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São Paulo De 5 a 11 de maio de 2005 R$ 2,00 Ano 3 Número 114 Rumo a Brasília, por mudanças Milhares de sem-terra iniciam longa caminhada para exigir reforma agrária e uma nova política econômica S ob o sol quente do Planal- to Central, doze mil sem- terra chamam a atenção de todo o país, e do mundo, para a mobilização dos movimentos sociais por mudanças na política econômica. A Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que saiu de Goiânia (GO) dia 2, é um ins- trumento de luta não apenas pelo direito à terra, mas por mais de uma dezena de reivindicações, entregues pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dia 3, ao ministro do De- senvolvimento Agrário, Miguel Rossetto. “Não aceitamos que os R$ 2 bilhões da reforma agrária sejam destinados aos juros da dívida”, disse Fátima Ribeiro, da direção nacional do MST. “O compromisso do governo é asse- gurar recursos integrais para o cumprimento de todas as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária”, garantiu o ministro. Se for verdade, terá valido a pena o esforço do “seu” Luiz, de 97 anos, que faz questão de ficar na linha de frente da marcha. Pág. 7 E mais: SEM-TETO – Diante do déficit habitacional de seis milhões de moradias, movimentos de sem-teto do Rio e de São Paulo ocupam prédios vazios. Pág. 6 DIREITOS HUMANOS – Mais de dois milhões de pessoas estão atrás das grades nos Es- tados Unidos, que promovem o maior encarceramento de massa desde o pós-guerra até hoje. Pág. 11 Vindos de 23 Estados, 12 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra iniciaram dia 2 uma caminhada de 200 quilômetros para exigir mudanças no país Dia 1º de Maio: críticas, sorteios e espetáculos O Dia Internacional do Tra- balhador, 1º de Maio, no Bra- sil, foi marcado por críticas à política econômica. Até Luiz Marinho, presidente da CUT e um dos principais defensores do presidente Lula, sugeriu al- ternativas às altas taxas de juros como forma de combater a in- flação. Setores mais à esquerda, contudo, foram mais incisivos ao criticar o atual governo fede- ral por retirar direitos, deterio- rando as condições de vida do trabalhador. Pág. 3 Enquanto a inflação cede, BC sobe juros Pág. 5 A nova doutrina militar de Hugo Chávez Pág. 10 Júri popular condena uso do amianto Pág. 4 Da luta contra a Alca, nasce uma alternativa Os presidentes cubano e ve- nezuelano, Fidel Castro e Hugo Chávez, ratificaram a implemen- tação da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). Duran- te o 4º Encontro Hemisférico de Luta contra a Área de Livre Co- mércio das Américas (Alca), que ocorreu em Havana (Cuba), no final de abril, eles assinaram 49 acordos sociais e econômicos, visando criar um modelo de in- tegração solidária no continente. Págs. 2 e 9 Bolivianos viram escravos no Brasil Todos os anos, milhares de bolivianos saem de seu país em busca de melhores condições de vida. Entram no Brasil de forma ilegal e acabam submetidos a situações degradantes, em pe- quenas confecções da cidade de São Paulo, onde driblam a clan- destinidade. Mulheres e homens costumam ser atraídos para a es- cravidão por falsas promessas de bons salários, feitas em jornais e rádios bolivianos. Pág. 8 Luciney Martins

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DIREITOS HUMANOS – Mais de dois milhões de pessoas estão atrás das grades nos Es- tados Unidos, que promovem o maior encarceramento de massa desde o pós-guerra até hoje. Pág. 11 Milhares de sem-terra iniciam longa caminhada para exigir reforma agrária e uma nova política econômica E mais: São Paulo • De 5 a 11 de maio de 2005 R$ 2,00 Ano 3 • Número 114 Pág. 10 Pág. 5 Pág. 4 Luciney Mar tins

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São Paulo • De 5 a 11 de maio de 2005

R$ 2,00Ano 3 • Número 114

Rumo a Brasília, por mudançasMilhares de sem-terra iniciam longa caminhada para exigir reforma agrária e uma nova política econômica

S ob o sol quente do Planal-to Central, doze mil sem-terra chamam a atenção de

todo o país, e do mundo, para a mobilização dos movimentos sociais por mudanças na política econômica. A Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que saiu de Goiânia (GO) dia 2, é um ins-trumento de luta não apenas pelo direito à terra, mas por mais de uma dezena de reivindicações, entregues pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dia 3, ao ministro do De-senvolvimento Agrário, Miguel Rossetto. “Não aceitamos que os R$ 2 bilhões da reforma agrária sejam destinados aos juros da dívida”, disse Fátima Ribeiro, da direção nacional do MST. “O compromisso do governo é asse-gurar recursos integrais para o cumprimento de todas as metas do Plano Nacional de Reforma Agrária”, garantiu o ministro. Se for verdade, terá valido a pena o esforço do “seu” Luiz, de 97 anos, que faz questão de fi car na linha de frente da marcha.

Pág. 7

E mais:

SEM-TETO – Diante do défi cit habitacional de seis milhões de moradias, movimentos de sem-teto do Rio e de São Paulo ocupam prédios vazios. Pág. 6

DIREITOS HUMANOS – Mais de dois milhões de pessoas estão atrás das grades nos Es-tados Unidos, que promovem o maior encarceramento de massa desde o pós-guerra até hoje. Pág. 11

Vindos de 23 Estados, 12 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra iniciaram dia 2 uma caminhada de 200 quilômetros para exigir mudanças no país

Dia 1º de Maio:críticas, sorteios

e espetáculosO Dia Internacional do Tra-

balhador, 1º de Maio, no Bra-sil, foi marcado por críticas à política econômica. Até Luiz Marinho, presidente da CUT e um dos principais defensores do presidente Lula, sugeriu al-ternativas às altas taxas de juros como forma de combater a in-fl ação. Setores mais à esquerda, contudo, foram mais incisivos ao criticar o atual governo fede-ral por retirar direitos, deterio-rando as condições de vida do trabalhador.

Pág. 3

Enquanto ainfl ação cede,BC sobe juros

Pág. 5

A nova doutrina militar de Hugo

ChávezPág. 10

Júri popularcondena usodo amianto

Pág. 4

Da luta contraa Alca, nasce

uma alternativaOs presidentes cubano e ve-

nezuelano, Fidel Castro e Hugo Chávez, ratifi caram a implemen-tação da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). Duran-te o 4º Encontro Hemisférico de Luta contra a Área de Livre Co-mércio das Américas (Alca), que ocorreu em Havana (Cuba), no fi nal de abril, eles assinaram 49 acordos sociais e econômicos, visando criar um modelo de in-tegração solidária no continente.

Págs. 2 e 9

Bolivianos viram escravos

no BrasilTodos os anos, milhares de

bolivianos saem de seu país em busca de melhores condições de vida. Entram no Brasil de forma ilegal e acabam submetidos a situações degradantes, em pe-quenas confecções da cidade de São Paulo, onde driblam a clan-destinidade. Mulheres e homens costumam ser atraídos para a es-cravidão por falsas promessas de bons salários, feitas em jornais e rádios bolivianos.

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ney

Mar

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De 5 a 11 de maio de 20052

NOSSA OPINIÃO

OHIFALA ZÉFALA ZÉ

Brasil de Fato é o resultado das aspirações de milhares de lutadores de movimentos populares, intelectuais de esquerda, sindicatos, jornalistas e artistas que se uniram para formar uma ampla rede nacional e internacional de colaboradores. • Como participar: Você pode colaborar enviando sugestões de reportagens, denúncias, textos opinativos, imagens. Também pode integrar a equipe de divulgação e venda de assinaturas. • Cadastre-se pela internet: www.brasildefato.com.br. • Quanto custa: O jornal Brasil de Fato custa R$ 2,00 cada exemplar avulso. A assinatura anual, que dá direito a 52 exemplares, custa R$ 100,00. Você também pode fazer uma assinatura semestral, com direito a 26 exemplares, por R$ 50,00. • Reportagens: As reportagens publicadas no jornal podem ser reproduzidas em outros veículos - jornais, revistas, e páginas da internet, sem qualquer custo, desde que citada a fonte. • Comitês de apoio: Os comitês de apoio constituem uma parte vital da estrutura de funcionamento do jornal. Eles são formados nos Estados e funcionam como agência de notícias e divulgadores do jornal. São fundamentais para dar visibilidade a um Brasil desconhecido. Sem eles, o jornal fi caria restrito ao chamado eixo Rio-São Paulo, reproduzindo uma nefasta tradição da “grande mídia”. Participe você também do comitê de apoio em seu Estado. Para mais informações entre em contato. • Acesse a nossa página na Internet: www.brasildefato.com.br • Endereços eletrônicos: AL:[email protected]•BA:[email protected]•CE:[email protected]•DF:[email protected]•ES:[email protected]•GO:[email protected]•MA:[email protected]•MG:[email protected]•MS:[email protected]•MT:[email protected]•PA:[email protected]•PB:[email protected]•PE:[email protected]•PI:[email protected]•PR:[email protected]•RJ:[email protected]•RN:[email protected]•RO:[email protected]•RS:[email protected]•SC:[email protected]•SE:[email protected]•SP:[email protected]

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O novo papa e a realidade social brasileira

Contra a Alca, o projeto popular da Alba

Marcelo Barros

Há mais de um mês, o assunto predileto nos meios de comunicação é o papa. No Brasil, católicos e não católicos foram obrigados a acompa-nhar pela imprensa e pela televisão cada detalhe do ritual barroco do conclave dos cardeais e as maiores emissoras de televisão do país se mudaram para Roma a fi m de trans-mitir o enterro de um papa, eleição e coroamento do outro.

Os comentaristas se revezavam em expressar sua admiração pela pompa sagrada que, como nos fi lmes do rei Artur e da Távola Redonda, apresenta a monarquia absoluta co-mo sendo divina. Alguns órgãos de imprensa mais críticos frisavam o seu espanto com a escolha que os cardeais fi zeram do cardeal Ratzin-ger como o novo papa Bento XVI.

Apesar de que, há 40 anos, a Igreja Católica tem repetido que po-lítica é uma atividade humana digna e nobre, os homens da Igreja fazem

questão de repetir, mesmo contra todas as evidências, que os cardeais se reuniram por nove dias, discuti-ram os assuntos da Igreja, mas não estabeleceram nenhuma estratégia política. O novo papa teria sido escolhido diretamente pelo Espírito Santo.

Difi cilmente, Deus reclamará de mais este uso do seu santo nome. Agora, trata-se de verifi car que conseqüências poderá ter para o mundo e para o povo o fato de que os cardeais, não apenas física, mas também espiritualmente isolados do povo católico, votaram, não apenas em um homem que pode ser uma pessoa boa, digna e reta, mas em um projeto de Igreja para o momento atual. Ao que tudo indica, este projeto eclesial confi rma que o diálogo que o papa João XXIII tinha estabelecido entre a Igreja e a humanidade, diálogo já há alguns anos praticamente rompido, conti-nuará ainda não realizável.

Desde a década de 80, o Conse-

lho Mundial de Igrejas, que reúne 340 Igrejas, propõe um processo conciliar – caminhada de diálogo e consulta das comunidades e seus pastores – sobre o engajamento da Igreja com a paz, justiça e defesa da Criação. Na Igreja Católica, vários cardeais e bispos tinham escrito ao papa João Paulo II pedindo que este convocasse um novo concílio, a partir de um processo de consultas e refl exão das bases.

Por enquanto, a sociedade civil que tem dados passos signifi cati-vos deste processo nos diversos fóruns de cidadania e no Fórum Social Mundial, não pode apontar a estrutura da Igreja Católica como ensaio deste novo mundo possível, mas conta com muita gente que crê e aceita consagrar suas vidas à Paz, à Justiça e à Defesa da Criação.

Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 29 livros,

entre os quais o romance A Festa do Pastor, da Editora Rede

Finalmente, surge uma alternativa popular contra o projeto imperialista da Área de Livre Comércio das Amé-ricas (Alca). Uma alternativa concre-ta para a integração dos povos latinos americanos que possibilitará um projeto comum para a luta popular em nossos países. A Alternativa Bo-livariana para as Américas e o Caribe (Alba) é uma proposta de integração diferente. Enquanto a Alca corres-ponde aos interesses do capital trans-nacional, buscando a liberação abso-luta do comércio de bens, serviços e investimentos, a Alba se concentra na luta contra a pobreza e a exclusão social, expressando as reivindicações históricas da luta popular.

O confronto entre a Alba e a Alca expressa dois caminhos opostos para o futuro de nossos países. O governo dos Estados Unidos pretende que a Alca seja exatamente a conclusão ló-gica em nível continental do proces-so de implantação do neoliberalismo em toda a América Latina. As regras que vêm sendo negociadas não são nada mais do que o esforço para blindar os princípios neoliberais. Já a proposta da Alba se fundamenta na criação de mecanismos que for-taleçam vantagens cooperativas entre as nações, que permitam compensar

as assimetrias existentes nos países do hemisfério. A mera possibili-dade das nações estabelecerem mecanismos de trocas que não se baseiam em divisas acumuladas em dólar, representa uma imensa perspectiva para o desenvolvimen-to econômico e social. A Alba se baseia na cooperação por meio de fundos compensatórios que corri-jam as disparidades e fortaleçam a soberania de seus integrantes. Tra-ta-se de uma proposta que envolve governos e movimentos sociais. Eis porque o presidente da Venezuela Hugo Chávez afi rmou que “a Alba é uma integração para a vida e não para a morte”.

O principal inimigo da unidade da nossa América é o imperialismo que se mescla e confunde com as nossas oligarquias nativas. A luta contra a Alca gerou a principal experiência de unidade entre os movimentos sociais de nosso he-misfério. Agora, no 4º Encontro Hemisférico de Luta contra a Alca, realizado em Havana (Cuba), entre os dias 27 e 30 de abril, os delega-dos deliberaram um salto de qua-lidade nesta luta. Passar da mera resistência para a construção de um Projeto Popular. Contra a intenção

imperialista da Alca a alternativa popular da Alba.

Nosso continente, pouco a pou-co, retoma o ascenso da luta de mas-sas. A consolidação da revolução bolivariana na Venezuela, os levan-tes populares no Equador e na Bo-lívia, as intensas manifestações na Guatemala e na Nicarágua, a vitória da Frente Ampla no Uruguai, a ins-tabilidade do governo neoliberal no Peru e até mesmo a surpreendente manifestação mexicana contra o in-tento golpista de excluir um candi-dato que não surge do sistema domi-nante. Todos estes fatos evidenciam que nosso continente já não é o mes-mo para as pretensões imperialistas dos Estados Unidos da América.

O novo que está nascendo é a unidade latino-americana e caribe-nha, a segunda e defi nitiva indepen-dência; o velho que está morrendo é a desintegração e a exploração imperialista.

Estamos ingressando num novo período histórico, onde será funda-mental o papel dos movimentos so-ciais para conquistar a verdadeira unidade entre nossos povos, como sonharam Bolívar, Marti, Sandino e Che e que tantas lutas e vidas já nos custou.

ERRAMOS

Além do fotógrafo João Roberto Ripper, assina o artigo sobre a re-sistência do povo Guarani do Mato Grosso do Sul, publicado na página 16 da edição 113 do Brasil de Fato, o fotógrafo documentarista Carlos Carvalho. O texto foi publicado ori-ginalmente na coluna de Carvalho no Jornal Já (www.jornalja.com.br), de Porto Alegre (RS), criada para dar visibilidade à fotografi a gaúcha e, ao mesmo tempo, atualizar os gaúchos sobre o que acontece no restante do país.

Caros amigos e amigas

Durante todo o ano de 2002, inte-lectuais, artistas, jornalistas e represen-tantes de movimentos sociais somaram forças em nome de um projeto político e editorial. A idéia era construir um novo jornal que ajudasse a veicular informa-ções não divulgadas ou noticiadas de forma deturpada pela mídia tradicional. A publicação também teria a missão de contribuir para a formação da militância social e da opinião pública em geral.

Assim nasceu o Brasil de Fato. Seu ato de lançamento se transformou numa grande festa com a presença de mais de 7 mil militantes sociais, duran-te o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em 2003. Para tocar o jornal, foi montada uma equipe de jornalistas comprometidos com o projeto. E todos fomos à luta.

Nos últimos dois anos, o jornal sobreviveu graças a uma grande dispo-sição de transpor os obstáculos que qual-quer veículo da imprensa independente enfrenta, incluindo boicotes de todo tipo. Apesar de tudo, estamos resistindo!

Mas, neste momento, estamos preci-sando de apoio extra para driblar as difi -culdades resultantes da concentração do poder econômico e do aumento dos cus-tos de produção do jornal. O Brasil de Fato depende da valiosa contribuição de seus assinantes. Só assim vamos manter um veículo de imprensa independente e

de esquerda.Mesmo elogiado por todos, tanto

por sua linguagem quanto por sua linha editorial, o Brasil de Fato precisa aumentar o número de assi-naturas para seguir adiante. Por isso, apelamos para sua consciência e seu compromisso pessoal.

Se você ainda não é assinante, faça a sua assinatura. Se é assinante, con-quiste mais uma assinatura com um (a) amigo (a). Se você é vinculado (a) a algum sindicato ou movimento, colo-que nosso pedido na pauta da reunião da diretoria, para que a instituição faça assinaturas coletivas.

Contamos com seu apoio.Conselho Editorial do Brasil de Fato

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De 5 a 11 de maio de 2005 3

NACIONAL

Luís Brasilinoda Redação

A s manifestações de 1º de Maio, Dia do Trabalhador, ti-veram algo em comum, neste

ano: em maior ou menor grau, em todas elas, choveram críticas ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em especial à sua política econômica. Em São Paulo, palco dos principais atos do país, foram realizados três eventos.

