiente comercial local e familiar, com
intuito de resolver problemas práticos, não é tão diferente no sentido fundamental
das operações, apenas o objetivo é avaliar os alunos, dar notas, aprovar, ou não os
mesmos. Todavia o conhecimento formal é o que se distancia daquele considerado
do “senso comum”.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001), um currículo de
Matemática “deve procurar contribuir, de um lado, para a valorização da pluralidade
sociocultural, e do outro, criar condições para que o aluno transcenda de modo
fechado em um determinado espaço social, para um ambiente onde ele possa
transformá-lo”. (p.30)
Novas competências requerem novos conhecimentos, a compreensão de
questões sociais e políticas dependem de uma leitura e interpretação de
informações complexas e contraditórias que estão embutidas em dados estatísticos,
19
ou seja, para exercer a cidadania, é necessário saber calcular, medir, raciocinar,
argumentar, tratar informações estatisticamente, dentre outras.
Para que o individuo possa interagir de forma adequada na sociedade na qual
está inserido, é necessário ter uma cultura mínima de conhecimentos matemáticos
para se adequar no contexto sócio cultural, competitivo, complexo e seletivo que
exige cada vez mais, maior nível de escolarização.
A matemática nesse panorama é uma das ferramentas necessárias para
explicar, comunicar, entender e manejar com a realidade, tanto na solução de
problemas no presente, quanto no futuro, é o que nos afirma Sebastiani (1993, p.13)
Sem dúvida a Matemática é a disciplina que mais é chamada na hora de se arbitrar para a cidadania. É ela que mais reprova e, portanto, é a grande responsável pela exclusão da maioria da população de participar da cidadania. Todo processo seletivo, alguns necessários, outros não, onde se tem mais competidores do que se necessita ou capacidade de observação, é a Matemática solicitada a colocar do demarcador.
Observamos daí que a Matemática é uma disciplina que desempenha um
papel relevante na construção da sociedade e do conhecimento humano e que está
presente em tudo que fazemos.
Apesar de a Matemática ser de grande relevância na construção do
conhecimento, há um índice muito elevado de indivíduos que sentem dificuldades
em lidar com o raciocínio lógico, e a grande maioria de alunos nas escolas sentem
também dificuldades de aprendizagem, que as demais disciplinas do currículo.
Diante do exposto é que propomos superar estas dificuldades numa tentativa
de inovar nossa prática em pontos críticos em prol de uma aprendizagem
significativa. É fundamental antes de tudo que façamos numa avaliação diagnóstica
do contexto em pauta referente ao nosso tema, isto é, no trabalho informal. Saber
onde, neste cotidiano se insere os conhecimentos matemáticos, despertando assim
o interesse e o prazer pelo ensino da Matemática.
Visando contribuir com uma análise sobre a Matemática presente no trabalho
informal buscamos nesta pesquisa responder aos seguintes objetivos:
• Buscar identificar no trabalho informal a presença da matemática;
20
• Examinar nas diversas profissões do cotidiano (pedreiro, carpinteiro,
lavrador etc.), qual a sua relação com os conteúdos vistos no contexto
formal;
• Explorar em quais situações do trabalho informal necessita-se dos
conhecimentos matemáticos.
Esta análise é de grande importância, a partir do momento em que os sujeitos
envolvidos neste cotidiano percebem o real significado dos conceitos matemáticos
para sua construção de conhecimento do mundo que os rodeia, frente às novas
tecnologias e os grandes avanços do sistema globalizado. Para que os mesmos
possam questionar, apresentar argumentos a favor e contra, para que possam ter
uma visão crítica da realidade.
Fazemos votos que esta pesquisa possa servir de complemento às demais
análises já realizadas, e aporte para as que virão. Na certeza de que toda análise
sistemática requer uma reflexão aprofundada para levar a uma ação contínua
21
CAPÍTULO II
QUADRO TEÓRICO
2.1 – A história da Matemática e sua relação com o cotidiano.
Segundo a história do desenvolvimento político, econômico, social e cultural,
o homem, ao tentar resolver seus problemas cotidianos, desenvolveu a ciência e,
entre elas, a Matemática, que possui linguagem própria, de caráter universal,
essencial para a compreensão do universo e é construída pela humanidade. A
Matemática não é estática, mas uma ciência em evolução, variando em função do
avanço qualitativo e quantitativo do conhecimento global, juntamente com as
Ciências Humanas. Ela é uma ciência que reflete aspectos do mundo real,
principalmente aspectos da natureza. Atualmente, seu campo de aplicação tem se
ampliado constantemente, com o avanço da tecnologia.
Sobre isso, Fiorentini (1995, p. 32) pronuncia-se, dizendo: “Assim como
acontece com todo conhecimento, a Matemática é também um saber historicamente
em construção que vem sendo produzido nas e pelas relações sociais e, como tal,
tem seu pensamento e sua linguagem”.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000), atualmente, o
conhecimento matemático é necessário em uma grande diversidade de situações.
Pode-se destacar o valor formativo que contribui para o desenvolvimento de
processos de pensamento e a aquisição de atitudes a fim de enfrentar situações
novas com confiança e desprendimento:
Podendo formar no educando a capacidade de resolver problemas genuínos, gerando hábitos de investigação, proporcionando confiança e desprendimento pára analisar e enfrentar situações novas, propiciando a formação de uma visão ampla e científica da realidade, a percepção da beleza e da harmonia, o desenvolvimento da criatividade e de outras capacidades pessoais. (p.251).
A Matemática também possui caráter instrumental como linguagem e conta
com um conjunto de técnicas e estratégias, como apoio a outras áreas do
conhecimento nas atividades cotidianas e profissionais. Ela é usada, através dos
números, para resolver problemas em todas as áreas: a Geometria, para a leitura e
22
interpretação do espaço em que se vive; a Estatística e Probabilidades, para a
compreensão dos fenômenos naturais, políticos e sociais.
No Ensino Fundamental a Matemática, além do caráter formador e
instrumental, deve ser vista também como ciência, com suas características e
estrutura específica de investigação e de linguagem, que pode contribuir, juntamente
com as outras ciências, para a formação dos alunos, desenvolvendo competências
para ler e interpretar a realidade e construir uma visão de mundo, de forma crítica,
hoje tão exigida na vida social e profissional.
Enquanto ciência, a Matemática – que possui, na dimensão histórica de
diferentes épocas, uma estrita relação com a sociedade e a cultura – contribui para
ampliação e o aprofundamento do espaço de conhecimento, não só nessa disciplina,
mas também na sua inter-relação com outras áreas do saber.
O aluno, na escola, no mundo do trabalho e no exercício da cidadania,
enfrenta situações e desafios que fazem parte de um processo complexo, em que as
informações são apenas parte de um todo articulado, que exige conhecimento e
habilidades.
Nessa concepção, a Matemática não pode ser vista como um saber pronto e
acabado, ou um conjunto de técnicas e algoritmos, conforme concebe o ensino
tradicional e tecnicista, mas como um conhecimento vivo, dinâmico e produzido
historicamente nas diferentes sociedades.
Pensa assim Miguel (apud ABREU, 1994):
Não são os conteúdos em si e por si o que importa, mas os conteúdos enquanto veículo de grandes realizações humanas... os conteúdos enquanto veículos de produção de bens culturais (materiais e espirituais), desesperanças e utopias, sim,... mas também os conteúdos enquanto veículos de produção de dominação, da desigualdade, da ignorância, da miséria e da destruição... da natureza, de homens, de idéias e de crenças.(p.70)
Além disso, a Matemática, integrando a área de Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias, tem um papel importante como linguagem, porque
oferece instrumentos essenciais à construção de modelos científicos e é instrumento
auxiliar das outras disciplinas da área e das outras áreas do saber. Também, como
ciência, permite ir além da descrição da realidade e da elaboração de modelos,
23
através das formas de pensar que lhe são características; por isso, é necessário
escolher temas que visem ao desenvolvimento das atitudes, das habilidades e das
competências exigidas pela sociedade atual.
Porém, além da escolha de temas, deve-se refletir sobre a forma e a
metodologia de ensino a fim de atender aos critérios de interdisciplinaridade e
contextualização, ou seja, o ensino da Matemática não mais deve ser isolado, mas
ter um caráter integrado com as outras disciplinas e principalmente com o meio
social do indivíduo.
Também se deve considerar a relação da Matemática com as tecnologias em
crescente desenvolvimento, como mostra o cotidiano. Tecnologias surgem com uma
velocidade, antes nunca vista, e exigem renovação de saberes e de formas de fazer
em todas as atividades humanas, que se tornarão rapidamente ultrapassadas. Isso
provoca uma necessidade de aprender continuamente em um processo não mais
solitário, mas agrupados em equipes e que, juntos, farão um exercício coletivo de
memória, imaginação, percepção, raciocínio e de competências para produção e
transmissão de conhecimentos. A proposta pretende desenvolver competências e
habilidades que vão desde o atendimento equipamentos e de procedimentos do
cotidiano social e profissional até a avaliação de riscos e benefícios dos processos
tecnológicos e de aspectos éticos envolvidos na produção e na aplicação do
conhecimento tecnológico, desenvolvendo também a capacidade de ponderar sobre
os usos dessa produção humana.
O cenário atual do ensino da matemática no Brasil é um reflexo de como a
mesma evoluiu com passar dos tempos, e uma breve revisão do ensino dessa
disciplina torna-se necessária para se compreender o que hoje acontece com o seu
ensino e como este se relaciona com o cotidiano dos alunos.
Até o final da década de 40 e início da década de 50, o currículo utilizado no
ensino da Matemática em todo o mundo, obedecia a uma seqüência e disposição de
conteúdos similares. Os seis primeiros graus da escola elementar eram dedicados à
Aritmética; o sétimo e o oitavo à Álgebra e á Geometria “mais simples”.
Na escola secundária, o primeiro ano preocupava-se com Álgebra
“elementar”, o segundo era dedicado à Geometria “dedutiva” e o terceiro, à Álgebra
24
“intermediárias” e Trigonometria. O quarto ano era dedicado à Geometria “sólida” e
Álgebra “adiantada”, porém sem muita regularidade quanto ao conteúdo. (ARAÚJO,
1999).
Este currículo, denominado como tradicional, objetivava o conhecimento da
Matemática como conjunto de técnicas. Contudo, não era considerado ideal: não
primava pela compreensão; apresentava desconexão entre tópicos e priorizava a
memorização dos conteúdos, através de exercícios repetitivos e utilização,
geralmente, dos mesmos materiais didáticos. Faltava-lhes motivação e associação
com o mundo real.
Em 1952, a busca de soluções para alguns desses problemas levou à
proposição de um novo currículo para a Matemática, denominado como Matemática
Moderna. A nova roupagem do conteúdo centralizava o programa na teoria dos
conjuntos e buscava a reabilitação da ciência matemática. Na década de 50, as
adequações advindas da Pedagogia Tecnicista, impostas pelo mercado capitalista,
exigiram mudanças no processo educacional. Estas mudanças ocorreram no
primeiro e segundo graus sob a forma das Leis 4024 e 5692.