Na Avenida Paulista e na Pra-ça Campo de Bagatelle, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical, respectivamente, atraíram centenas de milhares de pessoas para assistir aos shows com bandas de música pop, além de sorteios de casas e automó-veis. Já na Praça da Sé, Centro da capital, aproximadamente 4 mil manifestantes participaram de uma passeata promovida por pastorais operárias, pela esquerda da CUT e do PT e por partidos como o PSTU, o PSOL, o PCO, dentre outros.

Ao ato da Força compareceram personagens, como o governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), que nada têm a ver com a história, muito menos as lutas da classe tra-balhadora. O único fato digno de registro foi a fragorosa vaia com a qual quase 1 milhão de pessoas brindou Severino Cavalcanti (PP), presidente da Câmara dos Depu-tados.

JUROSNa Avenida Paulista, Luiz Mari-

nho, presidente da CUT, surpreen-deu ao criticar a política econômica do governo Lula, ao mesmo tempo em que defendia a sua reeleição. Até porque no evento estavam dois

DIA DO TRABALHADORDIA DO TRABALHADOR

Uma só crítica à política econômicaCom música pop e sorteios de carros e casas, CUT e Força Sindical atraem milhares às suas manifestações, em SP

ministros da administração petista: José Dirceu, da Casa Civil, e Ricar-do Berzoini, do Trabalho.

Marinho falou da necessidade de uma inversão da lógica da con-dução da economia no país. “Não é possível continuar controlando a infl ação a partir dos juros. Está provado, até pela ata do Copom (Comitê de Política Monetária), que são alguns setores localizados, como o de preços indexados, os oli-gopolizados e o sistema fi nanceiro que causam os principais aumen-tos”, lembrou.

O presidente da CUT cobrou um enquadramento destes setores por meio de um processo de negociação que conte com a mão forte do go-verno federal. Segundo Marinho,

os altos juros engordam o endivi-damento, o que aumenta a neces-sidade de um superavit primário maior. “Assim, falta dinheiro para investimento em infra-estrutura e, não havendo isso, a economia bra-sileira não terá como suportar um crescimento eventual de demanda”, conclui.

ESQUERDAPara quem foi à Praça da Sé,

contudo, as críticas de Marinho são superfi ciais. De acordo com a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), a política econômica de Lula aprofunda o projeto neoliberal. “Ela joga na pocilga do capital mais da metade da riqueza produ-zida pelos brasileiros, enquanto a

grande maioria das mulheres e dos homens não tem terra, teto, nem dignidade, e vivencia uma situação de miserabilidade, sem crescimen-to”, analisa.

A parlamentar acredita que este modelo econômico trouxe consigo uma série de outras medidas noci-vas ao trabalhador, como a priva-tização das águas, do saneamento, da infra-estrutura e da geração de energia, no bojo das Parcerias Pú-blico-Privadas (PPPs).

“O Lula também fez a Lei de Falências, jogando os créditos das massas falidas para os banqueiros ao invés dos trabalhadores; e a reforma da Previdência, que penali-zou mais de 99% dos trabalhadores do setor público que ganham um

salário-mínimo, obrigando-os a trabalhar mais dez anos para não terem corte de até 45% nas suas aposentadorias, privilegiando os fundos de pensão e o capital fi nan-ceiro”, lista Heloísa.

RETROCESSOO deputado federal Ivan Valente

(PT-SP) acredita que a política eco-nômica atual é suicida, pois não tem uma proposta de desenvolvimento sustentável e atrela cada vez mais o país ao capital fi nanceiro. O petista, no entanto, preferiu centrar fogo na reforma sindical, apresentada pelo governo ao Congresso dia 2 de março. “De modo geral, a proposta é um retrocesso”, declara.

Segundo Valente, a proposta fe-re, por exemplo, o direito de greve, ao obrigar uma comunicação prévia de 72 horas antes de qualquer para-lisação, e ao permitir a contratação de pessoas durante a mobilização, instituindo o fura-greve. “Enquanto isso, se fortalece brutalmente as centrais sindicais, verticalizando o movimento e estabelecendo um cupulismo sindical em detrimento das assembléias de base dos traba-lhadores”, afi rma.

Para Jorge Luís Martins, da exe-cutiva nacional da CUT, o momento é dramático para o trabalhador bra-sileiro. Jorginho, como é conheci-do, diz que a classe corre o risco de perder direitos históricos enquanto vê a sua situação se deteriorar cada vez mais. “Estamos esclarecendo os trabalhadores sobre o que está ocorrendo e, ao mesmo tempo, ten-do que quebrar a esperança dos que acreditavam que o Lula, quando chegasse ao governo, poderia trazer uma transformação maior”, observa o sindicalista.

da Redação

Venezuela - Milhares de tra-balhadores tomaram as ruas da capital, Caracas, exigindo melhores salários e condições de trabalho. Em discurso, o presidente Hugo Chávez disse: “É impossível atin-gir nossas metas pelo capitalismo, tampouco é possível buscar uma via intermediária. Convido toda a Venezuela a marchar pela via do socialismo do novo século”.

Cuba - Mais de 1,3 milhão de cubanos se uniram, na Praça da Revolução, em Havana, antes do nascer do sol, com representantes sociais e sindicalistas de 60 países para rejeitar as agressões estadu-nidenses. Na ocasião, o presidente Fidel Castro anunciou aumento de salários, aposentadorias e pensões.

Chile - Cerca de 50 mil pessoas compareceram a um ato convocado pela Central Unitária de Trabalha-dores (CUT), em Santiago, quando foi anunciada uma paralisação de 48 horas, caso o Congresso aprove uma lei fl exibilizando a legislação trabalhista.

Bolívia - Em La Paz, sindicatos cobraram do governo de Carlos

As manifestações ao redor do mundo

Mesa a nacionalização do gás e ações contra o desemprego, que bate recordes e já chega a 15,3% da população.

América Central - Organiza-ções populares convocaram pro-testos em El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Costa Rica e Honduras contra a assinatura do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Es-tados Unidos.

França - Milhares de trabalha-dores se mobilizaram na capital, Paris, exigindo melhores salários e rejeitando o “capitalismo global”. Os franceses também se manifesta-ram contra a aprovação da Consti-tuição da União Européia.

Alemanha - Os protestos na ca-pital, Berlim, rechaçaram as refor-mas do governo social-democrata de Gerhard Schröder. Os trabalha-dores cobraram medidas contra o desemprego, situação em que estão mais de 5 milhões de alemães.

Espanha - Em Madri, sindicatos exigiram mais “emprego e proteção social” do governo de José Luis Rodríguez Zapatero.

(Fonte: La Jornada www.jornada.unam.mx e Prensa Latina www.prensa-latina.com)

A diferença entre os atos da Praça da Sé e o da CUT, na Ave-nida Paulista, no 1º de Maio, em São Paulo (SP), levantou uma questão para o movimento sindi-cal: o Dia do Trabalhador é uma data de festa ou de luta? Na Pau-lista, a direção da Central Única dos Trabalhahdores reuniu cente-nas de milhares de pessoas, atraí-das pelo anúncio da apresentação de dezenas de grupos de pagode e música pop. No Centro da cidade, 4 mil militantes participaram de uma passeata cujos microfones transmitiam discursos políticos.

Na Sé, Dirceu Travesso, dire-tor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, lembra que a data ho-menageia os mártires de Chicago (Estados Unidos) que, em 1887, foram enforcados por sua luta em defesa da redução da jornada de trabalho para 8 horas. “É um dia para comemorar, no sentido de puxar pela memória, a história de nossos antepassados, atualizá-la e defendê-la”, afi rma.

Para Travesso, a melhor forma de homenagear é dar continuidade à luta dos que tombaram na defesa dos trabalhadores. “Isso signifi -ca combater a reforma sindical, levantar as bandeiras do interna-cionalismo, da solidariedade ao povo iraquiano e da exigência da retirada das tropas brasileiras do Haiti, e denunciar o governo Lula como pró-imperialista e que ataca os trabalhadores”, diz Travesso.

ESPETÁCULOPedro Paulo Vieira Carvalho,

diretor da executiva da Associa-ção dos Professores do Ensino Ofi cial do Estado de São Paulo (Apeoesp), também no ato da Sé, acredita que manifestações como a promovida pela cúpula

Afi nal, o que comemorar no dia 1º de Maio?

da CUT desvirtuam a memória da luta. “Os shows desmobilizam e alienam a classe trabalhadora”, opina. “Os espetáculos vão passar, mas o desemprego continua, o achatamento salarial se acentua e a repressão aumenta”, acrescenta Waldemar Rossi, coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.

No entanto, Renato Rabelo, presidente do PCdoB, pensa de outra forma. Presente à Avenida Paulista, onde discursou, ele ava-lia que, pelo nível do movimento popular brasileiro, o formato de

manifestação promovido pela CUT é necessário para mobilizar um grande número de pessoas.

“Optamos por esse modelo por-que, antigamente, nós falávamos para nós. Mas uma Central precisa falar para si e para a sociedade. Por isso, nesse 1º de Maio, grande parte da população presente certamente não é nem sindicalizada. Mas a CUT não pode ter apenas uma vi-são sindical, é preciso se preocupar com questões de cidadania”, obser-va Adi dos Santos Lima, presidente da Federação Estadual dos Metalúr-gicos de São Paulo. (LB)

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O 1º de Maio para mim é político. Quero terra para trabalhar e água indo do alto para me alimentar”, diz Armando Izidro, pedreiro português, desempregado há mais de 10 anos, dos 48 em que mora no Brasil

A reclamação dos trabalhadores é geral: política econômica do governo não gera empregos

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Em Havana, cubanos celebram a luta dos trabalhadores e conquistas sociais

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De 5 a 11 de maio de 20054

NACIONAL

da Redação

Recados do império 1O Departamento de Estado dos

Estados Unidos fi nanciou uma jor-nalista da “independente” Folha de S. Paulo para fazer reportagens na Colômbia e na terra de George W. Bush. O objetivo era mostrar que os estadunidenses estão se preparan-do para dar “uma reposta militar” se houver um avanço do que eles chamam de “populismo radical” na América Latina. Na mira, Vene-zuela, Equador e Bolívia. Bush usou a Folha para dar um recado aos brasileiros, em meio à visita da se-cretária Condoleezza Rice. E o jor-nal vestiu a carapuça de menino de recados do império. A matéria saiu na edição de domingo, a mais lida.

Recados do império 2Para não ser injusto com a

Folha, é preciso destacar o com-portamento exemplar que os outros veículos tiveram na cobertura da se-cretária Rice. Não faltam voluntários para justifi car uma ação extremada dos Estados Unidos contra a Vene-zuela. “O que cada dia fi ca mais claro é a intenção jactanciosa, e sui-cida, (de Hugo Chávez) de buscar o confronto pelo confronto com os EUA”, defendeu o diário O Globo, em editorial dia 3. Quer imprensa mais golpista?

Alca X AlbaBastou o governo argentino es-

boçar insatisfação com a política externa brasileira para a mídia neo-liberal repetir sua cantilena: é preci-so retomar as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e abandonar essa história de integração sul-americana. Quanto ao anúncio dos acordos da Alter-nativas Bolivarianas das Américas (Alba), os jornais se esforçaram para relativizar os ganhos de um novo modelo de integração com foco na redução de pobreza e desi-gualdade. Exemplo: “A Alba parece condenada a não passar disso, um ruído”, frase do colunista Clóvis Rossi, também da Folha.

Lei GeralO governo federal publicou, em

27 de abril, o decreto que cria o Grupo de Trabalho Interministerial responsável pela elaboração do an-teprojeto da Lei Geral de Comunica-ção Eletrônica. Participarão do gru-po nove órgãos federais, sendo que a Casa Civil coordenará o trabalho e será incumbida da articulação junto a outros órgãos, entidades públicas ou organizações da socie-dade. O Ministério das Comunica-ções será consultor do projeto.

A sociedade reivindicaFoi protocolada, no dia 3, nas

secretarias da Casa Civil e do Minis-tério da Cultura, uma carta redigida por diversas entidades organizadas da sociedade exigindo a abertura para participação formal no proces-so de elaboração e debate sobre o anteprojeto da lei geral de Comuni-cação Eletrônica. O Brasil de Fato assinou o documento, ao lado, entre outros, da Campanha pela Ética na TV, da Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação (CRIS Brasil) e do Fórum Nacional pela Democra-tização da Comunicação (FNDC).

MST – Comunicação em marchaUma rádio comunitária móvel

funcionará, instalada em um cami-nhão, durante a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que partiu de Goiânia no dia 1º. A programação poderá ser sintonizada pelos partici-pantes por meio de rádios portáteis e levará informações sobre ativi-dades do dia, cuidados com saúde e alimentação. Um dos pontos do documento “Por que Marchamos”, que ressalta os motivos da cami-nhada, pede pela democratização dos meios de comunicação e fi m da repressão às rádios comunitárias, alegando que “não haverá demo-cracia sem que o povo e as formas de organização social não tenham direito à informação.”

Espelho da mídia

Dafne Meloda Redação

O uso do amianto foi banido por um júri simulado, no dia internacional das vítimas de

acidentes e doenças do trabalho, 28 de abril. Realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o Tribunal do Amian-to deu voz a entidades representa-tivas da sociedade civil, que deixa-ram claro sua posição em relação ao uso do mineral, também conhecido como asbesto – substância conside-rada cancerígena pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

O júri, formado por represen-tantes da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas, da Associação Luso-Brasileira de Jus-tiça do Trabalho, do Sindicato dos Advogados de São Paulo, da Asso-ciação Nacional dos Procuradores do Trabalho e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), entre outros, decidiram de forma unânime pelo fi m do uso do mineral. Na platéia, estavam diversos trabalhadores viti-mados pelo amianto e integrantes do Movimento 28 de abril, que reúne vários sindicatos e associações em defesa da saúde do trabalhador.

LEGISLAÇÃOO tribunal foi presidido pelo

chefe do Departamento de Direito do Trabalho da USP, Marcus Orio-ne Gonçalves Correia, que classifi -cou o momento como “histórico” para a faculdade, pois foi a primeira vez que o salão nobre recebeu “os verdadeiros destinatários da missão universitária, que são as pessoas do povo”. Também participaram do julgamento o deputado federal Ro-berto Gouveia (PT-SP), o deputado estadual Zilton Rocha, (PT-BA), o secretário municipal do meio ambiente da cidade de São Paulo Eduardo Jorge (PV-SP) e Fernan-da Giannasi, fi scal do Ministério do Trabalho e fundadora da Rede

SAÚDE NO TRABALHOSAÚDE NO TRABALHO

Indústria do amianto: culpadaJúri simulado expôs os perigos da utilização do mineral e condenou sua utilização

Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto na América Latina.

O asbesto é conhecido por suas propriedades físicas – é altamente resistente – e seu uso é milenar. No início do século 19, porém, a medi-cina começou a descobrir seus efei-tos nocivos. Segundo René Mendes, médico e presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho, hoje não há dúvidas de que a fi bra é cancerígena e de que não existe uso controlado ou seguro, como preco-niza a indústria do setor.

Desde 1995, a legislação federal proíbe a exploração, a comerciali-zação e o uso de alguns tipos de amianto. Entretanto, até hoje, o tipo crisotila é liberado. Seu uso é proibido apenas em quinze municí-pios de três Estados (PE, RS e RJ). No mundo, 42 países, incluindo toda a União Européia, já fi zeram o banimento até mesmo do crisotila. Atualmente, no Brasil, está em tra-mitação o projeto de lei 2.186, de

1996, dos deputados federais Edu-ardo Jorge e Fernando Gabeira, que pretende estender a proibição ao crisotila. Se depender da pressão da bancada do amianto no Congresso, a situação continuará como está.

PROPAGANDADia 17 de março, o presidente

da Câmara dos Deputados, Severi-no Cavalcanti (PP), se reuniu com os deputados Carlos Alberto Leréia (PSDB), Sérgio Caiado (PP), Pe-dro Canedo (PP), Pedro Chaves (PMDB), Sandes Júnior (PP), Ronaldo Caiado (PFL) e Capitão Wayne (PSDB), todos de Goiás, Estado onde há a maior produção do mineral. Também estiveram presentes diversos produtores da região. Do encontro, saiu o com-prometimento do presidente da Câmara de que o projeto de lei não seria votado. O Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), entidade que representa os fabricantes no Brasil,

foi chamado para o júri simulado, mas não compareceu.

Outra questão abordada no even-to foi a campanha publicitária do IBC, veiculada no fi nal do ano pas-sado em revistas e cartazes de rua. A Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea) fez um pedido para a retirada das propagandas no Conselho Nacional de Auto-Regu-lamentação Publicitária (Conar), que decretou a suspensão da campa-nha, em que o crisotila era mostrado como um produto inofensivo.

Os anúncios também procura-vam ressaltar o número de trabalha-dores que o setor emprega, cerca de 200 mil. Fernanda Giannasi diz que o dado, além de tudo, é falso. De acordo com cadastro do Ministério do Trabalho, são apenas 3.500 pos-tos de trabalho. O IBC fez três mu-danças seguidas na campanha, que só então foi liberada pelo Conar. A Abrea, agora, luta pela suspensão defi nitiva.

Érica Alcântarade São Paulo (SP)

Mais de um ano depois de o presidente Lula ter aprovado a Lei 10.639, que determina a inclusão do ensino da história e da cultura afro-brasileira na sala de aula, ati-vistas do movimento negro, educa-dores e educandos pressionam os governos para evitar que a medida se torne mais uma lei progressista “que não pegou”.

O presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Ofi cial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Carlos Ramiro de Castro, avalia que ainda não existe uma capacita-ção dos professores sobre o assun-to: “Estamos pressionando o gover-no sobre o processo de formação necessário para a implementação da lei”. Ramiro de Castro ressalta que, independentemente da lei, sempre existiu um coletivo anti-ra-cismo no Sindicato, onde realizam atividades como cursos, seminá-rios, encontros e vídeos para subsi-diar os professores ao abordarem o tema em sala de aula

A Lei 10.639/2003 obriga as escolas de ensino fundamental e médio, ofi ciais e particulares, a adotarem o conteúdo programático que inclui a história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, assim como resgatar a colaboração do negro nas áreas sociais, econômicas e as políticas pertinentes à história do país. “O Brasil está atrasado nessa história, assumimos que somos constituídos de diferentes povos e que a di-

Cultura afro, ainda longe das escolas

versidade não é o problema, mas é uma pena que isso tenha que acontecer por lei, que não tenha entrado naturalmente. A lei serve para impulsionar alguns proces-sos e em outros momentos selar processos de luta”, diz a empre-endedora social da ONG Ashoka, Isabel Santos.

EXPERIÊNCIASIsabel enfatiza a necessidade

de se qualifi car a formação do do-cente. Segundo ela, o ensino sobre a África nas escolas não é apenas contar o que é o continente afri-cano. “A criança precisa aprender desde pequena que a diversidade não cabe dentro de uma escala hierárquica. Aprendemos a pen-sar ‘eurocentricamente’ e falar da história da África e dos afro-brasi-leiros é mexer com esse modo de pensar”, afi rma Isabel.

Enquanto no geral a história afro continua distante das salas

de aulas, iniciativas em alguns colégios já colocaram a medida em prática, com algum sucesso. O professor Carlos Adalberto, do Colégio Rio Branco, no bairro de Higienópolis em São Paulo, afi rma que há três anos aborda os temas ligados à África. Desde janeiro deste ano, trabalha com o projeto “África Sonhos e Realidade” com alunos da 7º série. Carlos Adal-berto diz que houve boa aceitação por parte dos alunos e conta com o apoio de fundações, como a Zumbi dos Palmares.

Na região metropolitana de São Paulo, a Escola Estadual Armando Sestini, em Caieiras, desenvol-ve um projeto chamado “Ler o Mundo”, que inclui o estudo da cultura africana. A vice-diretora, Flavia Juliato, diz que o ensino baseia-se em pesquisas realizadas pelos professores e alunos, visitas a museus, trabalhos fotográfi cos e entrevistas.

Nestor Cozettido Rio de Janeiro (RJ)

Representantes dos movimentos sociais participaram de uma vídeo-conferência nacional, entre os dias 25 e 26 de abril, na sedes do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), para discutir a Cúpula Mundial da Sociedade da Informa-ção, que será realizada em Tunis, capital da Tunísia, em novembro. A reunião também foi uma preparação para a Conferência Regional Minis-terial da América Latina e Caribe, que acontecerá entre 8 e 10 de ju-nho, no Rio de Janeiro.

“A informação deve servir como bem público e não como mercado-ria”, afi rmou o professor Marcos Dantas. Ele propõe como alternativa um pacto social que garanta a apro-priação do conhecimento informati-zado e suas riquezas.

Beatriz Tibiriçá, ex-coordena-dora dos telecentros de São Paulo, testemunhou “a inclusão de 640 mil usuários de baixa renda usando a tecnologia para dar voz às co-munidades”. Os representantes do movimento indígena Marcos Terena e Heliana Potiguara ressaltaram o desejo de seu povo de participação.

Foram sugeridas a construção de uma proposta política em conjunto – que será encaminhada ao Ministério das Relações Exteriores com o pro-pósito de unifi car o discurso da dele-gação brasileira na Cúpula Mundial – e a aproximação com movimentos sociais da América Latina.

Movimentos preparam Cúpula

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Trabalhadores doentes por terem trabalhado com o amianto na fábrica da Eternit em Osasco (SP)

Ensino sobre a África e os afro-brasileiros ajuda a reparar a história

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De 5 a 11 de maio de 2005 5

NACIONAL

Lauro Veiga Filhode Goiânia (GO)

O país parece ter entrado em uma fase aguda de ciclotimia nos últimos dias, com a ajuda

dos setores que defendem juros cada vez mais altos para a economia. Há coisa de duas semanas, até mesmo economistas e analistas mais con-servadores deixaram-se convencer de que o Banco Central (BC) havia ultrapassado os limites do razoável em sua política de juros elevados. Portanto, teria chegado o momento de congelar as taxas, ainda que em patamares escorchantes, porque seus efeitos sobre o nível da ativida-de econômica já se faziam sentir.

Em outras palavras, a economia entrava em desaceleração e, em conseqüência, os riscos de aumen-tos generalizados de preços teriam fi cado para trás. Por isso, a máqui-na de remarcar juros do BC poderia repousar em paz. Nem se passaram sete dias e o discurso mudou da água para o vinho. As análises e constatações de antes não valem um real furado. Em quase pânico, o lobby dos juros altos volta a clamar por novas elevações da taxa para segurar os preços e evitar que a infl ação fuja do controle.

A reação, totalmente descabida, como se poderá comprovar, foi pro-vocada pela divulgação de índices de infl ação mais elevados do que o esperado pelo mercado. Antes de qualquer conclusão emocional, ou motivada pela mais pura especula-ção, cabe averiguar qual a tendência real apontada por aqueles indicado-res de preços, e avaliar se há, de fato, riscos de descontrole infl acionário.

DESACELERAÇÃOAs pesquisas de preços dispo-

níveis mostram que inexiste risco de descontrole dos preços e, por isso, não haveria razões objetivas para novas elevações dos juros, embora o BC não pareça se orientar por “razões objetivas”. Centrando a análise no comportamento da taxa de infl ação ofi cial, na quarta-feira passada, 27 de abril, o Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatís-tica (IBGE) divulgou o Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA) de abril, apurado entre os dias 15 de março e 13 de abril.

Para lembrar, o IPCA-15 é o mesmo IPCA que mede a infl ação ofi cial, só que pesquisado entre a segunda quinzena de um mês e a primeira do mês seguinte. O noti-ciário econômico concentrou-se na comparação da taxa de abril com o IPCA-15 de março, mostrando que a infl ação mensal mais do que dobrou desde então, saindo de 0,35% para 0,74%. Obviamente, não dá para negar que houve o salto, mas esta é apenas uma parte da verdade.

MENOS IMPACTOSA outra parte, também demons-

trada pela pesquisa de preços do IBGE, indica que os preços em geral já entraram em outra fase, com desaceleração no ritmo de alta observado até março. Nesse mês, o IPCA havia saltado para 0,61%, crescendo 0,26 ponto percentual relação ao IPCA-15 medido entre a segunda quinzena de fevereiro e as primeiras duas semanas de mar-ço – isso signifi ca dizer que a taxa

POLÍTICA ECONÕMICAPOLÍTICA ECONÕMICA

Lobby para aumentar (mais) os jurosO ritmo de elevação dos preços começa a perder força, mas o Banco Central continua agindo sem quaisquer limites

quase dobrou em duas semanas, sob infl uência da alta dos alimentos, em conseqüência da seca no Sul, do aumento das tarifas de ônibus e dos preços do vestuário, com a entrada de novas coleções no mercado e o fi m das liquidações de verão.

Entre o fi nal de março e as duas primeiras semanas de abril, o ritmo de alta dos preços arrefeceu, com o IPCA-15 chegando a 0,74% (ape-nas 0,13 ponto percentual acima do IPCA de março). Detalhe: se desconsiderada a alta das tarifas de ônibus, que responderam por quase 30% do índice, a infl ação se mante-ve praticamente inalterada, na faixa de 0,5% ao mês.

REFLUXOAinda no item transportes, a

taxa de variação dos preços vem igualmente perdendo força. As des-pesas do consumidor com desloca-mento haviam crescido 0,34% até a primeira quinzena de março, pas-sando a indicar uma alta de 1,33% no fechamento desse mês (quase um ponto percentual a mais).

A taxa média de variação ob-servada pelo IBGE para os 30 dias terminados em 13 de abril indicava que a alta havia alcançado seu pico, tendendo a refl uir nas próximas semanas. Com base no IPCA-15 de

abril, o grupo transportes apresen-tou uma variação de 1,55%, ou me-ros 0,22 ponto percentual acima da taxa verifi cada no fi nal de março.

Um segundo foco, que tende a perder força, daqui para frente, foi o aumento de 2,45% nas tarifas do telefone celular. Juntos, os cha-mados preços administrados, que estão submetidos a algum tipo de controle ou acompanhamento pelo governo (como planos de saúde, remédios, combustíveis, transporte coletivo, água e esgoto, telefones e energia elétrica), subiram 1,31% até o fi nal da primeira quinzena de abril, diante de 0,45% em março. Como esses aumentos já foram absorvidos pelo índice de infl ação, o seu impacto tende a perder força nas próximas semanas.

HABITAÇÃOUm grupo de despesas impor-

tante no orçamento do consumidor, com grande peso no cálculo da taxa de infl ação, entrou em desa-celeração em abril. Os custos da habitação, que incluem aluguel, gás de cozinha e utensílios domésticos, passaram a indicar uma taxa de va-riação acumulada de 0,71% entre 15 de março e 13 de abril, diante de 0,85% nos 30 dias de março.

Idem para os gastos com edu-

cação: depois de absorvidos os aumentos do material escolar, no retorno às aulas, a taxa de variação dos preços do segmento caiu pra-ticamente pela metade (de 0,43% para 0,22%).

Os preços das roupas, calçados e acessórios continuaram pressio-nando, mas com menor força. A taxa do grupo havia engordado em

meio ponto percentual e passou a subir 0,23 ponto (de 0,6% no fi nal de março para 0,83% nos 30 dias encerrados em 13 de abril). A alta dos alimentos foi puxada pelo quia-bo (19%), tomate (13,7%), vagem (12%) e batata inglesa (9,8%). Os cereais pararam virtualmente de subir e tendem a indicar baixa, nas próximas semanas.

O contribuinte continua carre-gando nas costas o duplo fardo dos juros altos. Primeiro, ao tomar di-nheiro emprestado e pagar as taxas mais elevadas do planeta. Segundo, ao ver o dinheiro dos impostos que recolhe ser desviado, em escala cres-cente, para honrar as despesas com juros da dívida do governo central.

A recente escalada dos juros, que o Banco Central (BC) se esfor-ça para preservar, cobrou um preço salgado em março, espetando uma conta de R$ 9,98 bilhões no balcão do governo central. Comparada a março do ano passado, a despesa da União com juros aumentou nada mais, nada menos do que 69,2%.

Os dados são ofi ciais e foram divulgados na sexta-feira, 29 de abril pelo BC. Todo o dinheiro que o governo economizou, às custas de cortes em gastos essenciais para o funcionamento do Estado e em investimentos públicos, foi sufi -ciente para cobrir 72% da conta dos juros no mês. O resultado foi um rombo de R$ 2,8 bilhões ape-nas em março, quase 33% a mais do que em igual mês de 2004.

ROMBONos primeiros três meses deste

ano, quando os juros estavam ligei-ramente menores do que hoje, os gastos da União com juros atingiram praticamente R$ 28 bilhões, num aumento de 40% frente aos R$ 22,1 bilhões desembolsados entre janeiro e março de 2004.

Como só havia R$ 17,8 bilhões reservados pelo governo para fazer frente àquela despesa, o rombo, no

Gastos com serviço da dívida saltam quase 70%

trimestre, cresceu cinco vezes, pu-lando de R$ 2 bilhões nos mesmos três meses do ano passado para R$ 10,1 bilhões neste ano.

O défi cit total do setor públi-co, no entanto, chegou a encolher, caindo de R$ 10,8 bilhões para R$ 10,2 bilhões (menos 5,5%). A queda foi possível em função do arrocho imposto aos governos estaduais e prefeituras, que conseguiram der-rubar seu rombo em pouco mais de 94% no primeiro trimestre deste ano (de R$ 6,8 bilhões para R$ 387 milhões). Isso porque conseguiram pagar 32,5% a menos de juros.

DESEQUILÍBRIOO gasto com juros de todo o setor

público, incluindo a União, governos estaduais, prefeituras e empresas es-tatais das três esferas, aumentou 21% no primeiro trimestre e aproximou-se de R$ 38 bilhões. Passou a represen-tar 8,4% de todas as riquezas que o país produziu no período, conforme estima o BC. Só perdeu para o pri-meiro trimestre de 2003, quando aquela relação alcançou 12,5%.

Os números apurados pelo pró-prio BC mostram com nitidez que a política de juros altos provocam desequilíbrios crescentes nas contas do setor público, ao criar rombos cada vez maiores. Nos 12 meses encerrados em março, essa despesa voltou a ser recorde, batendo em R$ 134,8 bilhões. Para encerrar, o governo federal gastou com juros, em apenas um trimestre, mais de três vezes todo o dinheiro reservado para investimentos da União neste ano. (LVF)

JUROS GALOPANTESValores em R$ milhões

Variáveis Março/2004 Março/2005 Variação (%)

Setor público 10.207 13.917 +36,3

União 5.900 9.984 +69,2

Governo federal 8.068 10.026 +24,3

Governos locais* 4.982 3.194 -35,9

(*) Estados e municípiosFonte: Banco Central

Fonte: IBGE

Setores Março (IPCA-15)

Março (IPCA)

Abril (IPCA-15)

Geral 0,35 0,61 0,74

Alimentos e bebidas 0,17 0,26 0,48

Habitação 0,63 0,85 0,71

Artigos de residência 0,43 0,18 0,28

Vestuário 0,10 0,60 0,83

Transportes 0,34 1,33 1,55

Saúde e cuidados pessoais 0,48 0,25 0,47

Despesas pessoais 0,31 0,30 0,44

Educação 0,43 0,43 0,22

Comunicação 0,09 0,19 0,42

O RITMO DOS PREÇOSTaxa mensal de variação, em %

Em São Paulo, maior centro distribuidor de alimentos do país, com infl uência ampla sobre todo o mercado, os levantamentos se-manais de preços realizados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) apontam uma reversão na tendência de alta dos preços agrí-colas. A virada pode infl uenciar os preços pagos pelo consumidor, barateando os custos da alimenta-

Pesquisa mostra que alimentos param de subirção e amenizando a carestia.

Em março, a pesquisa do IEA apontava um salto de 5,86% nos preços agrícolas, considerando os valores recebidos pelos pro-dutores paulistas. Nos 30 dias encerrados na primeira semana de abril, a taxa de variação havia recuado para 3,44%. Na segunda semana de abril, a taxa mensal despencou para 0,01% – a menor

variação em 13 semanas.O efeito seca, que reduziu a

oferta de alimentos, vem perden-do força, prenunciando menores aumentos, ou até queda, dos prin-cipais preços agrícolas, à medida que avança a colheita e venda da safra. Em resumo, nunca houve risco de descontrole infl acionário, como alega o lobby dos juros al-tos. (LVF)

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Pesquisas de preços divulgadas em abril indicam que não há razões objetivas para novas elevações dos juros, como quer o Banco Central

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De 5 a 11 de maio de 20056

NACIONAL

Fatos em focoFatos em focoFatos em focoFatos em focoHamilton Octavio de Souza

Marcha históricaMobilizados pela Via Campesina, MST, CPT e Grito dos Excluídos, mais de 10 mil trabalhadores rurais sem-terra marcham de Goiânia até Brasí-lia. Além da reforma agrária, reivin-dicam mudanças na política econômi-ca do governo – principalmente para gerar empregos, redistribuir renda e melhorar as condições de vida da população. Dia 17 de maio, eles rea-lizam ato público na Esplanada dos Ministérios.

Festa insólitaA CUT e a Força Sindical fi zeram festa milionária no 1º de Maio, transformaram em show o que antes signifi cava manifestação de luta. Não se sabe o que comemoraram nesses tempos de superexploração neolibe-ral: o desemprego continua batendo recordes, muitos trabalhadores foram jogados na informalidade e a alta rotatividade no trabalho promove a redução da massa salarial.

Rabo presoO governo federal deve iniciar nova campanha para levantar a auto-esti-ma do povo brasileiro. O mote agora está em cima dos bons exemplos, aquilo que deve servir de referência para todos. Obviamente, o governo não poderá mostrar o ministro da Previdência, Romero Jucá, nem o presidente do Banco Central, Henri-que Meirelles, ambos enrolados em denúncias pesadas.

Traseiro alheioConhecido pelas besteiras que fala, o presidente Lula anda atirando para o lado errado. Há poucos dias, ele disse que o brasileiro é comodista e não levanta o “traseiro” nem para pedir aos bancos juros menores. Ele se esqueceu de dizer que é função do governo controlar os juros, mas isso não tem sido feito por falta de cora-gem para enfrentar a especulação fi nanceira.

Tempo perdidoO Palácio do Planalto tem colocado como prioritária a coligação do PT com o PMDB para as eleições pre-sidenciais de 2006. Pode até lavar os pés, entregar ministérios e cargos nas estatais, mas difi cilmente haverá acordo formal entre os dois partidos, já que os governadores e alguns caci-ques peemedebistas preferem lançar candidatura própria ou caminhar com o PSDB.

Rádio poderosaChamou a atenção no noticiário inter-nacional sobre a derrubada do pre-sidente Lucio Gutiérrez, do Equador, o papel desempenhado pela rádio comunitária La Luna na mobilização popular. Dirigentes da emissora expli-caram que a rádio apenas abriu os microfones para as reclamações do povo. O restante foi feito pelo próprio povo, nas ruas.

Escalada críticaO ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, tem aumentado bastante suas críticas ao governo a que pertence, ora contra os juros, sobre a falta de entrosamento da equipe, em defesa da Alca etc. Ou ele está sendo contrariado em algo ainda não descoberto pela imprensa, ou está preparando uma saída estra-tégica do governo.