Na década de 80, foi estabelecida no país a nova Constituição Federal e
alterada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A nova LDB trata
as Diretrizes para nortear os currículos e os conteúdos mínimos no ensino, de modo
a assegurar uma formação básica comum a todos. Para isto, foram traçadas
diretrizes através da instituição de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s).
Os PCN’s, criados em 1998 pelo Ministério da Educação e Desporto, tem
como objetivo orientar o professor, de modo a motivá-lo a fornecer subsídios para
“ampliar o horizonte dos seus alunos”, preparando-os competitivamente para o
mundo. Os Parâmetros Curriculares ressaltam a importância de atualização
profissional constante, reconhece as dificuldades na Educação, a desvalorização
salarial, mas não sugere uma pauta para estas questões.
De acordo com Miguel, Fiorentini e Miorim (1998), desde 1799, até início da
década de 1960, prevaleceu um ensino de caráter reprodutivo, sem clareza, em que
tudo era essencial. A matemática escolar apresentava-se dividida em
compartimentos estanques. Primeiro estudava-se a aritmética, depois a Álgebra e,
25
em seguida, a Geometria. Neste período, segundo esses autores, esse ensino
apresentava um caráter mais instrumental, útil para resolver equações e problemas.
Através da análise de livros textos anteriores à década de 1960, Miguel,
Fiorentini e Miorim (1998), concluíram que, no ensino da matemática, uma maior
ênfase era atribuída às transformações das expressões e problemas, e os
conteúdos eram, quase sempre, apresentados através de procedimentos que,
provavelmente, conduziam a uma aprendizagem mecânica, na qual apenas as
regras e os passos na solução de um problema eram trabalhados.
Thiré (1944), em um livro destinado ao exame de licença ginasial de
matemática (exigência final, na época de 1944, do curso ginasial, realizado pelo
Ministério da Educação e Saúde), apresentava listas de exercícios em que os alunos
devem seguir o modelo “Os dez exercícios que se seguem são da forma a² - b² = (a
+ b) (a – b)” (p. 45). Isso mostra, mais uma vez, que a aprendizagem era baseada
em procedimentos; aos alunos cabia seguir o modelo apresentado. Na parte teórica
do livro eram descritas as propriedades, sem nenhuma justificativa.
Na década de sessenta, com o surgimento do movimento da matemática
moderna que possuía como um dos seus objetivos a unificação dos três campos
fundamentais da matemática, através da introdução de elementos unificadores. Em
conseqüência, o ensino da matemática perdeu o seu caráter pragmático, útil para
resolver problemas. O programa do seu conteúdo então começava pelo estudo da
teoria de conjuntos e a ênfase era colocada nas operações e nas suas propriedades.
Alguns fatores, levantados por Pires (1995), caracterizavam a matemática
moderna ensinada nas escolas:
- atividades práticas que envolvem aspectos do cotidiano das pessoas, perderam-se de vista; - aspectos característicos das diferentes culturas, como procedimentos de cálculos e medidas que as crianças aprendem fora da escola, também não pareciam merecer qualquer consideração; - um grande destaque foi conferido à matemática no currículo, ela era colocada numa posição tal que sua articulação com as demais disciplinas era mais um problema destas e não dela própria; - os conteúdos matemáticos eram tratados desvinculados de quaisquer posturas pedagógicas centradas na socialização dando-lhes uma abordagem ‘escolar’. (p. 44- 45)
Na segunda metade da década de setenta, o movimento da matemática
moderna entrou em declínio em todo o mundo e aparecem críticas aos pressupostos
26
desse movimento e tentativas de correções dos excessos cometidos. D’ Ambrosio
(1997), afirma que os movimentos daquela época começaram a dar maior ênfase a
uma aprendizagem mais participativa, com uma percepção da importância de
atividades da realidade vivida pelos alunos.
Os autores Miguel, Fiorentini e Miorim (1998), destacam que a Matemática,
apesar de ocupar um importante papel nos atuais bastidores da educação, não tem
recebido a devida atenção nos debates, estudos e reflexões a respeito do seu
ensino. Comentaram ainda, sobre o ensino atual que: “(...) a maioria dos professores
ainda trabalha a matemática de forma mecânica e automatizada, dissociada de
qualquer significação social e lógica, enfatizando simplesmente a memorização e a
manipulação de regras, macetes, símbolos e expressões” (p. 40)
Apesar do destaque dado a um ensino da matemática que privilegia as
técnicas e os transformismos, Falcão (1996), numa pesquisa efetuada com 481
sujeitos de treze e dezessete anos, sugeriu que as dificuldades dos alunos em
trabalhar com matemática não se restringem apenas a solução de problemas, mas,
também, ao processamento, que é concernente ao trabalho de transformações e
conexões com o mundo real, seguindo “regras próprias” (p.78).
Araújo (1999) constatou esta situação numa pesquisa realizada com 378
sujeitos que buscou verificar o desempenho e as dificuldades manifestadas por
alunos do primeiro ano de diferentes áreas do conhecimento do Ensino Superior e
alunos concluintes do Ensino Médio. A análise dos resultados mostrou que a maioria
dos estudantes apresentou baixo desempenho nos testes matemáticos. Trouxe um
contexto que vai, desde o desconhecimento dos conceitos básicos da disciplina e de
erros devido à dificuldade do próprio ensino, tanto em nível conceitual quanto no uso
incorreto de propriedades, de operações, em propriedades ou na prioridade das
operações. Entre as dificuldades apresentadas pelos referidos alunos apareceram: a
necessidade de seguir um procedimento padronizado para resolver problemas
simples; não dar significado para as equações; o uso indevido de incógnitas. Quanto
aos erros de processamento dos problemas, observou-se o uso incorreto do
principio de equivalência e o uso indevido de regras como “muda lado – muda sinal”.
(Reforçando essa idéia, Falcão (1996), ressaltou que a regra “muda lado – muda
27
sinal” é a regra predominantemente utilizada, muitas vezes incorretamente,
conduzindo a muitos erros de processamento dos problemas p.83)
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – INEP -, órgão
do Governo Federal, através do SAEB - Sistema Nacional de Avaliação Básica –
que desde 1990 tem aplicado Teste de Rendimento Escolar dos alunos com o
objetivo de melhorar a qualidade do Ensino Fundamental e Médio, aponta nos
resultados apresentados e evidencia de inúmeras dificuldades dos alunos
relacionadas aos conteúdos de Matemática. De acordo com o relatório do SAEB de
2001, os alunos das 8ª séries do Ensino Fundamental demonstraram dificuldades
com o uso da linguagem matemática.
Vários pesquisadores reconhecem a problemática no processo de ensino-
aprendizagem da Matemática, como destacam Imenes e Lelis (1994):
Professores e alunos sofrem com a matemática da 7ª série. Uns tentando explicar outros tentando engolir técnica de cálculo, quase sempre, são desprovidas de significados para uns e outros. Mesmo nas tais escolas de excelência, onde aparentemente os alunos da 7ª série dominam todas as técnicas, esse esforço tem pouco resultado. (p.2)
Tendo em vista o contexto delineado, a escola deve propiciar atividades para
sua clientela no sentido de fazer com que elas construam uma aprendizagem
significativa no âmbito formal e informal. Se não se introduzir a matemática de
maneira significativa, conectando o novo conhecimento aos conhecimentos prévios
que os alunos já possuem se aos objetos não se associar a nenhum sentido do seu
cotidiano, se a aprendizagem da matemática for centrada na manipulação de
expressões simbólicas a partir de regras que se referem a objetos abstratos, muito
cedo os alunos encontrarão dificuldades nos cálculos e passarão a apresentar uma
atitude negativa em relação à aprendizagem matemática que muitas vezes fica
desprovida de significação.
O que ocorre em grande escala no ambiente escolar é encontrar alunos que
se frustram e não conseguem ter um desempenho satisfatório nas aulas de
Matemática, pois muitas vezes não vêem sentido na sua aprendizagem. Como cita
Orton (1990), “é possível que não entendendo a matemática, os alunos se sintam
frustrados, experimentem ansiedade e cheguem a rechaçar a matemática como
atividade significativa valiosa” (p. 12).
28
Os PCN’s – Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) – afirmam que é
preciso inovar nos métodos de ensino:
[...] um desenvolvimento mais eficaz, cientifico e pedagógico exige mudanças na própria escola, de forma a promover novas atitudes no aluno e na comunidade. É preciso mudar convicções equivocadas, culturalmente difundidas em toda a sociedade, de que os alunos são os pacientes, de que os agentes são os professores e de que a escola estabelece simplesmente o cenário do processo de ensino. (p. 263)
Não devemos esquecer que, muitas vezes, para estar na moda mudam-se
as aparências das propostas, porém, no fundo, a escola continua fazendo a mesma
coisa.
Para que ocorram mudanças, tão necessárias no ensino de matemática, é
preciso que se contemple além dos aspectos formais, a construção do pensamento
informal, pois não se pode utilizar uma nova linguagem sem que lhe seja dado
sentido, sem que não se sinta a necessidade de sua utilização. Deve-se entender
que a linguagem é, pelo menos a principio, a expressão de um pensamento. O
pensar matemático ainda não faz parte de muitos processos de aprendizagem que
ocorrem na sala; sendo assim, pode-se afirmar que a matemática perde seu valor
como um rico instrumento para o desenvolvimento de um raciocínio mais abrangente
e dinâmico.
Em relação à aprendizagem dos PCN’s de Matemática do Ensino
Fundamental, destacam que, para garantir o desenvolvimento do pensamento
matemático, o aluno deve estar necessariamente engajado em atividades que inter-
relacionem as diferentes concepções do seu cotidiano. O enfoque a partir da
observação, da regularidade de ocorrência dos fenômenos e de generalizações,
precisa fazer parte do ensino da matemática. Este deve incluir a compreensão dos
conceitos que permeiam o mundo real do aluno (BRASIL, 1997).
Muitos pesquisadores, preocupados com a educação matemática que se
tem dado aos alunos, afirmam que seria adequado iniciar desde cedo a educação
das crianças no pensamento matemático por meio de atividades que assegure o
exercício dos elementos caracterizadores desse pensamento.
A ênfase é que a escola, além do domínio de conceitos, deve desenvolver
atitudes e valores através de atividades que envolvam os alunos e, para isto é
29
necessário que uma nova postura metodológica se instale na escola.
Reconhecemos que esta nova postura é difícil de implantar, pois hábitos há muito
consolidados precisam ser alterados, e reconhecem também a importância de um
apoio cientifico e educacional das universidades para que ocorram mudanças.