Vigésimo roundJá virou luta de resistência a defi nição governamental sobre o projeto de massifi cação da informática. Há me-ses o governo tenta defi nir se fi ca com os programas livres, disponíveis sem custo algum, ou utiliza os proprietá-rios, que favorecem principalmente a empresa Microsoft, dos Estados Uni-dos. Os entreguistas de sempre atuam contra o interesse nacional.

Ofensiva ideológicaO Departamento do Pentágono dos Estados Unidos, responsável pela po-lítica exterior e militar daquele país, tem levado jornalistas brasileiros para seminários em Miami e em outros centros sob seu comando. Nesses seminários, os instrutores justifi cam as “razões” do império e criticam os governos mais resistentes da América Latina. Na época da guerra fria, era contra o “perigo vermelho do comu-nismo”. Agora, é contra o “populismo radical”.

Rafael Luizdo Rio de Janeiro (RJ)

N a madrugada de 26 de abril, mais de cem trabalhadores sem-teto, apoiados por ativis-

tas que lutam pelo direito à habita-ção, ocuparam um prédio abandona-do pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) há pelo menos 20 anos, no Centro do Rio. O imóvel de oito andares, localizado na Avenida Venezuela, número 53, foi batizado como Ocupação Zumbi dos Palma-res em homenagem ao líder escravo que coordenou o maior quilombo de Pernambuco, entre 1604 e 1694. Poucas horas após a entrada dos sem-teto, o INSS entrou com ação de reintegração de posse, acatada pela juíza Salete Maccaloz, Titular da 7ª Vara Federal, na tarde do dia 27 de abril.

A liminar da juíza ordenava o despejo das famílias, se preciso, com uso da força policial. Assessorados pela Rede de Advogados Populares, os sem-teto entraram com recurso. Apesar de não ter suspendido a reintegração, eles conseguiram que a juíza impusesse algumas determi-nações: que sejam providenciados abrigos às famílias, que o Conselho Tutelar tome ciência da situação das crianças que estão no prédio e que um ofi cial de Justiça visite o local para fazer a notifi cação do estado do imóvel e dos ocupantes.

No dia 28, foi realizado um ato de apoio à ocupação. Trabalhadores sem-teto, estudantes, sindicalistas e simpatizantes reuniram-se em frente ao prédio, onde discursaram

MORADIAMORADIA

Sem-teto ocupam prédios do INSSFamílias do Rio de Janeiro e de São Paulo resistem à polícia para garantir direito constitucional

Maurício Reimbergde São Paulo (SP)

Frio intenso e garoa fi na, o reló-gio marca 23 horas e 58 minutos do primeiro dia de maio, no Centro de São Paulo. A aglomeração começa a acontecer nas imediações. É o início da ação direta do movimento popular de moradia. E, ao mesmo tempo, o fi m simbólico das come-morações do Dia do Trabalhador, marcado por grandes showmícios promovidos pela CUT e pela Força Sindical. “Enquanto alguns fazem festa, viemos denunciar”, diz Iva-nete Araújo, uma das coordenado-ras da Frente de Lutas por Moradia (FLM), responsável pela ocupação na madrugada. A Frente conta com doze movimentos fi liados e mais de dez mil famílias organizadas. Há cerca de 300 imóveis ociosos no Centro da cidade.

Aproximadamente 700 pessoas abriram passagem por uma pequena porta de madeira trancada com cadea-do, em um terreno de muros altos, e ocuparam o imóvel do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), no Anhangabaú. O movimento acre-dita que podem ser construídas 540 unidades habitacionais no terreno e no prédio – um entre os 5 mil imó-veis ociosos que se estima serem de propriedade do INSS no país. Papéis picados caíam das janelas do prédio vizinho e faixas foram estendidas com os dizeres: “Policias: não que-remos guerra, queremos moradia”.

Em SP, ocupação marca 1º de Maio

Apesar das lideranças demonstrarem o caráter não-agressivo da ocupa-ção, a Polícia Militar agiu de forma intimidatória e repressora. Após blo-quear as vias de acesso ao terreno, bombas de efeito moral foram arre-messadas para o outro lado do muro, onde estavam presentes mulheres e crianças menores, com o intuito de dispersar as pessoas que fi cavam na rua. Os policiais também usaram gás pimenta, que se espalhou nos arredores. Houve correria e revolta, mas a situação foi controlada com a permanência dos manifestantes no local. A presença da imprensa inibiu a violência e acabou por amenizar o confronto, permeado pelo clima ten-so durante toda a madrugada.

Ao ser questionada sobre a ação, Ivanete enfatizou: “Se as famílias não se moverem, o governo não faz

Julio Penzde Caxias do Sul (RS)

Aproximadamente cinco mil pes-soas participaram da 10ª Romaria do Trabalhador e da Trabalhadora em Caxias do Sul (RS), que teve co-mo lema este ano “Trabalho, fonte de dignidade, direito de todos”.

A Romaria é promovida pela Pastoral Operária e pela Confede-ração Nacional dos Bispos do Bra-sil e acontece de dois em dois anos, desde 1987. Representa um amplo processo de refl exão, organização dos trabalhadores e promoção de atividades de mobilização social, questionando baixos salários e impulsionando lideranças popu-lares a intervir politicamente na sociedade.

Entre vários temas discutidos du-rante a Romaria, o que mais preo-cupa os trabalhadores são as mu-danças introduzidas pelas novas tecnologias de genética, da roboti-zação, da mecanização e das comu-nicações associadas a formas iné-ditas de organização da produção – que alteram o mercado de traba-lho, a identidade do trabalhador e as possibilidades dos seus movimentos associativos.

Romaria do trabalhador reúne 5 mil

em defesa dos ocupantes. Após os discursos, os manifestantes deram as mãos em um abraço simbólico do edifício.

COMO BICHO“Estou aqui porque não tenho

moradia. Vou fi car e resistir até o fi m, em nome de Deus”, disse Maria do Socorro, uma das ocupantes do imóvel. Socorro morou no bairro de Santo Cristo, onde pagava R$ 260 por mês de aluguel, mas precisou se mudar para a casa de uma amiga por não conseguir arcar com a despesa. Depois de um período desemprega-da, conseguiu emprego de doméstica

duas vezes por semana, do qual tira seu sustento. “Meu dinheiro é para pagar o estudo do meu fi lho, para que ele seja visto como gente, não como bicho, do jeito que nós so-mos”, desabafou.

A ação dos sem-teto se funda-menta no direito à moradia, garan-tido pela Constituição Federal em seus artigos 5º, 6º, 182 e 183, assim como no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01). A lei estabelece que toda propriedade deve cumprir sua função social. No entanto, o próprio governo informa que existem 5.030 milhões de imóveis vazios ou aban-donados no país. O défi cit habitacio-nal, segundo informações da página do Fórum Nacional de Reforma Urbana na internet, foi estimado, no ano de 2000, em mais de 6 milhões de moradias.

A realidade social brasileira, no que diz respeito a habitação, é um tema que passa longe do noticiário dos grandes meios de comunica-ção. Estes, em vez de alertar para a necessidade da reforma urbana, limitam-se a criminalizar os movi-mentos que lutam por essa bandeira. A cobertura da Ocupação Zumbi dos Palmares foi exemplo disso. Os veí-culos optaram por mostrar imagens de sem-teto com os rostos cobertos por camisetas, como em uma re-

belião de presidiários, em lugar de retratar as diversas crianças e os ido-sos resistindo, no interior do prédio.

ORGANIZAÇÃOVale destacar também o espírito

organizativo dos sem-teto. Eles realizam, todos os dias, duas as-sembléias para tratar das questões internas da ocupação. Nessas as-sembléias, as tarefas são divididas entre os moradores, organizados em seis comissões: limpeza, cozi-nha, portaria e segurança, hidráuli-ca, elétrica e divulgação. Todos de-vem obedecer o regimento interno da ocupação, que fi ca afi xado nas paredes. Há também um mural com notícias recortadas de jornais.

No momento, aproximadamente 150 famílias estão no interior do edifício. Os ocupantes pedem a so-lidariedade da sociedade no sentido de enviar alimentos, material de limpeza, construção e eletricidade. Pedem também que sejam enviadas moções às autoridades envolvidas, no caso, o INSS, o juiz da 7ª Vara Federal e o Ministério das Cidades. Um modelo de moção de apoio, as-sim como o endereço eletrônico das autoridades, podem ser encontra-dos na página da internet do Cen-tro de Mídia Independente (CMI), www.midiaindependente.org

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Ocupação Zumbi dos Palmares, no Rio: mais de cinco milhões de imóveis vazios ou abandonados no país

nada”. E completou: “O que tem pa-ra comemorar? O dia do trabalhador desempregado, sem moradia?”. Para ela, a reivindicação é, sobretudo, por “dignidade”. Dia 2, por volta das 17 horas, a área foi desocupada, após acordo fi rmado na reunião dos coor-denadores com os representantes do Ministério das Cidades, em Brasília. Integrantes da Secretaria de Habi-tação garantiram que o prédio será comprado pelo governo federal com recursos do Programa de Arrenda-mento Residencial.

O artigo 6º da Constituição Fe-deral afi rma que “todo cidadão tem o direito à moradia”. Quem atua ao lado do movimento social dos tra-balhadores sem-teto percebe que, no Brasil, e em muitos outros países do mundo, a questão social ainda é caso de polícia.

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Movimento dos Sem-Teto do Centro comemora 1º de Maio com ocupação

Em Caixias do Sul, trabalhadores gaúchos protestam contra os baixos salários

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De 5 a 11 de maio de 2005 7

NACIONAL

Marcelo Netto Rodriguesenviado especial a Goiânia (GO)

O s 12 mil participantes da Mar-cha Nacional pela Reforma Agrária, que dia 2 saíram de

Goiânia rumo a Brasília, debaixo de sol forte, já haviam vencido, até dia 4, data do fechamento desta edição, 44 dos 220 quilômetros da BR-060. A marcha deve chegar à Esplanada dos Ministérios dia 17. Das 30 audi-ências agendadas pelos organizado-res com quase todos os ministérios para discutir uma pauta com 16 pontos, 12 já estavam confi rmadas nos primeiros dias da marcha.

Os caminhantes, organizados em três fi las, se estendem por qua-tro quilômetros de extensão e têm levado cinco horas para dar conta de um percurso médio diário de 16 quilômetros, a uma velocidade de 3 km/h. A rádio itinerante “Brasil em Movimento” FM 88,5, criada espe-cialmente para a marcha em parce-ria com a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), é a única forma efi caz de comunica-ção simultânea com os marchantes – cada um carrega um radinho para escutar as orientações.

Para se ter uma idéia do tapete vermelho formado pelas bandeiras ao longo do caminho, quando a pri-meira delegação completa o trajeto, a última ainda leva quase duas horas para chegar. Em um sistema de ro-dízio, que procura valorizar todas as delegações, a cada dia um Estado diferente puxa a marcha, indo para o fi nal da fi la no dia seguinte.

A imagem impressiona. A quanti-dade de pessoas é tamanha que quem está marchando raramente consegue ver o início ou fi m da coluna. Mili-tantes de cada Estado, identifi cados por coletes de diferentes cores com o símbolo do movimento, dividem-se em setores de saúde, segurança, infra-estrutura e comunicação. A cada 3 quilômetros, caminhões-pipa fornecem água aos marchantes para atenuar o calor excessivo do Planal-to Central. O espírito de sacrifício está estampado no rosto de cada caminhante, como o sem-terra da Bahia que caminha com uma mule-ta, e outro do Rio Grande do Norte, que usa um triciclo movimentado por manivela.

Todo esse aparato faz a marcha

REFORMA AGRÁRIAREFORMA AGRÁRIA

Com o pé na estrada, pelo direito à terra12 mil pessoas iniciaram a marcha nacional rumo a Brasília, onde apresentarão reivindicações sociais ao governo

funcionar de forma orgânica e coor-denada, com 12 mil pessoas agindo como se fossem uma só. É inacre-ditável constatar que, em meio a tanta gente, não acontecem brigas, confusões ou furtos. As barracas de cada Estado ocupam quase um qui-lômetro quadrado, em combinações impensáveis. Não é em qualquer lu-gar que Bahia faz fronteira com São Paulo ou Rio Grande do Norte com Santa Catarina e todos se entendem.

A marcha é uma cidade em movimento. Todos os dias, o acam-pamento é montado e desmontado, avançando lentamente em direção à capital federal. Para que tudo esteja pronto quando a marcha chegar a um novo local de acampamento, mais de mil militantes se antecipam em 31 caminhões, 9 ônibus e 27 carros. Em cerca de quatro horas, armam gigantescas tendas brancas (com capacidade de até 800 pessoas cada), providenciam água, banhei-ros e descarregam as bagagens mais pesadas dos participantes.

Deixar os pertences nas mãos de pessoas desconhecidas, em meio à bagagem de 12 mil pessoas, exige um alto grau de desprendimento e confi ança no outro. Ainda mais quando – como acontece com a maioria dos marchantes – se leva

nas malas quase tudo o que se tem. Mas não há incidente. Na chegada, todos recuperam suas coisas, devi-damente distribuídas pelas tendas de cada Estado.

MOCHILAS NAS COSTAS“Estamos começando mais uma

jornada que os livros de História vão registrar no futuro, e vocês são os atores”, disse João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a militantes sociais concentrados no ginásio do Estádio Serra Dourada, um dia antes do iní-cio da marcha.

“Daqui sairão defi nições para os nossos próximos passos”, acres-centou Ademar Bogo, do setor de formação nacional. “Com a mochila nas costas, trocamos de lugar todos os dias para importunar a burgue-sia”, disse Bogo, referindo-se aos militantes do MST, que para ele devem ser vistos como guerrilheiros de um outro tempo. Para caminhar, cada participante recebeu uma mo-chila e um chapéu de palha (no lugar do tradicional boné vermelho).

Bogo prevê que um dia os tra-balhadores voltarão a Brasília “para enterrar vícios e defeitos e plantar árvores que produzam frutos para

alimentar a sociedade brasileira que hoje tem fome de comida, sonhos e esperanças”.

AMIGOS DO MSTAlém das delegações de sem-

terra de 22 Estados mais o Distrito Federal, também marcham “amigos do MST” de diversos países: África do Sul, Bolívia, Espanha, Itália, Pa-raguai, Suíça e Turquia.

José Maria Recio Rivas, do grupo de apoio Red Euro-Latinoamericana, da Espanha, se diz apaixonado pelo MST: “A organização de milhares de pessoas conduzida pelo movimento é surpreendente. Aqui me alimento

de companheirismo e amor diaria-mente. Todos têm responsabilidades ao mesmo tempo em que se sentem protagonistas da luta. Se um dia eu vier morar no Brasil, só haverá senti-do viver entre os sem-terra.”

Caminham também representan-tes dos movimentos Atingidos por Barragens, Pequenos Agricultores, Mulheres Camponesas, Trabalha-dores Desempregados, Cáritas, quilombolas, Trabalhadores Sem Teto, pela Estatização das Fábricas Ocupadas e 90 religiosos – freiras, aspirantes a freiras e seminaristas da Conferência de Religiosos do Brasil que vão se revezar ao longo da marcha –, além de um repórter da Al Jazeera no Brasil.

PRIMEIRO DE MAIONuma espécie de aquecimento

para a marcha, no Dia do Trabalho, 1º de Maio, a delegação de Minas Gerais conduziu os marchantes por quatro quilômetros até a Praça Cívica, no Centro de Goiânia, onde houve um ato político-cultural. O arcebispo dom Washington Cruz e o pastor Ariovaldo Ramos, da Aliança Evangélica Brasileira, lembraram que Jesus também não se instalou comodamente no norte da Palestina.

Durante os discursos, entre os quais o do prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), foram citados os mártires da luta pela terra de cada Estado. Goiás foi lembrado por ter sido o palco da resistência campone-sa em Trombas e Formoso, nos anos 50, e por ser o berço da Comissão Pastoral da Terra e do MST. Ao fi nal, houve a bênção de pães que foram repartidos entre os sem-terra.

Beatriz Pasqualinode Brasília (DF)

Uma comissão de represen-tantes da Marcha Nacional pela Reforma Agrária entregou, dia 3, a pauta com as reivindicações da mobilização ao ministro do Desen-volvimento Agrário, Miguel Ros-setto, e ao presidente nacional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Ha-ckbart. Esse foi o primeiro e o mais importante dos diversos encontros agendados com representantes do governo para acontecer durante a marcha.

Os pontos apresentados no documento se referem ao fortale-cimento do Incra e à situação dos acampamentos e assentamentos. O descontigenciamento dos recursos para a reforma agrária foi a questão mais enfatizada durante a reunião. “Nós não aceitamos que os R$ 2 bilhões da reforma agrária sejam destinados a pagar juros da dívida”, disse Fátima Ribeiro, da direção nacional do Movimentos dos Tra-balhadores Rurais Sem Terra. Ela se refere ao corte anunciado no orçamento do ministério de 2005. Ante às críticas, o governo pro-meteu que iria desbloquear R$ 400 milhões desse corte. Até agora, no entanto, a liberação efetiva de re-

MST entrega pauta da marcha ao ministro

cursos se limitou a R$ 250 milhões. Com isso, a meta do Plano Nacio-nal de Reforma Agrária (PNRA) de assentar 400 mil famílias até o fi m de 2006 fi ca inviabilizada.

O presidente do Incra traçou um cenário pessimista: “Os recursos para obtenção de terra acabam no próximo mês. Estamos selecio-nando terras para não gastar todo o dinheiro”. Mas o ministro Rossetto está otimista: “Estamos confi antes – e esse é o compromisso do gover-no – de assegurar recursos integrais para o cumprimento de todas as metas do PNRA“.