Sobre a formação inicial e continuada dos professores, os PCN’s enfatizam
que estes programas seriam mais eficientes se fossem conduzidos em função das
necessidades identificadas na prática docente. Tal formação ainda não aparece em
muitos currículos. Apesar das constantes denúncias sobre o ensino de matemática,
os problemas permanecem. Na maioria das escolas ainda predomina um ensino
tradicional, centrado no professor, que tem por função a transformação de
conhecimento.
Muitos estudantes continuam não vendo sentido na aprendizagem da
Matemática, que lhes é apresentada de forma descontextualizada. A Matemática
passa a não ter significado para muitos alunos, que se preocupam em gerar
estratégias para memorizarem dados e aplicar fórmulas que serão logo esquecidos,
e muitos não chegam a desenvolver o pensamento matemático.
A tentativa é mover esforços para que os professores possam conscientizar-
se da necessidade urgente para uma prática mais significativa, que garanta uma
aprendizagem do ensino de matemática, que priorize a relação entre o saber
informal com o saber formal, produzindo assim uma mudança real e satisfatória.
2.2 - A Matemática presente nas diversas atividades formais e informais:
conceitos e desafios
O homem utiliza Matemática em todas as circunstâncias. Para construir uma
ponte, um engenheiro tem de utilizar complexos cálculos matemáticos. Um pedreiro
necessita saber quantos tijolos compõem uma parede de uma casa. O médico mede
a tensão arterial ao seu paciente. A empregada da caixa do supermercado faz
cálculos constantemente. Os cientistas utilizam a Matemática com a freqüência do ar
que respiram.
No contexto atual educacional, percebemos que o ensino da matemática
ainda é sistemático, ou seja, os conteúdos são apresentados aos alunos seguindo
30
uma ordem pré-estabelecida. A maioria dos professores de matemática trata seus
alunos como pessoas sem conhecimento algum e, via de regra, não consideram os
conhecimentos que seus alunos já possuem.
O ensino de matemática se faz, tradicionalmente, sem referência ao que os alunos já sabem. Apesar de todos reconhecermos que os alunos podem aprender sem que o façam na sala de aula, tratamos nossos alunos como se nada soubessem sobre tópicos ainda não ensinados. (CARRAHER, 2003, p.21).
Podemos perceber que nossos alunos quando chegam a sala de aula, já
trazem conhecimentos que são adquiridos no seu cotidiano com familiares e amigos.
Muito deles possuem conhecimentos matemáticos que fazem parte de suas
atividades. Conhecimentos estes adquiridos com as experiências do dia a dia.
Charraher (2003) mostra ainda a relação da matemática com o cotidiano das
pessoas quando acrescenta:
Enquanto atividade humana, a matemática é uma forma particular de organizarmos os objetos e eventos no mundo. Podemos estabelecer relações entre os objetos de nosso conhecimento, contá-los, medi-los, somá-los, dividi-los, etc., e verificar os resultados das diferentes formas de organização que escolhemos para nossas atividades. ( p.13).
Assim como nossos alunos que possuem conhecimentos adquiridos fora do
contexto escolar, ou seja, no cotidiano, existem também profissionais que adquiriram
seus conhecimentos ao longo da vida com familiares e amigos, e que não possuem
o ensino formal. O ensino formal nesta perspectiva é segundo Brandão (2001, p.26):
o momento em que a educação se sujeita à pedagogia (teoria da educação), cria situações próprias para o seu exercício, produz os seus métodos, estabelece suas regras e tempos e constitui executores especializados. É quando aparecem a escola, o aluno e o professor.
Dentre os profissionais que fazem uso da matemática no cotidiano,
destacamos nesta pesquisa, profissionais tais como o pedreiro, o lavrador, o padeiro
o carpinteiro dentre outros, para simbolizar esta realidade tão presente em nossas
vidas. São profissionais que aprenderam na prática a trabalhar com conhecimentos
de diversas áreas, inclusive de matemática sem ter necessariamente freqüentado a
escola. Estes profissionais fazem uso de cálculos matemáticos em quase todas as
etapas de sua profissão.
31
Destacamos com prioridade para exemplificar aqui o pedreiro, por considerá-
lo extremamente importante para nossa sociedade, pois sua figura se faz presente
na história do homem através das suas mudanças sociais: primeiras habitações
(individualidade, proteção); vivências em grupos (aldeias, comunidades, conjuntos
habitacionais); medo do outro (fortes e muralhas); cultos a divindades (igrejas e
palácios), muito embora, explanaremos brevemente o conceito que envolve os
outros profissionais acima citados.
2.2.1 – O Pedreiro
De acordo com Ferreira (2004, p.558), “pedreiro é aquele que trabalha em
obras de pedra e cal”. A Enciclopédia Brasileira de Consultas e Pesquisas (1980, p.
1140), define o pedreiro como “o operário que trabalha na construção de casas e
edifícios” e tem como funções:
Executar trabalhos de alvenaria, assentando pedras ou tijolos de argila ou concreto em camadas superpostas e rejuntando-os e fixando-os com argamassa, para edificar muros, paredes e outras obras. Verifica as características da obra, examinando plantas e outras especificações da construção, para selecionar o material e estabelecer as operações a executar.
Ao realizar suas funções, o pedreiro necessita de habilidades físicas e
matemáticas. As habilidades matemáticas em geral foram ensinadas informalmente
por membros da família ou amigos.
Esses profissionais precisam de habilidades matemáticas, não-formalmente ensinadas e por isso mesmo não reconhecidas oficialmente. Eles necessitam estruturar seus conhecimentos lógico-matemáticos sem o benefício de qualquer instrução. (CARRAHER, 2003, p.102).
O pedreiro começa na profissão como aprendiz, ou seja, como servente,
auxiliando um profissional e trabalha sob sua orientação. Uma vez de posse dos
conhecimentos e das habilidades necessárias à atividade poderá então ser
considerado um profissional. A sociedade, porém, estabelece parâmetros entre o
pedreiro e o bom pedreiro a partir das atividades executadas, determinando uma
espécie de “boa propaganda” para o “serviço” bem feito. Conhecimento do pedreiro,
32
normalmente, não acontece nas escolas1.
No Brasil, de acordo com dados obtidos através do site A Comunidade
Italiana On-line (2006), a figura do pedreiro existe desde sua colonização quando
surgiram as primeiras construções, no entanto, sem reconhecimento oficial. Os
primeiros pedreiros que chegaram ao Brasil eram de origem italiana e vieram junto
com outros trabalhadores para a lavoura do café. Entretanto, para receberem os
benefícios concedidos pelo governo, a exemplo de passagens, lotes, transportes e
outros, nos documentos oficiais, todos, se denominaram lavradores, escondendo
assim suas verdadeiras profissões. Os imigrantes vieram principalmente para o
estado de São Paulo, onde há os primeiros registros de pedreiros que trabalharam
no Núcleo. Desses profissionais quase todos eram da família “Murari”, que quer
dizer aquele que trabalha como pedreiro. A “arte muraria”, ou “arte do pedreiro”, tem
na família Murari prova do desenvolvimento de transmissão do ofício. Em todas as
ramificações da família Murari, pedreiros se destacaram em cada geração. Assim,
espalhou-se um grande número de construções pelo Núcleo Colonial, por Jundiaí e,
por outras cidades do estado. A origem das construções está incorporada à história
das casas brasileiras construídas com tijolos.
Esses pedreiros, assim como outros anônimos, formavam novos pedreiros a
cada obra, difundindo, pela necessidade do construir, o ofício e a linguagem de uma
arquitetura que para nós atualmente é tão familiar. Foram os pioneiros que
motivaram, de forma direta ou indireta, através de relações familiares e/ou
divulgação do ofício, a formação dos profissionais da construção do final do século
XVIII até nossos dias.
Tanto a história recente da profissão como a mais antiga, são assuntos de
importância fundamental para se entender como foi formada a nossa paisagem
arquitetônica.
O pedreiro é uma profissão bastante antiga. O seu principal objetivo, entre
outros, é a construção de habitações. Utiliza materiais e ferramentas de construção
1 Atualmente já é possível encontrar nas grandes cidades, cursos profissionalizantes para Pedreiros,
como por exemplo, os cursos oferecidos pelo SENAC e SENAI.
33
para este fim. Na afirmação do significado deste profissional Churchill (apud
ARAÚJO, 1999) explica:
O pedreiro é aquele que constrói paredes, muros, telhados, casas e prédios, coloca tijolos ou pedras unidas com cimento ou argamassa, para que a construção fique segura, sem existir o risco de cair. É um trabalho que se faz ao ar livre e muitas vezes em cima de andaimes, daí ser um trabalho um pouco perigoso. (p.24)
O pedreiro utiliza frequentemente diversas ferramentas da sua profissão,
como é o caso da colher de pedreiro, o fio de prumo, o nível de bolha de ar, réguas
de madeira e esquadros de metal. O pedreiro deve ter alguns conhecimentos
principais para ser um bom profissional: deve saber ler planos, para poder construir
no sítio certo e como se pretende. Deve ser igualmente cuidadoso, de modo a que a
sua construção fique firme, bem feita e bem acabada. É um trabalho que exige
muito a força física para levantar os tijolos, as pedras e outros materiais. Atualmente
as gruas e os guindastes são uns bons auxílios para o pedreiro, pois faz com que
este não precise de tanto esforço por parte dele mesmo, mas nem por isso deixa de
ser uma profissão dura. Normalmente, o pedreiro trabalha com um ajudante, a
trolha.
O mais importante da profissão do pedreiro, é sua identificação com os
conteúdos de matemática, mais especificamente tomemos como exemplo o
Teorema de Pitágoras e sua extrema relação com os alicerces de uma casa
construída pelo pedreiro.
Para construir uma casa, deve-se projetá-la e desenhar a planta que é
entregue a um mestre-de-obras, responsável por supervisionar a construção. Para
começar, o mestre e seus ajudantes marcam o terreno, de acordo com a planta, as
linhas dos alicerces da casa. Eles usam barbantes, estacas, metro de carpinteiro,
etc. As paredes devem, normalmente, formar ângulos retos. Na linguagem dos
construtores, elas devem “estar no esquadro”. O desenho de um ângulo reto no
papel pode ser feito com esquadro e, às vezes, “a olho”. No chão de terra, porém, é
mais difícil marcar com precisão cantos retos cujos lados devem ter vários metros de
comprimento. O que o pedreiro faz então? Inicialmente, ele estica um fio entre duas
estacas cravadas estrategicamente (chamaremos aqui de estaca A e B) no chão.
Depois esticam até uma terceira estaca (chamaremos aqui de estaca C) que não é
34
cravada no chão. Um ajudante de pedreiro fica segurando-a até o mestre-de-obras
dizer onde deve ser cravada. O mestre escolhe esse local “a olho”, baseando em
sua sensibilidade e experiência. A posição do fio AC precisa ser conferida, pois o
mestre-de-obras não pode confiar apenas em seu “olhômetro”. Ele não pode correr o
risco de levantar paredes “fora do esquadro” quer dizer, formando ângulos agudos
ou obtusos. É aqui que entra o Teorema de Pitágoras. (IMENES, 2000, p.22,23)
Para ter certeza de que os fios AB e AC formam um ângulo reto, o mestre e o
ajudante fazem, por exemplo, o seguinte:
*sobre o fio AB, marcam P a 3m de A
*sobre o fio AC, marcam Q a 4m de A
*finalmente, medem a distância PQ.
Para o ângulo ser reto, a distância PQ deve medir exatamente 5m, isto
porque, num triângulo de lados 3m, 4m e 5m vale a relação de Pitágoras: 3² + 4² =
5². Ou em outras palavras, o triângulo de lados 3, 4 e 5 é um triângulo retângulo. O
mais impressionante neste contexto, é que muitos mestres-de-obras não puderam
freqüentar a escola e, por isso, não sabem que o que estão usando tem a ver com o
teorema de Pitágoras, mas usam esses conhecimentos adquiridos na escola da
vida. (IMENES, p.24)
Quando as estacas são colocadas, o mestre-de-obras nem sempre acerta na
primeira tentativa. Por exemplo, pode acontecer que, medindo PQ, ele obtenha 4,83
m. Isso significa que o ângulo formado pelos fios AB e AC mede um pouco menos
de 90º. Aí é feita uma segunda tentativa. Coloca-se a estaca C numa outra posição,
abrindo um pouquinho o ângulo, e mede-se de novo PQ para verificar se o novo
comprimento é 5 m, e assim prossegue até a medida exata. (IMENES, p.24)
Observamos desse exemplo que muitas noções de matemática são
necessárias à profissão de pedreiro, como, por exemplo, também das noções de
geometria que são usadas em vários momentos da obra, a exemplo do cálculo da
área de um determinado terreno, parede ou piso de uma sala.
Estas atividades que destacamos, podem ser aproveitadas em aulas de
matemática como concretização de teorias mais significativas para o aluno. O
35
professor, em especial, o do ensino fundamental, pode em parceria com outros
professores e pais de alunos, realizarem um projeto na escola, onde o foco seja, por
exemplo, o pedreiro, e trabalhar diversos conteúdos da matemática, além dos
aspectos sociais, econômicos e políticos envoltos neste contexto.
A construção de modelos matemáticos, ou seja, a abstração matemática tão
cobrada, por certo, seria facilitada com a visualização de modelos reais
apresentados pelos pedreiros. Os conteúdos também ganhariam novo significado,
pois seriam “traduzidos” para a linguagem do pedreiro.
2.2.2 – O Lavrador
A clara utilização da matemática na vida do lavrador é histórica e pode ser
melhor compreendida nas colocações de Araújo (2005),que argumenta que para
fazer “medições(qual o tamanho do seu quarto? quanto pesa o seu prato?), é
necessário utilizar um padrão, isto é, uma unidade que seja aceita e adotada por
toda a sociedade”. Imaginemos se, para medir um terreno, cada pessoa utilizasse o
comprimento do palmo de sua mão como unidade artificial? Para evitar essa
confusão, no antigo Egito, o faraó decretou que todo o povo egípcio deveria usar a
mesma unidade. Todos deveriam medir seus terrenos com a unidade do faraó.
Para trabalhar com os números da terra, o faraó criou um grupo de homens
especializados, que utilizavam cordas para fazer as suas contagens. Ficaram
conhecidos como “estiradores de corda”. Assim que um terreno era dado como
propriedade a certo lavrador, os estiradores tomavam a unidade de medida
assinalada na própria corda, esticavam as cordas nos limites do terreno e
verificavam quantas vezes a unidade de medida estava contida nas dimensões do
terreno. Na prática podiam resolver do seguinte modo: Os estiradores tinham:
A unidade do faraó: A___________B. E a dimensão a ser medida: R
S.
E mediam quantas vezes a unidade do faraó se achava contidas dentro da
dimensão a medir:
36
Os egípcios dessa época usavam a escrita numeral repetitiva para indicar
quantidades. Cada unidade era representada por uma barrinha "|". A medida do
comprimento RS, por exemplo, era indicada por "|||", isto é, 3 unidades.
Às vezes, no entanto, o valor não era "redondo", exato. Daí surgiu outro problema:
como contar (ou medir) uma quantidade de terra que não possui dimensões inteiras
da unidade do Faraó? Isto é, quando "sobrava" um pedacinho que não foi medido,
por não se encaixar na unidade de medida estabelecida.
O resultado foi criar "unidades menores", subunidades. Será a criação da idéia da
subdivisão da unidade dos faraós que irá indicar a resposta ao segundo problema.
Acompanhemos a idéia dos "estiradores". Eles faziam o seguinte: Temos a unidade
do faraó: A B. E a dimensão a ser medida: C
D.
Ao fazer a medição, sobrava um pedaço da dimensão, do comprimento, do
terreno que era menor que a unidade do faraó.
---------
A medida de CD é 3 unidades e mais um pouco. Como transformar em
número esse pouco? Eis o comprimento que “sobrou” ____. Tomava-se a unidade
do faraó e ela era dividida em "subunidades" iguais menores. Primeiro em duas
37
"subunidades" menores. Agora tentava-se medir com esta subunidade a "sobra".
Como essa nova unidade (a subunidade) era ainda grande para a "sobra", criava-se
uma nova unidade menor dividindo a do faraó em três. E novamente tentava-se
medir a sobra. A "sobra" mede uma unidade menor que resulta da unidade do faraó
dividida em três partes. Observando o trabalho dos "estiradores de cordas" vemos
que eles criaram, a partir da unidade do faraó, uma nova unidade com a qual contam
a quantidade da sobra. Essa nova unidade, a subunidade, resulta da divisão da
unidade do faraó em partes iguais cujo número depende de se encontrar o
comprimento ajustado à sobra. Essa nova unidade é, portanto, parte da unidade do
faraó considerada como inteiro. Medindo-se com ela a sobra obtém-se a fração do
inteiro: Fração é a medição que se faz utilizando-se a subunidade que resulta da
divisão da unidade inteira em partes iguais. Como vimos, os egípcios utilizaram seu
sistema numeral para escrever as medições que faziam. A parte fracionária era
indicada pelo sinal . (ARAÚJO, 2005)
Este sinal era o desenho de um pão que deveria ser repartido em porções
iguais. Ele indica que a unidade foi dividida. O número de partes em que foi dividida
vinha indicado abaixo dele. No caso do nosso exemplo a medida da sobra seria
indicada por:
1. A escolha da unidade artificial com a qual se vai contar a quantidade. Essa
unidade: tem de ser da mesma natureza da quantidade que se quer medir; assim
comprimento se mede com comprimento, peso com peso, força com força, etc;
� A escolha não pode ser individual; tem de ser combinada com todas as pessoas;
trata-se, portanto, de uma escolha social;
� apesar de ser uma escolha social, a unidade artificial é uma quantidade qualquer;
� uma vez escolhida, a unidade passa a ser chamada de unidade padrão;
2. Compara-se a unidade padrão com a quantidade que se quer contar, verificando-
se quantas vezes aquela aparece nesta;
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3. Caso ocorram sobras, a unidade padrão é dividida em subunidades (menores)
que são comparadas com a sobra. Esse processo se dá até encontrarmos uma
subunidade que corresponda à sobra;
4. Registra-se, por fim, o número obtido com a medição. Muitos séculos depois, os
matemáticos deram o nome de fração a esse novo número e passaram a
representá-lo de modo diferente:
� ao invés de indicar 1 parte de 3, escreviam resumidamente:
O número 3, abaixo do traço (chamado denominador) conta em quantas partes se
dividiu a unidade de medida e o número 1, acima do traço (chamado de numerador)
conta quantas dessas novas unidades couberam no pedacinho que faltava.
A Matemática também tem contribuído para facilitar a vida do lavrador nas
suas experiências diárias, mesmo que ele não se aperceba desse fato.
2.2.3 – O Padeiro
A panificação é uma atividade muito antiga. Os primeiros pães foram assados
sobre pedras quentes ou debaixo de cinzas. A utilização de fornos de barro para
cozimento dos mesmos começou com os egípcios, sendo atribuída a eles também a
descoberta do acréscimo de líquido fermentado à massa do pão para torná-la leve e
macia.
Na mesma época, os judeus também fabricavam pães, porém sem fermento,
pois acreditavam que a fermentação era uma forma de putrefação e impureza. A
Jeová só ofereciam pão ázimo, sem fermento, o único que consomem até hoje na
Páscoa.
Na Europa o pão chegou através dos gregos. O pão romano era feito em
casa, pelas mulheres, e depois passou a ser fabricado em padarias públicas. Foi aí
39
que surgiram os primeiros padeiros. Com a queda do Império Romano, as padarias
européias desapareceram, retornando o fabrico doméstico do pão na maior parte da
Europa.
No século XVII, a França tornou-se o centro de fabricação de pães de luxo,
com a introdução dos modernos processos de panificação. Depois, a primazia no
fabrico de pão passou a Viena, Áustria.
A invenção de novos processos de moagem da farinha contribuiu muito para
a indústria de panificação. Durante o processo de evolução da fabricação de pães
foram utilizados para triturar grãos de trigo, os moinhos de pedra manuais, os
movidos por animais, os movidos pela água e, finalmente, pelos moinhos de vento.
Apenas em 1784 apareceram os moinhos movidos a vapor. Em 1881, com a
invenção dos cilindros, a trituração dos grãos de trigo e, conseqüentemente, a
produção de pães foi aprimorada consideravelmente.
De acordo com o sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, o Brasil conheceu o
pão no século XIX. Antes do pão, o que se conhecia, em tempos coloniais, era o biju
de tapioca. No início, a fabricação de pão, no país, obedecia a uma espécie de ritual
próprio, com cerimônias e cruzes nas massas. Foi com a chegada dos imigrantes
italianos que a atividade da panificação começou se expandir.
Percebemos a importância dessa atividade através das épocas e de diferentes
continentes, e curiosamente a matemática está intrinsecamente presente também
nesta atividade. Um padeiro sabe exatamente que para fazer 24 pães, usa
exatamente 1 quilo de farinha de trigo, 6 ovos e 200 gramas de manteiga. Para uma
proporção maior, por exemplo: Qual é o maior numero de pães que ele conseguirá
fazer com 12 quilos de farinha, 54 ovos e 3,6 quilos de manteiga, ele terá a mesma
habilidade na produção pela experiência e prática. O padeiro neste caso faz uso da
matemática que muitas vezes na escola não saberia aplicá-la. (SCHEFFER, 1998)
2.2.4 – O Carpinteiro
A Carpintaria executa vários trabalhos relacionados com madeira, tais como
móveis, ferramentas, construção civil e até construção marítima. Quem trabalha
40
nesse ramo (Carpinteiro) deve ter noções de geometria, e saber como lidar com
madeira maciça. A carpintaria faz móveis, telhados, portas, assoalho, forros e muitos
outros. O Carpinteiro é aquele que trabalha no ramo de madeiras. Ele faz trabalhos
diversos com madeira. Os carpinteiros normalmente aprendem essa profissão
através de família, amigos, ou até em estudos.