Na opinião do ministro Rosset-to, todos os pontos citados na pauta dialogam com o fortalecimento de uma reforma agrária qualifi cada para o Brasil. “Minha expectativa é de que possamos avançar bastante com relação a esses temas e respon-der a esse grande sonho de milhares de famílias que querem trabalhar na terra”.

Na reunião, fi cou acertado que nos próximos dias serão negocia-dos os diversos pontos de reivin-dicações para que, no começo da próxima semana, o ministério se pronuncie ofi cialmente se vai aten-der à pauta completa. Como lem-brou Fátima Ribeiro, “a esperança é a última que morre e é por isso que estamos em marcha”.

Dez Estados estão à frente da de-legação de São Paulo quando “seu” Luiz Beltrami, 97 anos incompletos, percebe que a delegação de Minas Gerais já está puxando a marcha em direção ao Centro de Goiânia. De botas em vez de chinelos, ele – que marcha por São Paulo – empunha sua bandeira do Brasil com fl âmulas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra costuradas. Com muita pressa de chegar na linha de frente da marcha, acelera o passo e passa rapidamente pela delegação do Maranhão. Alcança a de Mato Gros-so do Sul, quando alguém grita para os mais jovens: “Olhem, é o ‘seu’ Luiz, de 97 anos, sigam o exemplo dele”. Duas pessoas se colocam em seu caminho para tirar fotos.

Nesse momento, ele já ultrapas-sou as delegações de Pernambuco e do Rio Grande do Sul, mas faltam ainda dois quilômetros. “Seu” Luiz põe a mão na coxa esquerda, quando o trajeto fi ca mais íngreme e con-fessa: “Na subida, tem de manerar o passo, senão amanhã ninguém agüenta mais caminhar”.

Outro marchante se admira: “Eu te disse, eu estava falando do velhi-nho e olha ele aí”. Alguém replica: “Ah, ele só vai até o Centro de Goi-ânia, não vai marchar até Brasília, não”. Outro responde: “Você não sa-be que ele andou 1580 quilômetros

“Seu” Luiz tem lugar de honra na linha de frente

de São Paulo a Brasília na marcha de 1997?”

Falta um quilômetro e “seu Luiz”, que anda com o dobro de velocidade dos outros caminhan-tes, chega à delegação do Espírito Santo. Ele afasta as faixas que atra-palham sua passagem, numa última tentativa de estar à frente da longa fi la dos milhares de caminhantes.

Ainda não consegue. Dia 11, quando a delegação de

São Paulo estiver à frente da mar-cha, “seu” Luiz poderá fi nalmente repetir o seu feito das marchas de 1997 e 1999 – desta vez, ele puxará 12 mil pessoas, fazendo pensar que não foi um simples acaso ele ter al-cançado o Espírito Santo na marcha descrita acima. (MNR)

Seu Luis: “Na subida, tem de manerar o passo, senão amanhã ninguém agüenta”

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Sem-terra de 22 Estados e “amigos do MST” de sete países participam da marcha

A Marcha Nacional pela Reforma Agrária, uma cidade em movimento, avança lentamente em direção à capital federal

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De 5 a 11 de maio de 20058

NACIONAL

Tatiana Merlinoda Redação

“P recisa-se de costureiros para trabalhar no Brasil. Salário de 300 dólares

ao mês, com direito a moradia e ali-mentação”. Um anúncio semelhan-te a esse atraiu Jorge* e Maité*, que acreditaram ser essa a maneira de sair da miséria em que viviam, na perife-ria de La Paz, capital da Bolívia. Ven-deram todos os móveis que tinham e partiram rumo ao Brasil. Aqui, contudo, não saíram da miséria.

Jorge só compreendeu o que es-tava acontecendo quando ele e sua esposa demoraram quatro meses para pagar uma dívida que tinham com o coiote (agenciadores), traba-lhando duro, das sete da manhã até meia-noite. “Às vezes, até três da manhã, morando num lugar muito ruim”, conta.

Se soubesse que a vida seria as-sim, Maité nunca teria vindo. Mas era tarde demais. O casal procurou outra fábrica. Depois de dois meses de trabalho, nada a receber. Briga-ram com os empregadores e procu-raram uma terceira fábrica. A mesma coisa. Na quarta, apareceu um tumor no pescoço de Jorge. Feita a cirurgia, descobre-se que decorria de tubercu-lose ganglionar.

Maité também contraiu tubercu-lose. Com difi culdade de trabalhar, Jorge foi agredido pelo dono da con-fecção, também boliviano, e o casal foi expulso da fábrica. Eles foram acolhidos pela Casa do Migrante, onde vivem há quatro meses, e estão em tratamento de saúde.

ESCRAVIDÃOA história de Jorge e Maité é

semelhante à de milhares de boli-vianos que saem de seu país fugindo da miséria, e entram ilegalmente no Brasil todos os anos para trabalhar em pequenas confecções da cidade de São Paulo, em condições compa-ráveis ao que os defensores de direi-tos humanos chamam de escravidão moderna. Os operários daquelas fabriquetas costumam ser atraídos para a escravidão pelas falsas pro-messas de bons salários feitas por coiotes, por meio de anúncios em jornais e rádios bolivianos.

De acordo com o padre Roque Pattussi, coordenador do Centro Pastoral do Migrante – entidade li-gada à Igreja Católica que apóia os imigrantes no país – há grupos que são trancados em porões, fechados com grades, correntes e cadeados.

TRABALHO ESCRAVOTRABALHO ESCRAVO

Migrantes, uma crônica da vergonhaTodos os anos, milhares de bolivianos entram ilegalmente no Brasil em busca de trabalho, e são superexplorados

Os empregadores também se apro-veitam da ignorância dos imigrantes em relação à legislação brasileira e abusam do terror psicológico.

TERRORISMO“Eles dizem que se o trabalhador

sair, será pego pela polícia e preso. Assim, eles não saem e produzem mais”, afi rma padre Pattussi. Outra maneira de cercear a liberdade dos trabalhadores é apreendendo os seus documentos logo no primeiro dia de trabalho. Em muitos casos, os imigrantes também fi cam enredados em um ciclo vicioso de dívidas, tra-balhando por longos períodos sem receber, para cobrir os custos da via-gem para o Brasil. O que aconteceu com Maité e Jorge.

No entanto, devido à sua presen-ça ilegal no país, os imigrantes não protestam quando seus empregado-res não cumprem o que prometeram, tornando-os presas fáceis para os donos de fábrica que utilizam mão-de-obra barata. A situação degra-dante a que são submetidos os imi-grantes é “pior do que no interior”, diz Juan Plaza, coordenador da Ca-sa do Migrante.

Em situação irregular, e clandes-tinos, os estrangeiros sofrem ainda mais do que os escravos do campo, pois não têm como recorrer ao Mi-

nistério do Trabalho. “Essas pes-soas são submetidas a condições sub-humanas porque não existe na legislação nada que as proteja. Pelo contrário. Nem a legislação trabalhista, nem o Estatuto do Estrangeiro lhes dão respaldo”, acrescenta Plaza.

Ele diz que a legislação bra-sileira difi culta o trabalho dos defensores dos direitos dos imi-grantes, e os impede de fazer um “trabalho mais agressivo”. A última coisa que os estrangeiros que vivem em situação degradante querem é que a Polícia Federal apareça, observa Plaza. Nesse ca-so, explica, terão que pagar mul-tas onerosas e, de um jeito ou de outro, pelo menos eles estão tra-balhando. Para o coordenador da Casa do Migrante, a solução é permitir aos imigrantes obter um visto legal de trabalho. Para isso, é preciso mudar a legislação perti-nente, argumenta Plaza.

DEGRADAÇÃOAs confecções localizadas na re-

gião central da capital paulista, e que agora estão se expandindo para o interior do Estado, fi cam escondidas para não ser detectadas pela polícia. Nelas, a maioria dos trabalhadores começa a jornada às 7 horas e acaba

meia-noite, com um intervalo curto para as refeições.

Em média, ganham 50 centavos por peça de roupa montada, cujo pre-ço de venda nas lojas da região é de até R$ 60. Se danifi cam uma peça, de-vem pagar o preço do varejo do item, não os 50 centavos que recebem. Para não levantar suspeitas, as má-quinas funcionam em lugares fecha-dos, sem ventilação nem luz natural. Geralmente, os imigrantes moram no local de trabalho, onde vivem em péssimas condições de higiene.

INSALUBRIDADE“Em alguns lugares, só têm di-

reito a tomar banho uma vez por se-mana”, denuncia padre Roque Pat-tussi. Para economizar, os emprega-dores alimentam mal os costureiros, que também fi cam o dia inteiro res-pirando pó. Nessas condições insa-lubres, a saúde das pessoas vai fi -cando debilitada.

“Eles acabam contraindo doenças como tuberculose, doenças de pele, problemas na coluna. As mulheres também não fazem acompanhamen-to pré-natal porque não têm docu-mentos e têm medo de ir ao hospital. E ainda trabalham até os últimos me-ses de gravidez”, afi rma a advogada Ruth Camacho, que presta assessoria jurídica aos imigrantes. E também

não vão ao hospital porque perdem o dia de trabalho, e têm aluguel, alimentação, água e luz desconta-dos. Assim, continuam trabalhando, mesmo doentes.

EGOÍSMOEnquanto no interior o trabalho

forçado geralmente envolve brasi-leiros, na cidade de São Paulo, “in-felizmente, são os próprios compa-triotas que os exploram”, lamenta padre Pattussi. Ou seja, as confec-ções costumam ser dirigidas por gerentes bolivianos, que trabalham para lojistas coreanos.

De acordo com o padre da Pastoral do Migrante, o mundo do imigrante está piorando e ele está se tornando egoísta. “Antes, os imigrantes procuravam se unir para ser fortes. Agora, querem ser ricos para ser fortes. A exploração vem gerando uma eterna repetição de experiências ruins”, observa o padre Patiussi. Prova disso, foi o que Maité e Jorge ouviram de seus empregado-res bolivianos, ao questionarem as condições de trabalho a que foram submetidos: “Nós sofremos, vocês também têm que sofrer”.

*Por questões de segurança, os nomes dos entrevistados

foram modifi cados.

Apesar da difi culdade em es-timar o número de bolivianos re-sidentes na cidade de São Paulo, a Pastoral dos Migrantes calcula que existam 400 mil bolivianos somente na região metropolitana, dos quais apenas 40% (160 mil) em situação regular. Dos 240 mil ilegais, avalia-se que 160 mil este-jam trabalhando em 18 mil ofi cinas de costura. De acordo com o padre Roque Pattussi, a legalização dessa massa de trabalhadores benefi ciaria a todos. “Imagine quanto o Estado deixa de arrecadar de impostos com tantas pessoas ilegais”.

Segundo os bolivianos e a Pas-toral dos Migrantes, entre as me-didas que devem ser tomadas para melhorar a situação dos imigrantes que vivem no Estado de São Paulo incluem-se a mudança no Estatuto do Estrangeiro e a legalização do trabalho do imigrante. Hoje, a sua permanência defi nitiva no Brasil só é possível quando o imigrante tem um fi lho nascido no Brasil, quando casa com um brasileiro, ou por meio de anistia (a última foi em 1998).

O Estatuto, criado em 1980, du-rante a ditadura militar, veda aos es-trangeiros com visto de turista, tem-

Estrangeiros querem ter direitos assegurados

porário ou de trânsito, o exercício de qualquer atividade remunerada, exceção feita àqueles que têm com-provação de quem os contratou. Por ser anterior à Constituição de 1988, o Estatuto diverge da Carta em ques-tões como saúde e educação. Assim, não permite o acesso do estrangeiro

a estes serviços públicos, enquanto a Constituição assegura tratamento igual a todos.

COMISSÃOOs ministérios do Trabalho, da

Justiça e das Relações Exteriores criaram uma comissão interminis-

terial para discutir a reforma do Estatuto do Estrangeiro. De acordo com Luiz Paulo Barreto, secretário executivo do Ministério da Justiça e presidente da comissão, o obje-tivo da mudança é regularizar os imigrantes ilegais e, caso isso não seja possível, devolvê-los ao país de

origem, “de maneira digna”.As principais alterações propos-

tas são a criação de novas categorias de vistos (por exemplo, para pro-fessores, cientistas e empresários), a fi m de incentivar a mão-de-obra qualifi cada e facilitar a emissão de vistos e documentos para imigrantes sul-americanos. Nesse caso, facilitar signifi cará regras menos rígidas e caras, já que regularizar a situação ilegal chega a custar R$ 828 por pessoa, e dar visto de permanência de dois ano para que uma pessoa possa comprovar, durante esse pe-ríodo, residência e meio lícito de sobrevivência no país.

Outra medida que está sendo estudada pelo Ministério do Traba-lho é a criação de uma portaria que transforme o trabalho boliviano de ilegal para proibido, dando ao imi-grante uma carteira de trabalho pro-visória e um tempo para regularizar sua situação no país. O maior sonho do boliviano Jorge é conseguir do-cumentos legais e trazer seus dois fi lhos para o Brasil. “Agora que já me aconteceram tantas coisas, peço que me ajudem a fi car no Brasil. Legalmente. Prometo pagar meus impostos”, pede e promete. (TM)

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Maioria dos imigrantes bolivianos vive e trabalha em confecções no bairro Bom Retiro, Centro da capital paulista

Imigrantes sul-americanos recebem tratamento de saúde e apoio jurídico na Casa do Migrante, no Centro de São Paulo

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Ano 3 • número 114 • De 5 a 11 de maio de 2005 – 9

SEGUNDO CADERNO

Maria Luisa Mendonçade Havana (Cuba)

N o mesmo período em que ocorreu o 4º Encontro He-misférico de Luta contra a

Alca, de 27 a 30 de abril em Havana, os governos de Cuba e Venezuela fi rmaram 49 acordos de cooperação que dão início à implementação da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba). “Alba signifi ca ‘sol nascente’, signifi ca um novo amanhecer nas Américas, onde os povos se levantam, dispostos a ser livres ou morrer”, anunciou o presi-dente Hugo Chávez.

Os acordos da Alba incluem uma ampla gama de compromissos sociais e econômicos, baseados na solidariedade e no respeito à sobe-rania dos povos. O primeiro ponto do documento diz respeito à saúde, com a formação de 30 mil médicos venezuelanos em Cuba. O governo cubano também se comprometeu a realizar 20 mil cirurgias em ve-nezuelanos de baixa renda, que não têm acesso, por exemplo, a transplantes em seu país. Um dos programas em curso é a chamada “Operação Milagre”, pela qual mi-lhares de venezuelanos cegos por problemas de catarata têm recebido atendimento em Cuba.

“Durante um evento na periferia de Caracas, um menino de três anos, com o corpo todo queimado, burlou a segurança e veio correndo em mi-nha direção dizendo: ‘Chávez, me salve! Me mande para Cuba!”, conta o presidente, que visitou o menino em um hospital de Havana.

ANALFABETISMO ZEROOutro objetivo fundamental da

Alba é transformar a Venezuela em “território livre de analfabetismo”, a exemplo de Cuba. Para isso, o governo cubano vai aumentar seu apoio à educação popular. Nos últi-mos dois anos, educadores cubanos alfabetizaram 1 milhão e 400 mil pessoas na Venezuela.

O governo venezuelano anun-

RESISTÊNCIARESISTÊNCIA

Alba, novo amanhecer nas AméricasFidel e Chávez põem em prática novo modelo de integração; Encontro Hemisférico defi ne prioridades para 2005

Bruno Fiúzade Quito (Equador)

A queda do presidente Lucio Gu-tiérrez trouxe pelo menos duas mu-danças signifi cativas para o Equador – além da troca de governo. Uma é o processo que aponta para um rea-linhamento no plano internacional e outra é a necessidade de uma trans-formação do sistema político. Essa, em linhas gerais, é a avaliação que fazem o sociólogo Alejandro More-ano, da Universidade Andina Simón Bolívar, e Milton Benitez, diretor do Centro de Estudos Latino-Ame-ricanos da Pontifícia Universidade Católica do Equador.

Benitez analisa que o sistema político equatoriano entrou em co-lapso. Para ele, a representação por meio de partidos na América Latina sempre funcionou contra a democra-cia. “O que essa ‘partidocracia’ faz é confi scar do povo a possibilidade da sua participação soberana e con-verter as instituições do Estado em instâncias dos grupos oligárquicos”. Segundo o professor, foi justamente contra esse “confi sco” da democra-cia que se ergueu o movimento en-cabeçado pelos foragidos de Quito.

Para Moreano, a reivindicação dos manifestantes que pediam a saída de todos os políticos poderia signifi car “a abertura de uma nova situação onde o poder constituinte retornaria ao povo”. O professor ana-lisa, no entanto, que a rebelião que derrubou Gutiérrez não atingiu um nível de maturidade que permitisse levar o processo até o fi nal.

da Redação

O Senado boliviano ratifi cou, 28 de abril, um polêmico artigo que prevê a adequação obrigatória dos atuais contratos petrolíferos à nova lei sobre o petróleo e derivados, re-jeitando pedido do presidente Carlos Mesa que se opunha à medida.

A Lei de Hidrocarburetos já foi aprovada pela Câmara dos Deputa-dos e está para ser votada pelos sena-dores. Entre suas principais medidas, está o aumento da cobrança de licen-ça (royalties) para as transnacionais explorarem o gás e o petróleo boli-vianos. Como o presidente também é contrário à lei, não se afasta a hipótese de um confl ito entre o Con-gresso e o Executivo. Mesa está em intensa campanha afi rmando que, se os senadores aprovarem uma lei obrigando as transnacionais a mudar sua posição na Bolívia, vão afugen-tar os investidores e farão com que o Estado responda a processos inter-nacionais exigindo mais de 5 bilhões de dólares de indenização.