Fernandes (2004) diz-se que há uma grande diferença entre Carpinteiro e
Marceneiro, “sendo este último o profissional que trabalha a madeira com mais arte,
com cuidados mais refinados, produzindo objetos que exigem maior
aformoseamento”. O Carpinteiro é um profissional indispensável na construção civil,
sendo ele o responsável pela construção de fôrmas de madeira para enchimento de
concreto, ou trabalhos de estrutura de telhados, ou esquadrias de portas e janelas,
quando de madeira. A palavra “carpintaria é originária do latim carpentarius, que
seria o construtor de carros, daí significando o trabalho de madeira mais bruto, ou
mais pesado”. Já o Marceneiro, em geral, “não trabalha nas obras de construção
civil, cuidando mais dos complementos em móveis, tais como a construção de
armários, estantes, mesas, camas” etc. (p.22)
A relação do carpinteiro com a matemática também tem grande influência e
relação entre si, pois o carpinteiro tem que saber geometria, afinal as coisas não se
fazem sozinhas. Mesmo que este profissional não o saiba faz uso constante dos
sistemas de medidas e porcentagem na sua atividade cotidiana.
Estas atividades que destacamos, podem ser aproveitadas em aulas de
matemática como concretização de teorias mais significativas para o aluno. O
professor, em especial, o do ensino fundamental, pode em parceria com outros
professores e pais de alunos, realizarem um projeto na escola, onde o foco seja, por
exemplo, o pedreiro, e trabalhar diversos conteúdos da matemática, além dos
aspectos sociais, econômicos e políticos envoltos neste contexto.
A construção de modelos matemáticos, ou seja, a abstração matemática tão
cobrada, por certo, seria facilitada com a visualização de modelos reais
apresentados pelos profissionais. Os conteúdos também ganhariam novo
significado, pois seriam “traduzidos” para a linguagem da realidade vivenciada pelos
41
educandos. Como pode ser inserida essa relação do contexto formal com o informal
passa a ser melhor explanado no subtópico seguinte.
2.3 – A prática pedagógica enquanto mediação entre a matemática formal e a
matemática informal
Em toda sociedade existe uma ou outra forma de educação, entretanto
podemos perceber que nem toda educação é aprendida ou ensinada nas escolas.
De acordo com Brandão (2001, p.9), “não há uma forma única nem um único modelo
de educação; a escola não é o único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o
melhor; o ensino escolar não é a sua única prática e o professor profissional não é o
seu único praticante”.
A educação ensinada nas escolas é chamada de educação formal, pois
perpassa por vários momentos de aprendizagem do aluno com o professor e, tem
como objetivo a aprendizagem do conteúdo didático pré-estabelecido através de um
planejamento que é feito por unidade ou semanal. Porém, existe outro tipo de
educação que é chamada de educação informal. Esse tipo de educação, não é
aprendida nas escolas com os professores e sim, ao longo da vida de cada
indivíduo. A educação é como outros fatores, uma fração do modo de vida dos
grupos sociais que criam e recriam dentro do contexto social que estão inseridos e
que à medida que vão se desenvolvendo, vão se aperfeiçoando e transmitindo seus
conhecimentos a futuras gerações.
Nesta perspectiva, esse processo educacional gerado pela sociedade e seus
participantes forma ao longo da vida, profissionais competentes, capazes de
desempenharem suas funções sem passar por um processo educacional formal, ou
seja, sem passar pela escola. Brandão (2001, p.18), afirma que “as pessoas
convivem umas com as outras e o saber flui, pelos atos de quem sabe-e-faz, para
quem não-sabe-e-aprende”.
A escola, em toda sociedade, tem como função primordial a transmissão de
conhecimentos e é agente credenciado de ensino e aprendizagem de
conhecimentos na sociedade como um todo. No entanto, não podemos deixar de
enfatizar os conhecimentos transmitidos ou adquiridos através do senso comum, ou
seja, transmitidos através dos mais velhos, quem sabe ensina a quem não sabe.
42
Deste modo, vai se formando uma teia de ensino e aprendizagem não formal. De
acordo com Aranha (1996, p.56), “a educação informal é aquela que não é
organizada, mas casual e empírica, exercida a partir das vivências e com base no
bom senso”. Alguns profissionais, a exemplo do pedreiro, aprenderam seu ofício
através do senso comum. Para Rubem Alves (1993, p.14), “senso comum é tudo
aquilo que não é ciência e isto inclui todas as receitas para o dia a dia”.
A Escola Popular trabalha com a concepção de que as massas
trabalhadoras fazem a história e que, a partir do conhecimento de sua
realidade social, passam a intervir com maior qualidade e capacidade no
processo de transformação da sociedade. O currículo das escolas — o
português, a matemática, a literatura e a história — devem estar ligados
diretamente à luta do povo.
No dia-a-dia presenciamos a sobreposição de uma visão puramente técnica e
aparentemente neutra que vincula a solução das questões educacionais
exclusivamente a visões equivocadas, ou não, de especialistas e dirigentes
educacionais, que deixam de lado o aspecto central que é o caráter ideológico e
político da educação das massas. Isso não anula o que foi conquistado até agora
pelo povo brasileiro. Pelo contrário, é a capilaridade da educação no país e suas
limitações de avanço que geram a consciência da necessidade de uma mudança na
sua concepção. Uma escola verdadeiramente popular e democrática deve depositar
atenção nos currículos e na sua aplicação prática.
O ensino/aprendizagem das disciplinas deve caminhar lado a lado com os
interesses das massas, dando governabilidade a suas lutas. Tomemos como um
breve exemplo o ensino e a aprendizagem da matemática, uma disciplina
extremamente técnica, mas que se ministrada de forma justa e correta, representa
um importante salto no desenvolvimento do conhecimento humano.
A humanidade, na busca pelo conhecimento, deixou suas descobertas
matemáticas registradas em suas principais obras. A arquitetura clássica, as
pirâmides, a métrica da poesia e as técnicas militares são importantes exemplos da
função da matemática na vida das massas. Mas, na escola oficial, historicamente a
disciplina é muitas vezes considerada um suplício na vida dos estudantes.
43
Quando ministrada de forma desconectada da realidade, gera traumas e
complexos, apesar dos esforços de alguns professores em tornar o ensino desta
disciplina mais prazerosa. O problema encontrado por muitos professores é a forma
como o currículo é introduzido na escola e a sua aplicação prática. Fora do espaço
escolar, o cotidiano dos trabalhadores faz saltar aos olhos a possibilidade de
trabalhar a matemática de forma conectada à sua realidade. Exemplos práticos nos
comprovam isso. Toda a vida, os camponeses não precisaram de avançados
conhecimentos algébricos e geométricos para medir suas terras. E sabemos o
quanto é satisfatório os resultados da produção das famílias camponesas, passando
pela quantidade de sementes, o fertilizante, a colheita e a própria distribuição. Nas
cidades, operários da indústria da construção são capazes de calcular a quantidade
de azulejos a serem colocados em um determinado espaço sem ao menos dominar
as quatro operações fundamentais. Imaginem a prática destas atividades se
amparada pelo domínio da técnica e da ciência.
Essa prática social dos trabalhadores deve sempre ser levada em conta. A
teoria deve servir à prática e a prática servir a teoria, em uma relação dialética. A
matemática, como ciência que é, deve estar a serviço da potencialização da prática
social dos homens, prestando contribuições para melhorar tanto a vida material das
massas como para o desenvolvimento da humanidade.
Dados do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) apontam para
as enormes dificuldades encontradas pelos estudantes brasileiros no ensino da
matemática. A culpa seria dos estudantes que "acham enfadonha a matemática" ou
dos professores que pelejam, mas não encontram uma forma atrativa de repassar os
conteúdos? Ao se deparar com a matemática na escola oficial, o aluno aos poucos
se convence de que o problema da matemática é que a matemática passa a ser um
problema e, em muitos casos, se convence de que são incapazes de aprender.
A matemática estudada na infância da grande maioria de operários e
camponeses demonstra o mesmo dilema. João Gualberto da Silva, pedreiro e
educando da Escola Popular Orocílio Martins Gonçalves (EPOMG), critica a forma
como lhe era ensinada a matemática em sua cidade natal, no interior do Maranhão.
Ele diz que os enunciados nunca tratavam de assuntos referentes à sua realidade
rural, o que agravava o desinteresse e o levava a cabular as aulas de matemática
44
para ficar na roça. Abandonou a escola aos 10 anos e voltou a estudar somente no
ano 2000, aos 58 anos. Pedreiro de mão cheia, João encontra nas atividades
matemáticas da EPOMG uma conexão com o seu dia-a-dia: — “A matemática me
facilitou a resolver os meus problemas, tanto nas contas de casa, como nas tarefas
do meu serviço” — afirma João. (FERNANDES, 2004)
Para melhor servir aos trabalhadores, o ensino e a aprendizagem da
matemática tem de se esforçar para se aproximar da vida prática dos educandos,
gerando interesse e reafirmando entre eles a sua importante função. Nas escolas
populares do campo, a matemática tem de estar intimamente ligada à produção da
terra. Devem ser trabalhadas noções de quantidade, medidas geométricas e o
desenvolvimento do raciocínio lógico face aos problemas enfrentados pelo
trabalhador no campo informal, a fim de valorizar o seu trabalho. Nas escolas da
cidade, o ensino da matemática, voltada para o trabalhador formal, também deve
estar ligada às implicações da vida urbana da massa urbana. Outro aspecto é a
matemática estar associada à qualificação profissional dos trabalhadores, chegando
ao ponto dos operários construírem suas próprias residências, inclusive por
intermédio de mutirões.
Dessa forma, a matemática tem uma importância social capilar. Ela é um dos
vários instrumentos a ser utilizado pelos trabalhadores para mudarem a realidade de
suas vidas e de seu povo. Especificamente ela pode auxiliar os trabalhadores a não
sofrerem situações como aquelas vividas pelo personagem Fabiano, no romance
Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que é passado para trás pelo seu patrão por não
"saber contar". Portanto, cabe às escolas populares e democráticas do nosso país
fazerem dos operários e trabalhadores homens e mulheres cultos e "bons de conta".
45
CAPITULO III
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente capítulo aborda os procedimentos e as técnicas utilizadas para
elaboração desse trabalho, com o objetivo de analisar e identificar os conhecimentos
matemáticos que os alunos e trabalhadores nas diversas atividades diárias vêm
construindo e socializando em seu cotidiano.
3.1 – Pesquisa qualitativa na atividade cotidiana
Os procedimentos utilizados neste estudo foram fundamentados na
abordagem da pesquisa qualitativa. Ela é a via para o acesso e compreensão do
significado das intenções, vivências, valores, percepções, aspirações, carências e
reações dos trabalhadores, estudantes, estudantes-trabalhadores. A luz de tudo isso
os sujeitos investigados responderam de acordo com sua perspectiva pessoal,
expressando-se livremente. Segundo Bogdan e Biklen (1982) a pesquisa qualitativa
“envolve a obtenção de dados descritivas obtidas no contato direto do pesquisador
com a situação estudada”. Os mesmos autores afirmam que pesquisa qualitativa é
aquela cujo fundamento “enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa
em retratar a perspectiva dos participantes” (p.11).
Essas afirmações conduzem à concretização da pesquisa em si, desde
quando sejam observados e cumpridos os estágios concernentes à qualidade da
pesquisa que envolve o contato direto com a situação e o sujeito em análise.
Tais observações estão ancoradas nos autores Bogdan e Bikllen (1982, apud
LUDKE, 1986) os quais afirmam que:
A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto. O interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas (p. 12).
O sucesso da pesquisa depende do envolvimento entre o objeto em estudo e
o sujeito, e para sua realização o pesquisador deve despojar-se de todo e qualquer
preconceito a fim de ter acesso à compreensão dos significados dos saberes que
46
particularmente cada entrevistado tem do seu mundo no contexto em que está
inserido. Isso possibilitará a quem interessar possa, a utilização dos dados
fornecidos pela pesquisa com mais segurança, alcançando desse modo, o resultado
esperado.
É importante salientar que, conforme o exposto, pesquisa qualitativa é a
dinâmica que envolve a transição de resultados, a impossibilidade de afirmar ou
refutar antes da observação e experimentação, a dificuldade do observador em
manter a neutralidade, que pode comprometer a interpretação correta, a constituição
de suas compreensões como trajetória obtidas por meios de reconstituições. A
mesma também deve ser vista acima dos procedimentos sistemáticos e de
quaisquer previsões estatísticas e/ou generalizações.
Percebe-se que as características supracitadas, não devem ser tomadas
como independentes, e sim interdependentes, pois existe forte vínculos entre elas, o
que se constitui no dinamismo característico da pesquisa qualitativa, que busca a
relação harmônica de todos os aspectos e/ou características apresentadas no
processo qualitativo. Assim, em conformidade com essas afirmações, Araújo e
Borba (2004) enfatizam que a pesquisa qualitativa deve ter por trás uma visão de
conhecimento que esteja em sintonia com procedimentos como entrevistas, análises
de vídeos etc. e interpretações.
3.2 – Instrumentos da pesquisa
Os instrumentos de pesquisa utilizados neste capítulo são os métodos
tradicionais de coleta de dados a saber: entrevista e análise documental, que foram
desenvolvidas através de visitas ao lócus, levantamento de dados como aspectos
físicos, sociais e econômicos da comunidade em estudo os quais foram obtidos por
meio de entrevistas qualitativas do tipo semi-estruturada, a qual nos deu condições
de livre expressão dos entrevistados, sem, contudo desviar do foco de interesse do
presente estudo que é descobrir e/ou relacionar os saberes matemáticos dos
mesmos, com o conhecimento sistematizado, ora oferecido na grande maioria das
escolas públicas. Sendo em seguida analisado os documentos coletados durante o
processo.
47
Atualmente, é indiscutível o conhecimento de que os seres humanos
possuem uma mente extremamente seletiva, isto quer dizer que um objeto ao ser
observado por duas ou mais pessoas, é visto sob vários e/ou diferentes aspectos.
Assim, cada pessoa seleciona e enxerga aquilo que está intrinsecamente
relacionado com a sua própria história e fundamentalmente com sua bagagem
cultural. Portanto, cada um é movido pelo foco de atenções próprias da sua vivência
e, ao mesmo tempo distancia-se ou não tem interesse em situações ou fatos que
não fazem parte do seu universo, dificultando, portanto, as relações e/ou
interpretações entre o conhecido e desconhecido. Daí a necessidade de estabelecer
instrumentos dignos de aceitação.
“Para que se torne um instrumento válido e fidedigno de investigação
científica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática (...)”.
(LUDKE e ANDRÉ, 1986, pág.25). É preciso salientar que esses procedimentos
representam a pesquisa qualitativa que se dá através de entrevistas, análises de
vídeos, debates, etc. Todos sintonizados com uma visão de conhecimento amplo
que admite inferência subjetiva, compreensão negociada e não admite verdade
única e/ou absoluta.
A respeito da pesquisa qualitativa Araújo e Borba (2004) dizem que:
A qualidade da pesquisa está na visão de conhecimento relacionados com suas experiências e se processa por meio de observação, análise e interpretações além de, obviamente entrevista.
A entrevista é um dos instrumentos fundamentais para a coleta de dados e
também uma técnica de trabalho indispensável na quase totalidade de pesquisas
empregadas no âmbito social. Mas, não é só nas atividades científicas que ela
desempenha o papel essencial, e sim em muitas outras atividades humanas.
Lamentavelmente observa-se, atualmente o uso abusivo desse importante
instrumento pela mídia, chegando ao absurdo de conduzir a grande massa
populacional aos interesses particulares de cada seguimento ou grupo em todos os
setores da sociedade, principalmente o comercial utilizando-se da entrevista direta e
da indução para se obter determinado resultado.
Outro aspecto importantíssimo no processo de coleta de dados num trabalho
48
de pesquisa é a análise documental que embora seja bastante útil, é pouco
explorada nas áreas das ciências humanas e estranhamente no âmbito educacional.
A análise documental consiste, indispensável técnica de abordagem
qualitativa, através da coleta de informações diretas ou indiretas fornecidas pelo
entrevistado e ou pelo estudo do local em observação em seguida submetido de
modo criterioso à luz da abordagem qualitativa que prioriza a entrevista semi-
estruturada na qual o entrevistado é convidado a se expressar livremente, contudo
sem desviar-se do roteiro pré-estabelecido pelo entrevistador.
Entretanto, o entrevistador deverá tomar cuidado na elaboração desse roteiro
para não distanciar-se da concepção humana, dos valores culturais e das
experiências vividas pelo sujeito do processo aprendizagem (o pesquisador) em que
o roteiro da entrevista deve estar cimentado. Guba e Lincoln (1981, apud MARCONI,
1991) apostam uma serie de vantagens para o uso de documentos na pesquisa ou
avaliação educacional destacando que: “Os documentos constituem uma fonte
estável e rica servindo de consulta por inúmeras vezes como também de base a
diferentes estudos”.
Utilizamos também um questionário fechado para facilitar a compreensão dos
nossos entrevistados, respeitando suas limitações. O uso deste instrumento é muito
importante na coleta de dados, melhor definido nas palavras de Lakatos e Marconi
(1991, p.107) que conceituam o questionário como um instrumento “constituído por
uma série de perguntas que devem ser respondidos por escrito e sem a presença do
pesquisador”.
3.3 - O lócus: aspectos físicos, humanos e sócio-econômicos
O campo de realização desta pesquisa foi A Escola Estadual Dr. Anísio
Teixeira, localizada à Rua Régis Pacheco, s/n no município de Pindobaçu-Ba, dista
a 460km da capital – Salvador e cidade circunvizinha a Senhor do Bonfim. Tem uma
população estimada de 20.800 habitantes de acordo com o censo de 2008.
Esta escola possui em sua estrutura sete (07) salas, uma (01) diretoria, uma
(01) sala para professores, uma (01) cantina, três (03) banheiros e área de lazer.
49
Funciona com o Ensino Fundamental II no turno matutino e com turmas da EJA
(Educação de Jovens e Adultos) no noturno. O total de alunos das turmas da EJA é
de 247 alunos, os quais escolhemos dentre estes aqueles que se identificavam no
perfil dos trabalhadores que esta pesquisa fundamentou.
Nosso alvo foram as turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos) no
noturno, uma vez que a grande maioria dos alunos ali presentes desenvolve no seu
dia-a-dia atividades como construções de obras civis, carpintaria, padarias e
trabalham com a lavoura, que constitui-se numa renda familiar considerável.
O que representa muito bem a comunidade e a faz conhecida na região, são
as atividades dos pedreiros, e carpintarias deixadas deste os primeiros habitantes da
região e tem sido cultural e economicamente, a característica principal.
3.4 – SUJEITOS DA PESQUISA
Alunos da EJA com idade entre 17 e 60 anos, moradores da comunidade de
Pindobaçu-Ba, estudantes da referida escola onde funciona 07 turmas da EJA.
Ressaltamos que foi muito oportuna a escolha do ambiente e dos sujeitos, pois,
muitos estão também envolvidos com atividades do cotidiano citadas aqui nesta
pesquisa e mostraram disposição em colaborar com nosso trabalho respondendo ao
questionário aplicado. Também foram entrevistados um pedreiro e seu ajudante
numa construção com o objetivo de fundamentarmos melhor a nossa proposta, visita
esta que nos deu grande suporte. Os resultados desta pesquisa estão mais bem
explanados no próximo capítulo que segue.
50
CAPÍTULO IV
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Para a realização deste trabalho, fomos motivados especialmente pelo
contato com alunos, familiares e amigos que atuam nas profissões cotidianas e que
fazem parte do contexto escolar.
Observamos que estes demonstram grande desenvoltura nas suas atividades
rotineiras desenvolvendo cálculos matemáticos, sem, no entanto, possuir
conhecimento sistemático desta ciência. Esse estudo então surge como uma
oportunidade de compreender a existência de um conhecimento matemático não
formal nas atividades cotidianas, relacionando-as com o conhecimento matemático
escolar.
Além dos fatores relacionados ao perfil dos entrevistados, também foram
analisados fatores relacionados à profissão, procurando assim melhor compreender
os processos relacionados ao conhecimento matemático destes profissionais.
Em um momento propício e de posse dos questionários, fizemos uma
explanação sobre os nossos conhecimentos adquiridos na escola da vida em
comparação com aqueles que nós descobrimos na escola formal. Procedemos
assim, por concluirmos que facilitaria o entendimento dos nossos sujeitos
pesquisados, levando-se em consideração as limitações de cada um ali presente. A
proposta foi aceita, o diálogo durante a explanação rendeu boas colocações que
ficamos atentos em registrar.
De posse das perguntas a responder, cada aluno prontamente foi
respondendo à medida do seu entendimento, colaborando assim com nossa
pesquisa.
4.1 – PERFIL
4.1.1 – Quanto à Profissão
51
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
Percebemos uma tendência relacionada à profissão de pedreiro (60%), o que
demonstra como esta é parte cultural nesta comunidade.
4.1.2 – Quanto ao tempo de profissão
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
A grande maioria dos nossos entrevistados possui uma larga experiência em
suas atividades, pois, (80%) estão envolvidos nelas a mais de uma década, mesmo
tendo alguns que apresentem uma idade mais avançada, ainda estão na ativa.