Os senadores rebatem as amea-ças e afi rmam que as empresas não têm tanto poder de fogo. Fontes legislativas apontam que os próprios contratos das transnacionais estão sendo questionados porque não foram autorizados pelo Congresso. Até o fechamento desta edição, 4 de maio, o Senado não havia votado a nova Lei de Hidrocarburetos. (La Jornada – www.jornada.unam.mx)

BOLÍVIABOLÍVIA

Nova lei valerá para contratos

em vigor

EQUADOREQUADOR

As lições que vêm dos Andes

Moreano diz que, de agora em diante, é o governo de Alfredo Pala-cio que vai canalizar esse processo, desde que pressionado pela mobi-lização social. “Entramos em uma fase parecida com aquela pela qual passou a Bolívia, onde temos um governo que expressa a correlação de forças e tende a ir para a direita quando se enfraquecem as pressões sociais, mas quando essas mesmas forças se rearticulam, voltam a co-locá-lo em outra direção”.

CONSULTA POPULARA pressão por mudanças já está

surtindo efeito. Palacio anunciou que vai realizar uma consulta po-pular, uma reforma política e con-vocar uma assembléia constituinte. Um outro sinal de que o jogo de pressões já se faz sentir é que, se-

gundo Moreano, “o regime nomeou dois cidadãos que tiveram posições bastante radicais para ministérios importantes”. O novo ministro de Governo é Maurício Gándara, fi gura conhecida pela defesa da so-berania do país diante de questões como a base de Manta (reivindica-da pelos Estados Unidos) e o Plano Colômbia. Já à frente do Ministério de Economia está Rafael Correa, economista progressista conhecido pela sua postura de questionamento da ordem neoliberal no Equador.

Para Milton Benitez, as primeiras medidas de Palacio apontam para uma aproximação com o eixo de paí-ses representado por Argentina, Bra-sil, Venezuela e Uruguai, “essa nova corrente de Estados que, no contexto da crise neoliberal, adotaram o ca-minho de um desenvolvimento com

uma certa soberania e autonomia”. Moreano também vê mudanças na política externa: “A troca de go-verno (no Equador) pode mudar a situação na Comunidade Andina de Nações (CAN) e criar uma relação entre Venezuela, Equador e uma Bolívia onde os movimentos sociais estão pressionando. Com um gover-no de (Alejandro) Toledo debilitado no Peru, quem fi caria isolado seria o colombiano (Álvaro) Uribe, que representa os interesses dos EUA. Os recentes levantes na Bolívia e no Equador podem alterar a correlação de forças”.

Segundo Benitez, são basica-mente quatro as medidas anuncia-das que apontam para uma reorien-tação: a intenção de manter a base de Manta dentro dos objetivos de policiamento para os quais ela foi criada, impedindo que se transfor-me em uma base político-militar como queriam os EUA; a intenção de não conceder imunidade aos sol-dados estadunidenses que atuam no Equador; a defesa de uma posição mais soberana nas negociações do Tratado de Livre Comércio (TLC) Andino, e a aplicação dos recursos vindos do excedente das vendas de petróleo no pagamento da ‘dívida social’, e para o pagamento da dí-vida externa.

Maneira pela qual o ex-presi-dente Lucio Gutiérrez batizava os participantes dos protestos contra seu governo. Quer dizer, em por-tuguês, algo como “marginais”. Depois, os próprios participantes adotaram o apelido.

ciou também a instalação de uma sede da PDVSA (empresa petrolei-ra da Venezuela) e do Banco Indus-trial da Venezuela em Havana. Em contrapartida, será criado um Ban-co de Cuba na Venezuela. Os dois países anunciaram ainda a criação da TV Sul, uma rede continental de televisão. Os 49 memorandos e acordos de cooperação incluem também iniciativas nas áreas de transporte, desenvolvimento tec-nológico, turismo, meio ambiente, produção agrícola, entre outros.

A implementação da Alba coin-cide com uma situação de impasse nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), prevista para ter início em janeiro de 2005. Este prazo não foi cumprido e, atualmente, não existe nem mesmo acordo sobre um calendário de ne-

gociação. Isso representa uma im-portante vitória para os movimentos sociais que compõem a Campanha Continental Contra a Alca e reivindi-cam que seus governos abandonem esse projeto de submissão aos inte-resses do governo e das empresas estadunidenses.

O impasse nas negociações da Alca levou os Estados Unidos a tentarem fi rmar acordos comerciais subregionais, como no caso dos Tratados de Livre Comércio (TLCs) Andino, da América Central e do Caribe. Mesmo recebendo grande pressão, muitos países dessas regi-ões se opõem às condições dos EUA ou têm problemas para justifi car sua negociação, frente à forte oposição popular.

Diante da difi culdade para es-tabelecer uma nova reunião minis-

terial da Alca, os Estados Unidos propuseram realizar uma Cúpula Presidencial sobre “governabilidade democrática, combate à pobreza e geração de emprego”, em novembro na Argentina. O anúncio de uma “agenda positiva” visa encobrir as reais prioridades dos EUA para a re-gião: desestabilizar os governos de Cuba e Venezuela, avançar em acor-dos bilaterais que possam substituir a Alca (incluindo mecanismos de desvio de recursos do setor público para o privado, como as Parcerias Público-Privada), submissão dos exércitos latino-americanos e sua participação no Plano Colômbia, e controle de recursos estratégicos na região do Plano Puebla-Panamá, na Amazônia e na Tríplice Fronteira.

Em oposição a esse evento, a Campanha Continental contra a

Alca vai realizar uma Cúpula dos Povos em Mar Del Plata. A Cam-panha decidiu também priorizar a luta contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), que fará sua próxima reunião ministerial em dezembro.

O Brasil tem um papel central na OMC e sua participação pode destravar as negociações sobre agri-cultura, bens industriais e serviços. Até a reunião do Conselho Geral da OMC, em julho, serão negociados acordos sobre setores estratégicos, como sistemas fi nanceiros, energia, comunicações, saúde, transporte e educação. A posição do governo brasileiro na OMC pode determinar a capacidade de nosso país desen-volver políticas agrícolas e indus-triais, e de garantir direitos básicos para a sociedade.

Manifestantes estadunidenses protestam contra política imperialista de Bush, em Nova York: os acordos da Alba incluem uma ampla gama de compromissos sociais

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Trabalhadores e indígenas anunciam que vigiarão as ações do novo governo

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AMÉRICA LATINA

Cláudia Jardimde Caracas (Venezuela)

A resposta da Venezuela fren-te à ameaça dos Estados Unidos de intervir no país

está sendo preparada em pequenas reuniões nos bairros das cidades venezuelanas, onde militares com o auxílio das comunidades defi nem as estratégias para a for-mação das Unidades de Defesa Nacional (UDN). “Nós temos muitas riquezas naturais e os EUA têm pretensões de ocupar nosso território para controlá-las. O úni-co meio para tentar dissuadir uma possível invasão é contar com a organização das comunidades para a defesa”, explica o major do Exército, Heriberto Castillo, um dos responsáveis pela formação das UDN. A Venezuela possui uma das maiores reservas de pe-tróleo do mundo, que era contro-lada pelos EUA até a chegada de Chávez à Presidência, em 1999.

TRABALHO COMUNITÁRIODe acordo com o sargento Oc-

távio Sampayo, do 7º Corpo de Reserva do Exército, desde donas de casas a profi ssionais dos mais diferentes setores estão se inscre-vendo nas UDN. Reunido em uma quarta-feira à noite no bairro de Cátia, periferia de Caracas, com cerca de 80 voluntários – dos quais 60% eram mulheres –, Cas-tillo explicou quais serão as tare-fas dos novos reservistas. Além de treinamento militar, as UDN serão treinadas para realizar trabalhos comunitários que envolvem a luta contra a pobreza, o acesso à saúde e educação. “Quando há consci-ência disso, estamos prontos para defender a nação de maneira inte-gral”, explica o major.

Maria Castellanos Miranda, uma das primeiras a chegar à reunião, explica por que os ve-nezuelanos atenderam ao pedido do presidente para a população se mobilizar pela defesa nacional.

VENEZUELAVENEZUELA

Um povo em defesa de sua soberaniaExército dá treinamento militar a cidadãos e organiza resistência frente à possibilidade de uma invasão dos EUA

A formação das Unidades de Defesa Nacional (UDN) e a união cívico-militar fazem parte de uma nova doutrina militar que está sendo desenvolvida nas Forças Armadas Venezuelanas, com base na realidade e na história do país. Há décadas, os militares são formados por ofi ciais dos Estados Unidos.

Na semana passada, o presi-dente Hugo Chávez suspendeu um intercâmbio de 35 anos com ofi ciais estadunidenses, após acusá-los de conspiração. Grande parte da tecnologia utilizada para a construção das armas de defesa venezuelanas vem dos Estados Unidos. Há poucos meses, Chá-vez encomendou a fabricação de armas e de 40 helicópteros duran-te sua visita a Rússia – medida que foi duramente criticada pelos estadunidenses.

Um dos elementos que com-põem essa nova estratégia militar serão táticas de batalhas terrestres. “A doutrina estadunidense que nos foi ensinada era a de com-bater a guerra de guerrilhas. Mas nossa realidade indica que esse pode ser um dos elementos que devemos utilizar em um eventu-al confl ito”, explica o major do Exército, Heriberto Castillo.

Outra iniciativa é colocar civis e militares venezuelanos para participarem de treinamentos com o objetivo de resistir ao que Chávez chama de “guerra assimé-trica” – quando uma das tropas é consideravelmente inferior à ou-tra. “É preciso admitir que nossos quadros não estão plenamente capacitados para suportar uma invasão territorial por parte do império estadunidense, conside-rando a capacidade tecnológica”, diz Castillo. (CJ)

Uma nova doutrina militar

“Antes, estávamos tão domina-dos que pensávamos que éramos gringos. Agora, resgatamos o con-ceito de pátria. Nossa revolução ninguém derruba e o povo está determinado a defender sua so-berania”, comenta a advogada de 75 anos. Questionada se os vene-zuelanos hoje estariam preparados para resistir a uma invasão, Maria é enfática: “Também não estáva-mos preparados para o 11 de abril (golpe de Estado), mas o povo e os militares se uniram e resgataram o

João Alexandre Peschanskida Redação

Em visita ao Brasil, de 26 a 27 de abril, a secretária de Estado dos Esta-dos Unidos, Condoleezza Rice, deve ter se surpreendido com os discursos que ouviu em Brasília. Nos encontros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ministros José Dirceu (Ca-sa Civil) e Celso Amorim (Relações Exteriores), recebeu afagos, ouviu elogios e, inesperadamente, sentiu atritos. Atritos cordiais, diga-se de passagem. O tema da discórdia foi principalmente as apreciações sobre o governo venezuelano.

Viagens ofi ciais, quando se trata de países aliados (o que Condoleezza e os representantes brasileiros insis-tiram em denotar), são geralmente solenidades sem muito conteúdo. Foi esse o ambiente da visita do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, que es-teve no Brasil em março. No caso da secretária de Estado, houve, no mínimo, quebra de protocolo.

DISCÓRDIA VENEZUELANACondoleezza chegou ao Brasil

demonizando o presidente da Vene-zuela, Hugo Chávez. A mesma estra-tégia discursiva que adotou no Chile, Colômbia e El Salvador, países que também visitou. A secretária denun-ciou o que considera ser a fragilidade democrática venezuelana. Um país submetido a um governo instável, segundo ela, que impede que o povo tenha acesso à liberdade.

A estratégia da secretária, a mes-ma do presidente George W. Bush,

da Redação

Pela primeira vez nos 57 anos de história da Organização dos Estados Americanos (OEA), os Estados Uni-dos não conseguiram eleger seu can-didato como secretário-geral. Dia 2, o ministro do Interior do Chile, José Miguel Insulza, foi escolhido como novo dirigente da OEA, apoiado pela Argentina, Brasil e Venezuela. O pre-sidente George W. Bush costurou, no entanto, um acordo durante a visita da secretária de Estado, Condoleezza Rice ao Chile com o objetivo de re-verter o resultado.

Segundo o site Alia2, Insulza teria se comprometido a contribuir para a “democracia” em Cuba e a trabalhar para reativar a Área de Livre Comér-cio das Américas (Alca). O chileno também teria aceito a missão de trabalhar para moderar o radicalismo do presidente venezuelano, Hugo Chávez. Outro projeto que agrada aos EUA é a proposta que Insulza pretende levantar de criar mecanis-mos de fi scalização e controle dos países-membros e de Cuba, que não está na OEA, intervindo em seus as-suntos internos. (www.alia2.net)

EUA perdem disputa na OEA

ESTRATÉGIA ESTADUNIDENSEESTRATÉGIA ESTADUNIDENSE

Brasil, o menino travesso do império

como veiculou o jornal estaduniden-se The New York Times, é articular a criação de um bloco latino-ame-ricano contra o líder venezuelano. Para concretizar seu projeto, Bush pretende viajar pela América Latina, incluindo o Brasil, no fi nal do ano.

Lula e seus ministros contra-riaram a expectativa do governo estadunidense e não pouparam elo-gios a Chávez. O chefe da Divisão dos Estados Unidos e Canadá do Ministério das Relações Exteriores, Paulo Alvarenga, traduz a visão do governo brasileiro sobre Chávez: “Há um respeito muito grande em relação à Venezuela, país com o qual nós temos uma política de Estado. É um parceiro estratégico”.

MERO DESVIO?Aos olhos de Condoleezza, a

atitude do governo brasileiro deve ter sido considerada um desvio.

Até mesmo porque, como ressalta Alvarenga, em entrevista ao Brasil de Fato: “As relações do Brasil com os Estados Unidos estão em uma das fases mais positivas. Há uma coincidência dos dois países em re-lação a valores universais, sobretudo a defesa da democracia, da paz, o combate ao terrorismo, o combate à corrupção. Há uma visão comum em relação a valores universais”.

Tradicionalmente, a política ex-terna brasileira se alinhou às orien-tações do governo estadunidense. No século 20, a não ser em curtos períodos, os presidentes e ditadores brasileiros se postaram na trincheira do país da América do Norte. Mais recentemente, essa atitude fi cou cla-ra nas tímidas declarações dos presi-dentes Fernando Henrique Cardoso e Lula sobre os ataques – que con-denavam – ao Afeganistão e Iraque, respectivamente em 2001 e 2003.

Nesse contexto, o engrossa-mento da voz da política externa brasileira pode gerar desconforto para os Estados Unidos. Mas a dis-córdia sobre a Venezuela não é um enfrentamento. Longe disso, como afi rma Alvarenga, é mais uma dis-cussão de rotina.

Mostra, entretanto, que a identidade da política externa brasileira oscila. E convive com os extremos: segue a visão de mundo do governo dos Estados Unidos e defende, no discurso, a democra-cia da Venezuela. O primeiro país, com um presidente imperialista e ultraliberal, adota uma política de benefício aos mais ricos. O segun-do se fi rma como uma alternativa à globalização econômica e fazendo políticas sociais radicais (reforma agrária, alfabetização massiva) que atendem às necessidades dos mais pobres.

DEFINIÇÃO NA PRÁTICASe, no discurso, oscila, a prática

da política externa brasileira está bem defi nida. Rende-se ao modelo dos Estados Unidos. Refl exo disto é a participação na ocupação ao Haiti, iniciada em julho de 2004, aplaudida por Bush e condenada por associações da sociedade civil brasileiras e haitianas.

Assim, a dissonância que se ouve em relação à Venezuela não pode ser entendida como um proje-to autônomo de política externa. No máximo, sob o olhar disciplinador de Bush, pode ser vista como uma travessura. (Colaborou Igor Ojeda, da Redação)

presidente”, responde. A secretária Zalieny Wilclez,

acompanhada de um dos seus três fi lhos que ouvia atentamente as orientações do major do Exército, diz estar feliz por poder ingressar à reserva. “Agora, temos cons-ciência e oportunidade de lutar por nosso país. Se for preciso dar minha vida em troca da liberdade dos meus fi lhos, estou pronta”, afi rma.

Qualquer venezuelano, acima dos 18 anos, pode se integrar às

UDN. Em cada região do país será designado um comitê para organizar as comunidades que, se-gundo as estimativas do Exército, devem somar cerca de 1,5 milhão de novos reservistas. A partici-pação de civis na defesa militar está garantida pela Constituição e pelas regras das Forças Arma-das Nacional (FAN). De acordo com a Carta Magna, a “segurança da nação se fundamenta na cor-responsabilidade do Estado e da sociedade civil”.

Condoleezza Rice faz palestra sobre a política externa estadunidense, em Brasília

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Venezuelanos atendem ao pedido do presidente Chávez e se mobilizam para defender a soberania nacional

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Insulza, novo secretário-geral da OEA

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De 5 a 11 de maio de 2005 11

INTERNACIONAL

Cinzia Gubbinide Nova York (EUA)

N a cadeia, 726 pessoas a cada cem mil habitantes. Ou um preso a cada 138 residentes.

Ou, ainda, 2,1 milhões de cidadãos atrás das grades. Seja como for que se o calcule, o novo dado publicado na semana passada pelo Departa-mento da Justiça estadunidense não poderia ser mais claro: nos Estados Unidos, está em curso um fenôme-no que poderia ser defi nido, sem exagero, como “encarceramento em massa”, como de fato o quali-fi cam colunistas respeitados da im-prensa dos EUA. Em um ano – de 30 de junho de 2003 a 30 de junho de 2004 –, a população carcerária, de 48.452 pessoas, aumentou a uma taxa de 2,3 %. Isso signifi ca que a cada semana, nos Estados Unidos, acabam na prisão 900 pessoas – apesar de, há dez anos, a taxa de criminalidade estar em queda.