4.1.3 – Quanto ao nível de escolaridade
52
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
Constatamos um índice alto entre os pesquisados quanto a sua formação
escolar, (89%) não completaram o Ensino Fundamental l. Percebemos que os
alunos da EJA, em sua maioria, são trabalhadores e, muitas vezes a experiência
com o trabalho começa cedo em suas vidas. Nas regiões rurais a participação no
mundo do trabalho começa ainda mais cedo, nessas regiões os horários, os
períodos de colheita, de chuvas e de seca marcam a vida cotidiana, aliado às
grandes distâncias, configuram condições bastante precárias para a escolarização.
É comum, por exemplo, observarmos a grande maioria dos alunos de EJA,
chegarem para as aulas após um dia intenso de trabalho, pouco são os
desempregados e os em trabalhos temporários.
4.2 – RELACIONADO À PROFISSÃO
4.2.1 – Como aprendeu a profissão
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
53
Estes profissionais tiveram como maior aliada a “escola da vida”, onde lá
aprenderam seus manejos e suas aplicações, quer seja através de pais, parentes ou
vizinhos, conseguiram desenvolver um entendimento que jamais é esquecido, e,
ainda perpetuam suas experiências para gerações futuras.
4.2.2 – Reconhece a matemática presente em sua atividade
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
Estes profissionais reconhecem que a matemática está presente no
ofício que realizam (80%) afirmaram que seu trabalho exige deles certa habilidade.
Por exemplo, um dos mestres de obra que entrevistamos explicou em outras
palavras que ‘para ser um bom pedreiro deve ter alguns conhecimentos principais:
deve saber ler planos, para poder construir no sítio certo e como se pretende’. De
fato, muitas noções de matemática são necessárias à profissão de pedreiro, como,
por exemplo, também das noções de geometria que são usadas em vários
momentos da obra, a exemplo do cálculo da área de um determinado terreno,
parede ou piso de uma sala. Outro momento que a matemática se faz presente na
obra é quando o pedreiro precisa saber a quantidade de blocos necessários para
construir um determinado muro. Para isto, eles afirmaram que “devemos tirar as
medidas de um bloco e pela medida deste é possível saber quantos blocos cabem
em um metro quadrado”. Sabendo isso, devemos calcular a área e multiplica pela
quantidade de blocos. É a matemática presente no seu cotidiano.
54
4.2.3 – Utiliza as operações fundamentais da matemática
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
Estes dados serviram para confirmar os argumentos da pergunta anterior, de
forma mais específica perguntamos quais operações matemáticas costumavam
utilizar quando executam suas tarefas, e foram unânimes em responder que de tudo
um pouco entra, horas divide, outras multiplica, na maioria das vezes soma ou tira,
de maneira que as quatros operações básicas fazem parte do seu contexto.
4.2.4 – Apresenta dificuldades em relacionar os cálculos matemáticos
aprendidos na escola com sua atividade cotidiana
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
55
Esta é uma realidade freqüente, e é a principal questão que norteia as
pesquisas e as discussões em torno deste tema. Conciliar a matemática formal com
a matemática do cotidiano como abordado na fundamentação desta pesquisa é uma
questão principalmente pedagógica. Conforme citado, Brandão (2001, p.18), afirma
que “as pessoas convivem umas com as outras e o saber flui, pelos atos de quem
sabe-e-faz, para quem não-sabe-e-aprende”. A escola, em toda sociedade, tem
como função primordial a transmissão de conhecimentos e é agente credenciado de
ensino e aprendizagem de conhecimentos na sociedade como um todo
Abordamos também que é interessante que nas escolas populares do campo,
a matemática ensinada tem que estar intimamente ligada à produção da terra.
Devem ser trabalhadas noções de quantidade, medidas geométricas e o
desenvolvimento do raciocínio lógico face aos problemas enfrentados pelo
trabalhador no campo informal, a fim de valorizar o seu trabalho. Nas escolas da
cidade, o ensino da matemática, voltada para o trabalhador formal, também deve
estar ligada às implicações da vida urbana da massa urbana. Outro aspecto é a
matemática estar associada à qualificação profissional dos trabalhadores, chegando
ao ponto dos operários construírem suas próprias residências, inclusive por
intermédio de mutirões.
4.2.5 – Gostariam que a escola facilitasse seu entendimento na interpretação
dos conceitos matemáticos
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
56
Concluímos daí que o sujeito, por menor que seja seu nível de informação,
sabe o que quer, e procura quando a oportunidade lhe é dada. Também observamos
o seu desejo de ser inserido no meio social, na vida econômica. Ao escolherem o
caminho da escola estes sujeitos optam por uma via propícia para promover o seu
desenvolvimento pessoal. E essa via é uma das funções básicas da escola na visão
de Gadotti quando esclarece que “ela deve oferecer a valorização das
características sócio-culturais, garantir a cultura básica (leitura, escrita, operações
matemáticas). E possibilitar a crítica à ideologias propostas pela cultura dominante”.
(GADOTTI, 2000, p. 42)
4.2.6 – Faz algum tipo curso para aperfeiçoar sua profissão
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
Não raro, estes profissionais ligados às profissões artesanais, conhecidas no
meio acadêmico como “senso comum”, salvo algumas exceções, não encontram no
mercado cursos para aprimorar sua prática, o que aprendem e desenvolvem são
habilidades que conforme vimos no item 4.2.1, aprendidas através de familiares,
amigos ou vizinhos que lhes transmitiram este saber, a observação e o
acompanhamento seguido da prática possibilitaram este conhecimento. Mas, no
mercado atualmente já existem alguns cursos profissionalizantes para determinadas
profissões, como por exemplo, a do pedreiro, que são oferecidos pelo SEBRAE e
outros órgãos relacionados.
57
4.2.7 – Acreditam que a escola contribui para o aperfeiçoamento da sua
profissão
Fonte: Questionário aplicado aos sujeitos da pesquisa
Mesmo apresentando dificuldades para fazer conexão entre o que a escola
lhe transmitiu e o que aprendem no dia-a-dia, estes sujeitos afirmam que o que eles
viram no contexto escolar é importante para sua vida, não contestam o valor
estimado do que um bom professor lhes transmitiu. O que deduzimos dessa
afirmação é que, o problema está em como fazer uso do que é ensinado. Muitos
afirmam: “eu é quem sou rude mesmo”, trazendo para si a culpabilidade da não
aprendizagem.
Neste sentido, Santos (1997, p.11) afirma: “Educar não se limita a repassar
informações ou mostrar apenas um caminho, aquele que o professor considera o
mais correto, mas é ajudar a pessoa a tomar consciência de si mesma, dos outros e
da sociedade.
4.3 – ENTREVISTA COM DOIS PROFISSIONAIS
Conforme citado na fundamentação, dentre as profissões do cotidiano,
tomaríamos com exemplo aqui, as atividades desenvolvidas pelo pedreiro, isto
porque, além do contato na escola, temos como parte dos nossos familiares,
parentes que exercem este ofício, e presenciamos de perto a maneira como
desenvolvem este trabalho.
58
A profissão de pedreiro é na maioria dos casos, uma profissão transmitida por
amigos ou parentes. Afirmam ter aprendido o ofício através da observação e
convívio com outro profissional. Quanto questionados sobre o início da profissão,
todos relataram categoricamente que iniciaram como “ajudantes” de pedreiro. E que
somente depois de muita prática, foram considerados capazes de exercer a
profissão, ou seja, tornaram-se “bons pedreiros”.
Os pedreiros aqui entrevistados afirmam ter aprendido os cálculos
matemáticos na prática. Para eles esses cálculos não são ensinados na escola. Ao
serem inquiridos sobre as dificuldades em realizar os cálculos nas atividades de sua
profissão, foram enfáticos em afirmar que não sentem qualquer dificuldade.
A profissão de pedreiro exige muita prática do profissional. De acordo com os
entrevistados, para ser considerado um bom pedreiro, é necessário antes de
qualquer outra coisa, ter muita responsabilidade no exercer da profissão, saber usar
as ferramentas adequadas e, sobretudo, saber fazer cálculos corretos para não errar
nas medidas e nos materiais.
No decorrer das observações realizadas, percebemos que os pedreiros
utilizam-se das matemáticas para realizar suas atividades, e que a maioria dos
cálculos matemáticos empregados no seu trabalho foram aprendida com a prática e
aperfeiçoada ao longo da profissão. O que nos chama a atenção para
elaborarmos um paralelo entre estes dois saberes.
A matemática está, de forma crescente, em nosso cotidiano pessoal e
coletivo, fazendo parte da lida diária e nos diversos campos profissionais. Desta
maneira, o domínio de determinadas habilidades matemáticas pelo cidadão
constitui-se num dos requisitos para mover-se na sociedade.
Ao longo dos anos, muitos estudiosos têm procurado métodos mais eficientes
para transmitir os conhecimentos matemáticos de maneira a aproximá-los aos
conhecimentos matemáticos do cotidiano. A partir dessa busca surgiu a modelagem
matemática como modo de quebrar a dicotomia existente entre a matemática
escolar formal e a sua utilidade na vida real.
De acordo com Scheffer (1998, p.36):
59
A modelagem matemática é uma alternativa de ensino-aprendizagem na qual a matemática trabalhada com os alunos parte de seus próprios interesses, e o conteúdo desenvolvido tem origem no tema a ser problematizado, nas dificuldades do dia-a-dia, nas situações da vida. Valoriza o aluno no contexto social em que o mesmo está inserido, proporcionando-lhe condições para ser uma pessoa crítica, criativa e capaz de superar suas dificuldades.
Neste contexto apontamos o trabalho do pedreiro como um profissional que
faz uso da modelagem em boa parte de suas atividades, e segundo Biembengut
(2003, p.12) modelagem “é o processo que envolve a obtenção de um modelo”. O
pedreiro utiliza-se de modelos reais para executar trabalhos nas construções,
reformas e reparos de casas, prédios, escolas, igrejas e obras similares, geralmente
guiando-se por desenhos e esquemas ou por modelos e utilizando-se de
ferramentas indispensáveis ao seu ofício, como a colher de pedreiro, o prumo, o
esquadro e a trena.
Para construir uma casa, por exemplo, o pedreiro normalmente, faz os
cálculos de materiais ou suas demarcações através da consulta a uma planta, isto é,
consulta ao desenho ou esboço de uma casa realizado por ele de modo simples, ou
mais elaborado, quando produzido por um profissional específico, o arquiteto. Neste
processo o pedreiro visualiza geometricamente o novo ambiente e o processo
utilizado para reduzir um desenho sem alterar a forma é denominado escala. De
acordo com os pedreiros consultados, essa redução do real ao desenho acontece
quando eles fazem uma transformação do tamanho da planta no esboço com o
tamanho na casa ou terreno. Na prática, se no esboço o tamanho for de 1cm, a
transformação da medida do pedreiro ficará 1m e assim sucessivamente.
De acordo com os livros de matemática o mesmo exemplo seria apresentado
em termos didáticos que ficariam exemplificados pelo seguinte, se no tamanho de
uma escala for medido 1/100, na medição real ficará 1m e assim sucessivamente.
Observamos que o processo utilizado pelo pedreiro e o utilizado pela escola são os
mesmos, embora estes profissionais não tenham adquirido este conteúdo na escola
formal.
Muitas noções de matemática estão presentes à profissão de pedreiro, como,
por exemplo, o Teorema de Pitágoras conforme exemplificado abaixo:
60
Levando-se em consideração que trabalhar com o chão de terra é mais difícil
marcar com precisão cantos retos cujos lados devem ter vários metros de
comprimento. Observaremos nestas amostras a seguir como o pedreiro faz seu
trabalho com precisão e o mais interessante, utilizando uma matemática que
aprendeu na escola da vida e que está inteiramente em consonância com o que a
escola formal ensina. A seguir, cada exemplo da aplicação do Teorema de Pitágoras
será acompanhados de imagens obtidas no lócus que realizamos para melhor
estruturar nossa pesquisa. Os passos foram explicados pelos próprios pedreiros,
numa linguagem comum ao seu vocabulário que nós apenas pincelamos para tornar
mais acessível aos leitores desta pesquisa. Ressaltamos que foi mantida as idéias e
explicações dos mesmos, respeitando assim suas colocações.
Inicialmente, o pedreiro ou mestre de obras estica um fio entre duas estacas
cravadas estrategicamente (chamaremos aqui de estaca A e B) no chão. Depois
esticam até uma terceira estaca (chamaremos aqui de estaca C) que não é cravada
no chão.
Figura 01- Pedreiro (Mestre de obra) e seu ajudante no início da atividade
61
Um ajudante de pedreiro fica segurando-a até o mestre-de-obras dizer onde
deve ser cravada. O mestre escolhe esse local “a olho”, baseando em sua
sensibilidade e experiência.
Figura 02 - Segundo passo envolvido na realização de uma construção
A posição do fio AC precisa ser conferida, pois o mestre-de-obras não pode
confiar apenas em seu “olhômetro”. Ele não pode correr o risco de levantar paredes
“fora do esquadro” quer dizer, formando ângulos agudos ou obtusos. É aqui que
entra o Teorema de Pitágoras.
Figura 03 – Certificação das medidas usando como instrumento o esquadro
62
Para ter certeza de que os fios AB e AC formam um ângulo reto, o mestre e o
ajudante fazem, por exemplo, o seguinte: sobre o fio AB, marcam P a 3m de A;
sobre o fio AC, marcam Q a 4m de A; finalmente, medem a distância PQ.
Figura – 04 – O cálculo realizado para definir cantos retos utilizando a trena
Para o ângulo ser reto, a distância PQ deve medir exatamente 5m, isto
porque, num triângulo de lados 3m, 4m e 5m vale a relação de Pitágoras: 3² + 4² =
5². Ou em outras palavras, o triângulo de lados 3, 4 e 5 é um triângulo retângulo.
Figura 05 - Amostra do triângulo formado pelo Mestre e seu ajudante
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O mais impressionante neste contexto, é que muitos mestres-de-obras não
puderam freqüentar a escola e, por isso, não sabem que o que estão usando tem a
ver com o teorema de Pitágoras, mas usam esses conhecimentos adquiridos na
escola da vida. (IMENES, 2000, p.24)
Figura 06 - Na escola da vida são formados os mestres e os ajudantes
Quando as estacas são colocadas, o mestre-de-obras nem sempre acerta na
primeira tentativa. Por exemplo, pode acontecer que, medindo PQ, ele obtenha 4,83
m. Isso significa que o ângulo formado pelos fios AB e AC mede um pouco menos
de 90º. Aí é feita uma segunda tentativa. Coloca-se a estaca C numa outra posição,
abrindo um pouquinho o ângulo, e mede-se de novo PQ para verificar se o novo
comprimento é 5 m, e assim prossegue até a medida exata. (IMENES, 2000, p.24)
Figura 07 - O pedreiro usa uma segunda tentativa para certificar-se das medidas
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O resultado desta obra é realmente impressionante, especialmente quando
observamos no detalhe a perfeição com que as paredes ficam niveladas,
comprovando que as medidas foram exatas, e estão “dentro do esquadro”, conforme
dizem os pedreiros. Uma matemática que realmente faz diferença na vida daqueles
que se apropriam.
Figura 08 - Conclusão da construção utilizando as medidas com base no Teorema
Estas atividades que destacamos, pode ser aproveitadas em aulas de
matemática como concretização de teorias mais significativas para o aluno. O
professor, em especial, o do ensino fundamental, pode em parceria com outros
professores e pais de alunos, realizar um projeto na escola, onde o foco seja, por
exemplo, o pedreiro, e trabalhar diversos conteúdos da matemática, além dos
aspectos sociais, econômicos e políticos envoltos neste contexto.
A construção de modelos matemáticos, ou seja, a abstração matemática tão
cobrada, por certo, seria facilitada com a visualização de modelos reais
apresentados pelos pedreiros. Os conteúdos também ganhariam novo significado,
pois seriam “traduzidos” para a linguagem do pedreiro.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa delineamos uma análise documental sob uma perspectiva
qualitativa é, portanto semi-estruturada, que procurou identificar o conhecimento
matemático popular apresentado pelos alunos da EJA e suas relações com a
matemática sistematizada que é ensinada na escola buscando seu contexto. Foi
analisada também a utilidade e a importância da matemática no cotidiano dos alunos
trabalhadores na arte ceramista da Fazenda Salgado e suas relações com a cultura
ou do modo mais preciso sua inserção no grupo de estudo denominado matemática
cultural, ou seja, a Etnomatemática, pois o que nos interessou foram a natureza do
pensamento e das atividades culturais envolvendo a matemática em certo grupo
sócio-cultural, os alunos trabalhadores no artesanato ceramista.
No decorrer da análise dos dados, desvendamos saberes matemáticos
específicos desenvolvidos pelos alunos profissionais, muitas vezes em códigos
diferentes da matemática escolar. Diante dessa constatação pensamos que o
professor tem que estar atento a tarefa de buscar subsídio que possibilite
estabelecer relações entre o conhecimento que esses profissionais já possuem com
o conhecimento sistematizado. Para tanto o mesmo deve ampliar os conceitos já
conhecidos dando-lhes novos significados com ênfase na realidade da cultura
histórico-social desses trabalhadores. A reconceitualização é o processo de redefinir
os conceitos conhecidos popularmente sem desconhecer a riqueza dos significados
que os trabalhadores possuem.
Dentro desse contexto Fonseca (2005, p.61) afirma que o professor deve ter
uma atenção cuidadosa com a dinâmica que se estabelece na sala de aula, com a
posição assumida pelos sujeitos e com a recorrência e o cotidiano das situações.
Segundo a autora deve-se por tanto, registrar tudo que ocorrem em sala de aula,
pois são de vital importância para construção de uma rede de significados,
constituindo-se numa habilidade para quais as propostas de formação de
educadores, em particular, matemática deve dar especial atenção. Constatamos que
é de suma importância trabalhar o conhecimento que os alunos já possuem, os
quais adquiridos ao longo das gerações, contextualizando-os na sala de aula.
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A partir dos dados obtidos na pesquisa, notamos que os alunos trabalham
usando os saberes matemáticos sistematizados, porém não tem conhecimento
sobre o mesmo, assim utilizam mais a “Matemática Cultural” desenvolvida em
grupos. Entretanto, reconhecem que a matemática sistematizada é importante para
o desenvolvimento das atividades diárias embora sintam dificuldades na sua
aprendizagem. Não discordar do seu significado para a realização profissional
futura, que por meio dela terão acesso ou melhores condições de igualdade para
disputar com êxito o complexo sistema social implantado pelo processo globalizante
do atual contexto. Constatamos também que estes profissionais sabem a relação
que existe entre a matemática e suas práticas cotidianas, ou seja, sabem que
dependem dos conhecimentos matemáticos para realizarem atividades dos mais
complexas às mais simples conforme afirma Fonseca (2005, p.89) a matemática é
disciplina decisiva no processo de inclusão autônoma e inclusiva para os jovens e
adultos que desejam participar ativamente do mercado de trabalho.
Realmente, a matemática é uma disciplina cuja importância é inquestionável,
diante do acelerado e exigente processo globalizante que envolve todos os cantos
do mundo, obrigando os jovens a se apropriarem do conhecimento sistematizado, ao
qual nem todos estão familiarizados e nem preparados para garantirem seu próprio
lugar na sociedade. Em conseqüência disso, a maior parte não consegue inserir-se
com facilidade no mercado de trabalho, provocado assim uma acentuada exclusão
social.
Verificamos que os pesquisados aqui pouco utilizam o conhecimento
matemático que é ensinado na escola durante sua produção no local de trabalho,
devido à falta de relação direta a matemática escolar com a popular a qual utilizam
de modo intuitivo, não havendo boa assimilação do ensino aprendizagem da
matemática escolar.
Diante dessa constatação, concordamos com a afirmação de Knijnik, (1996,
p.62) a respeito da apropriação da matemática acadêmica pelos alunos e a
matemática popular quando diz que o propósito de ensinar a matemática acadêmica
é socialmente legitimado pelos próprios grupos subordinados e colocado como
condição para participar da vida social, cultural e econômica do modo vantajoso “não
podemos tratar por isso, os saberes acadêmicos e populares do modo dicotômico”.
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Nisso o autor coloca os saberes como importantes para aquisição de cada
grupo social utilizando o conhecimento que lhe convier, de acordo as situações
vividas.
Diante da afirmação acima constatamos que a falta de associação entre o que
eles aprendem em sala de aula e o que vivenciam no mundo real. Os alunos são
levados pela passividade de resolver problemas que se distanciam da vida pessoal
ou social em que estão inseridos. Assim pode-se concluir que as atividades
matemáticas sistematizadas devem revestir-se de significados próximos do real
vivido pelos alunos.
Acreditamos que nossos objetivos foram atingidos porque constatamos que
estes profissionais utilizam os saberes matemáticos próprios da sua cultura para
desenvolver as atividades cotidianas em alguns pontos conseguem relacionar com o
que é ensinado na sala de aula, ainda que de modo intuitivo, apesar de na prática
demonstrarem dificuldades no aspecto geral por não compreenderem a linguagem
matemática que se distancia das suas experiências. O educador precisa conhecer o
contexto histórico-social e o saber matemático do aluno e, a partir desse
conhecimento valorizar e ampliar a bagagem sócio-cultural trazida pelos alunos.
Diante dos resultados alcançados neste estudo concluímos que muito ainda
se tem a fazer no campo investigativo quanto à contextualização dos conhecimentos
matemáticos tido como oficial e a não oficial, ou seja, a matemática popular. Assim,
apontamos para a necessidade do procedimento de novos estudos nesse tema
tendo em vista uma melhor qualidade de ensino-aprendizagem.
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