A tendência de crescimento das prisões vem ocorrendo há anos. “Esse dado está relacionado com as políticas contra as drogas, postas em ação entre os anos 80 e 90”, expli-cou Paige Harrison, funcionária do Departamento da Justiça e co-autora do relatório. Mas, segundo o Senten-cing Project, uma organização não-governamental com sede em Wa-shington que promove alternativas à prisão, muitos presos que permane-cem nas celas estadunidenses foram condenados por delitos de pequena importância. “Se não começarmos a promover políticas alternativas à prisão, continuaremos a ser o país líder, de fato, em encarceramentos”,

DIREITOS HUMANOSDIREITOS HUMANOS

Mais de 2 milhões estão presos nos EUAPaís é campeão em encarceramento: a cada 138 estadunidenses, um está na cadeia. Por semana, 900 novos detidos

disse Malcolm Young, do Senten-cing Project. Segundo dados do Justice Policy Institute, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar nas estatísticas mundiais por número de pessoas presas: 726 a cada 100 mil residentes. Na Grã-Bretanha, são 142 por cem mil; na China 118, na Itália cem.

As estatísticas do Departamento

da Justiça estadunidense confi rmam, além disso, que a composição da po-pulação carcerária demonstra uma penalização das minorias e, em ge-ral, das camadas sociais mais fracas. Estão presos 12,6% dos homens ne-gros entre 20 e 30 anos, contra 3,6 % dos hispânicos e 1,7 % dos bran-cos. As mulheres continuam sendo o segmento que cresce mais veloz-

mente na população carcerária, com uma taxa anual de 2,9%.

Segundo observadores do siste-ma judiciário estadunidense – que continua um dos mais avançados do mundo, ao menos formalmente, no que se refere aos direitos do acusa-do –, a partir dos anos 90 começou um “endurecimento” das regras processuais e do Código Penal. A

última polêmica começou no início deste ano, a partir de uma sentença que condenou a trinta anos de cár-cere um consumidor de cocaína , quando foram revistas as regras de aplicação das penas, pisando o ace-lerador rumo a um sistema de penas mínimas obrigatórias, com penas muito pesadas para os reincidentes. (Il manifesto, www.ilmanifesto.it)

William Fisher de Nova York (EUA)

O governo dos Estados Unidos deveria designar um promotor inde-pendente para investigar a responsa-bilidade de militares de alta patente e autoridades civis nas torturas cometidas no contexto da “guerra contra o terrorismo”, sugeriu a orga-nização humanitária Human Rights Watch (HRW). “Cresce a evidência de que altos líderes civis e militares estadunidenses, incluindo o secre-tário da Defesa, Donald Rumsfeld; o ex-diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), George Tenet; o ex-comandante-em-chefe das tro-pas no Iraque, Ricardo Sánchez; e o ex-comandante do acampamento de prisioneiros na base militar de Guantánamo, em Cuba, Geoffrey Millar, tomaram decisões que facili-taram e propagaram as violações da lei”, segundo a HRW.

O relatório “Tortura sem castigo? Responsabilidade do comando pelos maus-tratos contra prisioneiros” foi divulgado dia 28 de abril, três dias antes de completar um ano da divulgação mundial de uma série de fotos documentando torturas come-tidas por soldados estadunidenses na prisão iraquiana de Abu Ghraib. Na opinião da Human Rights Watch, um ano depois, “um muro de impunida-de ainda cerca os arquitetos das polí-ticas responsáveis pelos abusos”. O presidente do independente Centro pelos Direitos Constitucionais, com sede em Nova York, Michael Ratner, apoiou o pedido da organização: “Existe uma conspiração das autori-dades que aprovaram e colaboraram com a tortura para ocultá-la”.

O Exército estadunidense anun-ciou, na semana passada, a isenção de Sánchez de toda responsabilida-de pelas torturas cometidas em Abu Ghraib, que provocaram a indigna-ção mundial no ano passado. O De-partamento de Defesa disse que Ru-

Human Rights quer colocar Rumsfeld no banco dos réus

msfeld nunca autorizou nem relevou os maus-tratos. A HRW solicitou ao procurador-geral que “designe um procurador especial para investigar qualquer autoridade estaduniden-se, sem importar sua patente nem status, que possa ter participado, ordenado ou tido qualquer respon-sabilidade de comando pelos crimes de guerra, torturas ou outros abusos cometidos contra prisioneiros sob custódia dos Estados Unidos”. A doutrina da responsabilidade de comando faz com que os superiores prestem contas pelos abusos cometi-dos por seus subordinados, caso não tenham tomado as medidas mínimas para detê-los.

PROMOTOR INDEPENDENTESegundo a HRW, ainda, há

evidências sufi cientes de que isso ocorreu em relação aos abusos em Abu Ghraib e Guantánamo, embora a prática de torturas fosse conhecida pelos superiores. A organização pe-diu que as investigações sejam feitas fora do âmbito do Departamento de Justiça, pois Gonzales foi um dos que aprovaram as técnicas de interrogatório aplicadas no Iraque e que violaram a lei internacional.

Gonzales, “como chefe do Depar-tamento de Justiça, esteve muito en-volvido nas políticas que derivaram nos crimes denunciados, e por isso não deveria estar em um confl ito de interesses, pois ele também poderia ter algum grau de responsabilidade”, afi rmou a Human Rights Watch. As normas do Departamento de Justiça exigem a designação de um promo-tor independente quanto existe um confl ito de interesses.

A HRW também recomendou ao Congresso a criação de uma comis-são especial para investigar as tortu-ras, como fez para analisar os passos do governo depois dos atentados ter-roristas de 11 de setembro de 2001. A organização acusou Rumsfeld e outras autoridades de terem apro-vado métodos coercitivos, como obrigar prisioneiros a fi car nus e em posições humilhantes e submetê-los a intimidações com cães. Esse tipo de tortura, inicialmente idealizadas para o centro de detenção de Guantá-namo, foi aplicado sem restrições no Afeganistão e no Iraque, apesar de Washington condenar tais práticas por parte de outros governos, ressal-tou a organização. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

Patrizio Gonnella

Prisões federais, prisões estatais, prisões de condado. Prisões priva-das. Pulseiras eletrônicas. Liberda-de vigiada, liberdade condicional. No total, 6 milhões de pessoas sujeitas a controle penal, das quais um terço trancafi ado na cadeia. A cada 45 pessoas livres, há uma que está para entrar na cadeia, que po-deria estar na cadeia, que já está na cadeia. Números que, no mundo, não encontram concorrente. A Rús-sia, com 500 presos a cada cem mil habitantes, e a China, com seu total obscuro de presos, são as únicas rivais signifi cativas. É de se pergun-tar como, afi nal, os Estados Unidos entraram no caminho do maior en-carceramento de massa desde o pós-guerra até hoje, no mundo inteiro. Só nos períodos de guerra houve números de tal porte, mas eram prisioneiros de guerra, soldados de um exército inimigo detidos num campo de aprisionamento.

Hoje, ao invés disso, a grande re-clusão estadunidense encontra expli-cações completamente diferentes. As raízes disso são as raízes de uma so-ciedade neoliberal que construiu seu próprio consenso sobre a exclusão social, sobre o encarceramento da pobreza. Aquela enorme quantidade de pessoas excluídas da democracia majoritária, marginais em relação aos processos produtivos, que conta como estatística negativa nos per-centuais dos empregados, e se torna objeto das políticas de “tolerância zero”, de Rudolph Giuliani em dian-te. Os sem-casa, os dependentes de heroína, os afro-americanos não são mais um custo social, mas uma opor-tunidade econômica que se consoli-dou para o sistema público-privado das prisões estadunidenses.

Há Estados em que a infl uência das prisões e dos presos sobre o Produto Interno Bruto é bem supe-

rior à produção industrial. Assim o número de presos cresce, o de desempregados diminui e as verbas sociais não são mais necessárias. Surge um mecanismo circular: me-nos bem-estar social, inevitabilidade da escolha pelo crime, repressão do desvio, difusão do encarceramento. Menos de um décimo dos presos está em prisões federais. Todos os outros estão em prisões estaduais, de condado ou privadas. O Depar-tamento da Justiça não sabe o que acontece nessas celas, não dispõe nem de jurisdição nem de controle sobre essas prisões. Uma empresa privada que dirige uma cadeia pode impor o princípio do sigilo empre-sarial a quem quiser fazer perguntas sobre a qualidade de vida dos presos ou sobre o tratamento dado a eles. Mesmo quando quem pergunta é a Organização das Nações Unidas (ONU). Afi nal, os Estados Unidos nunca quiseram assinar nem ratifi car o protocolo da Convenção da ONU Contra a Tortura, que prevê um me-canismo de inspeção universal nos locais de detenção e nas prisões. Esses são os Estados Unidos da era de George W. Bush.

No entanto, os Estados Unidos nem sempre foram assim. Há trinta anos os presos eram um sexto dos atuais. A política era menos brutal. O cinema estadunidense estava cheio de fi lmes que apresentavam outras visões sobre as cadeias. Papillon, Fuga de Alcatraz, The Blues Brothers. Sim, porque John Beluschi e Dan Aykroyd iniciam e terminam suas aventuras musicais-sociais com presos. Hoje, a fi gura do preso simpático, do preso herói, do preso vítima, não pertence mais ao imaginário hollywoodiano e es-tadunidense em geral.

Patrizio Gonnella é articulista do jornal Il Manifesto,

www.ilmanifesto.it

ANÁLISEANÁLISE

A marginalização termina na cadeia

Muitos presos que permanecem nas celas estadunidenses foram condenados por delitos de pequena importância

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Impunidade nos casos de tortura de presos em Abu Ghraib, no Iraque

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De 5 a 11 de maio de 200512

INTERNACIONAL

TOGOLocalização: Oeste da ÁfricaNacionalidade: togolesaCidades principais: Lomé (capital), Sokodé, Kpalimé, Lama-KaraLínguas: francês, cabiê e euê (ofi ciais)Divisão administrativa: 5 regiões População: 5,1 milhõesMoeda: franco CFAReligiões: crenças indígenas (70%), cristã (20%), muçulmana (10%)

Noel Kokou Tadegnonde Lomé (Togo)

D ia 27 de abril, o candidato da oposição, Akitani-Bob, se declarou vencedor das elei-

ções presidenciais do Togo, apesar de a Comissão Eleitoral Nacional Independente (Ceni) ter proclama-do a vitória de Faure Gnassingbe, no dia anterior. O anúncio ofi cial, recebido com ira por simpatizantes da oposição, gerou uma onda de confrontos nas ruas da capital Lo-mé. Populares fi zeram barricadas e a polícia respondeu com gás la-crimongêneo. “Levantaremos mais barricadas e faremos do Togo um país ingovernável”, afi rmou o ma-nifestante Celestin Soke. Mais de mil togoleses fugiram da violência e buscaram refúgio em Benin, segundo o escritório municipal da localidade fronteiriça de Grand-Popo.

Quando Akitani-Bob se declarou vitorioso, ocorreram novos protes-tos. Fala-se em uma dezena de ma-nifestantes mortos a tiros e muitos feridos. Milhares de simpatizantes de Faure Gnassingbe, fi lho do fale-cido presidente Gnassingbe Eyade-ma, também saíram às ruas. Muitos chegaram do norte do país, reduto governista, armados de facões. O presidente da Ceni, Kissem Thangai Walla, afi rmou que, segundo os da-dos preliminares, Gnassingbe obte-ve 60,22% dos votos e Akitani-Bob, 38,19%. O oposicionista moderado, Harry Olympio, conseguiu apenas 0,55%. A Ceni calculou que dois terços dos cidadãos aptos a votar compareceram às urnas. De todo modo, a própria comissão advertiu que não pôde apurar os votos de-positados em urnas destruídas por manifestantes.

“O presidente disse que essa

TOGOTOGO

Oposicionista se declara presidenteEm meio a confrontos violentos nas ruas da capital Lomé, Akitani-Bob desafi a resultados ofi ciais governistas

vitória é de todo o povo de Togo”, afi rmou o diretor da campanha de Gnassingbe, Komi Selom Klassou. O dirigente governista “planeja apelar a todos os cidadãos para construir um Togo estável”. Porém, a oposição advertiu que o governo cometeu uma “fraude maciça”, não só durante a votação, mas, também, no processo de verifi cação e na distribuição das credenciais. Jovens concentrados nas ruas gritavam em coro: “Nos roubaram a vitória”. As preocupações pelo que consideram uma má preparação das eleições levaram Akitani-Bob, Olympio e outro candidato de oposição que depois retirou sua candidatura, Nicolas Lawson, a reclamar o adia-mento da votação.

O então ministro do Interior,

François Boko, aderiu ao chamado, mas a resposta foi sua destituição. Agora, estaria refugiado na embai-xada da Alemanha. A campanha eleitoral foi marcada por choques entre facções rivais em várias zonas da capital, nos dias 16 e 17 de abril. Estima-se que seis simpatizantes do governo e um da oposição morre-ram. “Nos negamos a aceitar que nos roubem as eleições pela ené-sima vez”, disse o secretário-geral da União de Forças pela Mudança (UFC), Jean Pierre Fabre, cujo par-tido era um dos seis que apoiavam a candidatura de Akitani-Bob.

Faure Gnassingbe assumiu a chefi a do Estado depois da morte de seu pai, em fevereiro, com apoio das forças armadas. Pressionado pela oposição, que qualifi cou sua

investidura de inconstitucional, concordou em convocar eleições e se apresentou como candidato da União do Povo Togolês. Muitos opositores exilados em Gana re-gressaram à capital, onde dirigentes convocaram uma resistência maci-ça ao novo governo.

O subsecretário-executivo da Comunidade Econômica de Esta-dos da África Ocidental (Ecowas), Cheick Oumar Diarra, admitiu a constatação de várias irregularida-des nas eleições. O bloco enviara cerca de 150 observadores. Porém, segundo Diarra, as irregularidades não foram sufi cientemente sérias a ponto de colocar em dúvida o resultado da votação. O presidente da Liga Togolesa de Direitos Hu-manos, Adote Ghandi Akwe, ad-

vertiu que não houve observadores durante a votação, o que, segundo ele, constituiu uma violação das leis eleitorais.

A organização não-governa-mental (ONG) Iniciativa 150 ga-rantiu que partidários do governo procuraram colocar irregularmente folhas de votação governistas nas urnas, ao mesmo tempo em que negavam acesso aos locais de votação aos seus representantes. “Depois das eleições, milicianos encapuzados levaram as urnas à força. De acordo com a lei, elas devem ser abertas em público”, afi rmou a ONG. Gnassingbe se propõe formar um governo de unidade nacional. Gilchrist Olym-pio rejeitou sua oferta e o acusou de conduzir uma “farsa” eleitoral. (Colaborou Ali Idrissou-Toure, de Cotonou, Agência IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

Neville Gabriel

Apesar de sua notável presença em muitas partes do mundo e de seu interesse por assuntos globais, João Paulo II foi um papa inteiramente europeu. Sua profunda preocupação pela Europa foi onipresente: queria que nesse continente fosse revivi-da a herança cultural cristã e que “respirasse com os dois pulmões”, o Oeste e o Leste. Entretanto, o desafi o mais urgente que o mundo enfrenta hoje em dia tem mais um eixo Norte-Sul do que Leste-Oeste. O atual perigo para a África é que a competição no seio do Norte do mundo pelo domínio econômico e político global possa signifi car ou-tro século dominado pela rivalidade e conciliação Leste-Oeste e que os mais pobres do mundo, que são pre-cisamente os africanos, continuem sendo esquecidos.

Apesar da apocalíptica tragédia cotidiana que é o Sul de um mundo onde mais de 800 milhões de pes-soas vão dormir com fome, 24 mil morrem diariamente de inanição, seis milhões de crianças morrem a cada ano devido à desnutrição an-

ANÁLISEANÁLISE

Uma Igreja com Aids observa Bento XVItes de completarem 5 anos de vida e o HIV/Aids mata mais de dois milhões por ano, a África enfrenta a constante ameaça de ser deixada para baixo na lista de prioridades dos governantes do mundo. Com Bento XVI haverá uma verdadeira diferença para a África? A Igreja na África não tem outra opção a não ser ver-se comprometida na prevenção da Aids e no cuidado dos infectados por essa doença. Na África, a Igreja tem Aids. Ou seja, teologicamente falando, o “corpo de Cristo” tem Aids.

Ao lado de impressionantes esforços da Igreja para ajudar os doentes de Aids, a experiência africana apresenta um sério desafi o para a Santa Sé quanto a dar novo signifi cado aos seus ensinamentos sobre a utilização de preservativos para prevenir o HIV/Aids. Seria uma derrota da moralidade con-tinuar considerando os pecadores boas pessoas que simplesmente querem continuar vivas em meio a tantos perigos. Mas o desafi o para a África vai mais além de tratar a pandemia. A Igreja deve abordar em profundidade a questão da vul-

nerabilidade da África. O Sínodo Africano de Bispos se pronunciou fi rmemente a favor de que a Igreja se comprometa diretamente na transformação das causas funda-mentais dos urgentes problemas sociais e das injustiças econômicas na África.

PAUTAS COLONIAISApesar dos valentes esforços

de alguns políticos africanos para renovar o continente, a maioria de-les deve ser incentivada a acelerar os esforços para reverter a espiral descendente em que estão presos os pobres. Embora as relações políticas de perfi l colonial talvez tenham terminado, certas pautas coloniais seguem caracterizando as relações econômicas da África com o mundo. A Igreja, com o novo papa, deverá trabalhar ati-vamente para transformar de uma vez o continente africano e sua situação na comunidade global. Entretanto, com algumas poucas e notáveis exceções, os dirigentes eclesiásticos africanos se omitem em se pronunciar com voz forte sobre as injustiças econômicas e políticas internacionais-chave que estão provocando o atraso do continente. E mesmo quando eles falam em defesa dos pobres suas vozes são ignoradas pelos líderes mundiais.

Mas também seria ingênuo acreditar que a Igreja africana pode verdadeiramente represen-tar de modo sufi ciente a opinião pública sem estar profundamente arraigada às realidades culturais dos povos do continente. Quando era cardeal, Joseph Ratzinger es-creveu que nós deveríamos falar propriamente de “interculturação” e não de “aculturação” da Igreja e que a evangelização é o encontro

do Evangelho por uma cultura através de sua expressão em sua forma cultural anterior. Estava certo. O novo papa deve construir dentro da Igreja a confi ança de que o Evangelho pode ser inserido na cultura africana.

Bento XVI, embora não seja um africano, poderia conseguir isso. Porque a África necessita não tanto de um papa africano, mas de um que no âmbito global esteja com a África. Os problemas desse continente não estão todos na África propriamente dita. Estão igualmente na América do Norte, Europa e China e tratam em grande parte da escravidão da dívida, da injustiça no intercâmbio comer-cial, da exclusão global e de velhas rivalidades geopolíticas sobre a democracia, da cultura dos direitos humanos e do desenvolvimento. A África necessita de mais paladinos em nível mundial que digam a ver-

dade aos poderes globais.Infelizmente, há muito poucos

dirigentes preparados para apoiar sua retórica com ações. Além dis-so, as poderosas forças políticas e econômicas às quais se devem contrapor são cada vez mais es-quivas. E o certo é que durante o período em que ocupou o cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Rat-zinger não demonstrou um parti-cular interesse pelos problemas da África. Sua principal preocupação foi a de conservar a ortodoxia no interior da Igreja Católica. Se o papa Bento XVI mantiver essa orientação, não haverá mudan-ças na África. (IPS/Envolverde, www.envolverde.com.br)

Neville Gabriel é coordenador do Departamento de Justiça e Paz da Conferência de Bispos

Católicos da África Austral

Grupo de refugiados togolenses chega a Hilla Condji, no Benin: confl ito acirrou-se entre partidários do governo e da oposição

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Africanos cobram ensinamentos da Igreja em relação ao uso do preservativo

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Albergue para refugiados de guerra em Joannesburgo, na África do Sul

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DEBATE

Gilberto Maringoni

O presidente da Venezuela, Hu-go Chávez Frías, está atra-vessado na garganta da re-

vista Veja. Os motivos são basica-mente dois. Um é – chamemos as coisas pelos nomes – ideológico. Veja soma-se ao ódio de fundo – pelos nomes, pelos nomes! – clas-sista, racista e político devotado ao mandatário venezuelano pela mídia de seu país, que o sataniza ao ponto de concluir tratar-se de um débil mental. A pauta é ditada pela imprensa estadunidense mais conservadora, tendo o Washing-ton Post à frente. Veja acha que Chávez não é democrático. Até aí, é um direito de quem manda na publicação.

ESTRAGOU UMA CAPAMas o ódio de Veja tem por

base um outro elemento, mais con-creto. Chávez estragou uma capa que deve ter dado muita satisfação à alta direção da empresa da fa-mília Civita. Recordemos a cha-mada de capa do número 1.747, datada de 17 de abril de 2002. A edição fechava na noite de sexta-feira, 12 de abril. Menos de 20 horas antes, a oposição a Chá-vez – composta por membros do empresariado, em aliança com o alto comando das forças armadas, setores da burocracia petroleira e a Casa Branca – consumara um golpe que o retirara do palácio de Mirafl ores, acabando com as instituições democráticas do país. Veja não teve dúvidas. Sapecou na capa a chamada “A queda do presidente fanfarrão”. Na página 45, Veja sentenciava:

“Sua queda foi recebida como boa notícia no mundo: melhorou o índice risco-país da Venezuela, a bolsa de Caracas disparou (alta de 8%) e o preço internacional do petróleo caiu 9%”.

Todos sabem o resto da histó-ria. Quando chegou às bancas, na manhã de domingo, a edição estava para lá de velha. Milhões de venezuelanos nas ruas e uma inédita divisão do Exército abor-taram o golpe. Veja sequer pediu desculpas aos leitores pela barri-ga, na semana seguinte.

MIGRANTESMIGRANTES

Quem precisa de Veja?

Agora Veja volta à carga na edição desta semana, aliás, primorosa no que revela de sua linha editorial. A capa é eloqüen-te: “Quem precisa de um novo Fidel?” Encimada pela expressão carrancuda do líder venezuelano, a manchete logo emenda: “Com milícias, censura, intervenção em países vizinhos e briga com os EUA, Hugo Chávez está fazendo da Venezuela uma nova Cuba”.

CONDINHA PAZ E AMORA entrevista das páginas ama-

relas é com a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice. O tom é todo Condinha paz e amor, como se vê pelo trecho seguinte:

“Mesmo quando a missão inclui assuntos mais comezinhos, como as encrencas de Hugo Chá-vez na Venezuela e as hesitações brasileiras na Alca, Condi tem se saído extraordinariamente bem na Operação Simpatia. (...) Pianista, especialista em relações interna-cionais e fl uente em russo, chegou a reitora de Stanford e, embora negue quase que diariamente, o

caminho da Casa Branca é uma possibilidade no horizonte”.

Não há encrencas COM Hugo Chávez, mas encrencas DE Hugo Chávez, de acordo com o olho da entrevista. O pingue-pongue pauta a edição. Mas a grande arte está lá pelo meio da revista, sob o espirituoso título “O clone do tota-litarismo”. Em seis páginas fi camos sabendo, entre outras coisas, o que se segue. Alguns comentários são colocados abaixo de cada trecho.

”Chávez dá dinheiro e apoio político e técnico para movimentos de esquerda latino-americanos”. Sequer a CIA consegue levantar uma única evidência de que tal fato esteja acontecendo.

”Venezuela substituiu a União Soviética como patrocinadora do regime castrista em Cuba, forne-cendo petróleo e abastecendo o país de bens de consumo industria-lizados, tudo a preço simbólico ou a fundo perdido”. Não há preço simbólico ou fundo perdido. Há um acordo, fi rmado em 30 de ou-

tubro de 2000, pelo qual a Vene-zuela fornece a Cuba 53 milhões de barris diários de petróleo – me-tade do que a Ilha consome – a preços de mercado, com prazo de carência de até 15 anos. Além de pagar, Cuba compensa as condi-ções de fi nanciamento mediante o fornecimento de serviços médicos, educacionais e esportivos, além de remédios, vacina e açúcar. A ínte-gra do acordo pode ser lida em: http://www.asambleanacional.gov.ve/ns2/leyes.asp?id=175

Seria bom aos elementos res-ponsáveis pelos textos de Veja darem uma lida antes de mentirem aos seus leitores.

“Ele diz a toda hora que os americanos querem matá-lo ou estão prontos para invadir o país. Até agora, de real, o que se viu foi o governo de George W. Bush evi-tar respostas às provocações.” Até agora o que de real se viu foi o go-verno Bush patrocinar, entre outras coisas, um golpe de Estado. Uma recomendação aos redatores de Veja: encomendem o recém-lan-çado livro El código Chávez – decifrando la intervención de los EE.UU. en Venezuela, da advoga-da estadunidense Eva Golinger (Fondo Editorial Question, 336 páginas). O volume é resultado de uma exaustiva garimpagem em documentos ofi ciais do Depar-tamento de Estado e do Departa-mento de Defesa, obtidos sob o amparo da Lei de Liberdade de Informação (Freedom Information

Luiz Bassegio

“Nada os detém, saltam muros, cavam buracos,

exploram túneis, viajam de trem, ocultos em caminhões,

em frágeis lanchas, caminham de noite, mudam de nome,

nacionalidade, clima, sotaque, amigos e família.

Vão dispostos a tudo, mesmo contra todas as limitações

que enfrentam no caminho: guardas, ladrões, gatos e coiotes.

Têm todo o direito de migrar. Nada é ilegal”

(Informe da Mesa Nacional de Migrações – Guatemala)

G lobalizar a cidadania, este foi um dos enfoques prin-cipais da 3ª Reunião do

Observatório Interamericano de Controle dos Direitos dos Migran-tes, realizada de 26 a 27 de abril, em Santo Domingo, República Dominicana, que contou com a participação de doze países das Américas e do Caribe.

A partir da declaração de Kofi Annan, de que um dos temas mais relevantes dos direitos humanos para a Organização das Nações Unidas é a migração, os partici-pantes procuraram fazer uma ra-diografi a da situação nos países.

Há um total de 87 milhões de migrantes na região, sendo que 57 milhões estão nos Estados

Eles são muitos e nada poderá detê-losUnidos. Constatou-se que, se por um lado existe um sistema interna-cional para controlar e garantir os direitos para mulheres, crianças e povos indígenas, por outro, não há nenhum sistema de proteção, nem mecanismos para garantir os direitos humanos dos migrantes.

São um dos grupos humanos submetidos à invisibilidade absolu-ta. Na condição de “indocumenta-dos”, são privados do mais sagra-do direito de ser reconhecidos e de reconhecer-se como seres huma-nos que têm direitos. Não fi guram nas pesquisas, não respondem a perguntas e temem em revelar a sua condição para não se expor à xenofobia e à crueldade.

CONSEQÜÊNCIAS DOS MUROSJá é de conhecimento a exis-

tência do muro de mais de 3 mil quilômetros entre o México e os EUA. Além disso, tanto Guatema-la como El Salvador estão sendo pressionados para que também detenham a onda de migração. Por isso não será de se estranhar a construção de novos muros.

Só nos meses de janeiro e fevereiro de 2004, foram 38 mil migrantes deportados do México para a Guatemala. Foram 6.500 mortos tentando a travessia nos anos de 1992 a 2003. Em El Salvador, no ano de 2004, foram deportados 34 mil dos EUA e os mortos foram 51. A soma de to-

dos os deportados no mundo, em 2004, é de 450 mil migrantes. Não é à toa que ao longo dos três mil quilômetros de muro na fron-teira México/EUA, posicionam-se 11 mil agentes federais.

Segundo o informe da Divisão de População e Assuntos Sociais e Econômicos da ONU, a cada ho-ra 58 pessoas da América Latina e do Caribe saem de seus países e, a cada ano, uma em cada mil pessoas torna-se migrante.

O CASO DA GUATEMALACom 11,5 milhões de habi-

tantes, a Guatemala tem 10% da população vivendo fora do país. Somente no ano de 2000, emigra-ram 177 mil pessoas. Enquanto 63,9% migram de forma irregu-lar via coiotes ou gatos, apenas 15% migram por meio do visto de turista. Cabe destacar que 79,3% dos emigrantes enviam remessas para os seus familiares, sendo que 49,4% dessas desti-nam-se a alimentação e vestuá-rio das pessoas que fi caram no país de origem. Apesar de todos os problemas, é muito signifi cati-vo o grande volume de remessas que os migrantes enviam para seus países. No caso de El Sal-vador, as remessas representam 63% dos ingressos fi nanceiros ao país. Por outro lado, na Re-pública Dominicana, o total das taxas cobradas para a remessa

de dinheiro entre intermediários e governo atinge 51% do valor de cada remessa.

POR QUE MIGRAR?Entre as múltiplas e complexas

causas, o Observatório Interame-ricano identifi ca como principais causas da migração:

- A globalização, que não cria postos de trabalho nos países po-bres mas os concentra em alguns países ou em algumas regiões dos países;

- O pagamento da dívida ex-terna, que exige cortes dos recur-sos das áreas sociais como saúde, educação, habitação e reforma agrária;

- A migração, como única saí-da que milhões de pessoas encon-tram para tentar melhorar as con-dições de vida;

- Motivações familiares, como o desejo da reunifi cação familiar;

- Fatores de expulsão nos pa-íses de origem, como o crescente desemprego e a pobreza genera-lizada em que vive a maioria da população dos países pobres;

RECOMENDAÇÕESOs participantes da reunião do

Observatório Interamericano esta-rão alertas e denunciarão todas as formas de discriminação dos imigrantes relativas a cor, etnia, raça, país de origem, situação econômica e costumes. Destacam-

se, nessa perspectivas, as seguin-tes orientações:

- Acabar com o paradigma em voga de que os migrantes são um perigo em potencial;

- Apoiar a criação de um mo-vimento de imigrantes onde eles sejam os protagonistas;

- Assumir uma atitude antiimpe-rialista e anti-racista destacando e promovendo a dimensão da inter-culturalidade;

- Exigir um programa integral de regularização e integração de todos os imigrantes no Estados Uni-dos e nos demais países da região;

- Incidir e contribuir na elabo-ração de uma legislação comum sobre as migrações na região;

- Criar uma agenda interna-cional comum tendo em vista a proteção dos direitos humanos dos migrantes;

- Lutar para construir as con-dições de criar uma cidadania e integração regional.

Para dar continuidade aos de-bates, o Observatório Interamerica-no estará promovendo um Conver-satório sobre Migrações, em São Paulo, no fi nal do mês de junho, com a participação de imigrantes e agentes que trabalham com imi-grantes de diversos países.

Luiz Bassegio é secretário nacional do Serviço Pastoral

dos Migrantes

DESINFORMAÇÃODESINFORMAÇÃO

O que tem acontecido na divisa com a

Colômbia é uma intensa provocação

à Venezuela. As forças armadas do país presidido por Alvaro Uribe são

dirigidas, armadas e instruídas pelos EUA, através do Plano Colômbia

Act). Em suas páginas, a autora desvenda – com fartas provas e evidências – as relações entre a entidade conhecida por National Endowment for Democracy (NED) e a oposição venezuelana, incluin-do fornecimento de dinheiro e uso de chantagem política e estímulo à violência. É ressaltado ali que o embaixador estadunidense, Charles Shapiro, foi o primeiro a se reunir com o líder do golpe de 2002, Pedro Carmona. E, entre muito mais, o livro detalha – com os números de matrícula – as em-barcações e aviões dos EUA que entraram em águas territoriais venezuelanas, sem autorização, durante o golpe.

A matéria tem muito mais. É impossível dizer onde está a pior parte. É um panfl eto, bem ao gos-to do que faz na Venezuela a im-prensa local. Como ela, Veja não trafega pelos caminhos do apego à realidade. Sua matéria-prima é a fi cção e a lorota pura e simples. É parte do novo coro golpista que se avoluma contra um governo democraticamente eleito, tendo como repetidores outros órgãos da imprensa brasileira.

Que os Civita façam isso, é papel deles. Mais uma vez – chamando as coisas pelo nome – é papel de sua classe social. A matéria é assinada por Diogo Schelp, Ruth Costas e José Eduar-do Barella. São contratados e fa-zem o que o patrão manda. Ser-vir bem para servir sempre, pa-rece ser o lema. Talvez acreditem no que escrevam. Mas não deixa de ser deprimente a existência de gente que tope assinar uma peça totalmente editorializada e anti-jornalística, apenas para manter seus proventos no fi m do mês.

É certo que a vida anda difícil, mas tem um pessoal que pega pesado.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista da Agência Carta Maior, é autor de A Venezuela

que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez

(Editora Fundação Perseu Abramo) e observador, a convite

do CNE, no processo do referendo revogatório na Venezuela

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De 5 a 11 de maio de 2005 15

[email protected]

NACIONAL

PROJETO VÍDEO: CULTURA E TRABALHO Inscrições abertas De iniciativa da organização não-governamental Ação Educativa, o projeto apóia grupos e movimentos juvenis por meio da apropriação de técnicas e da estética do vídeo digi-tal. O projeto começou em agosto de 2004 e termina em dezembro de 2005, com encontros semanais. Os interessados devem enviar a fi cha de inscrição para o endereço ele-trônico: inscricao@acaoeducativa ou entregar a inscrição no endereço da Ação Educativa - Rua General Jardim, 660, São Paulo (SP).Mais informações:(11) 3151-2333

BAHIA

AULAS DE TEATRO, DANÇA E PERCUSSÃOO Projeto Beje Eró, de Salvador, abriu inscrições para aulas gratui-tas de teatro, dança e percussão, para crianças e adolescentes. O curso de teatro desenvolverá meto-dologias baseadas nas técnicas de encenadores como Stanislavski e Grotovisk, entre outros. Local: R. Caminho 13, Casa 08, Salvador Mais informações:(71) 3381-1631, www.bejeero.com.br

CEARÁ

7ª CAPACITAÇÃO EM MASSA EM PLANEJAMENTO URBANO2 a 11 de junhoPromovida pela Escola de Planeja-mento Urbano e Pesquisa Popular, com o tema “Plano Diretor Partici-pativo - Planejar a cidade, recriar a vida”, a capacitação vai discutir temas como economia solidária, meio ambiente e gênero. O curso pretende capacitar a população na aplicação dos principais instrumen-tos de garantia do direito à cidade e de acesso à moradia, previstos no Estatuto da Cidade. Local: Cearah Periferia, R. Carlos Vasconcelos, 1339, FortalezaMais informações: (85) 3261-2607

AUDIÊNCIA PÚBLICA: COMUNIDADES INDÍGENAS5, a partir das 15hDurante a audiência serão debatidos problemas das comunidades indíge-nas no Ceará. Na pauta de discus-

sões estarão a invasão e violência de policiais em aldeias indígenas e a lentidão dos processos de demarca-ção das terras indígenas no Estado.Local: Comunidade Tapeba, Lagoa 1, na BR 222, km 17, CaucaiaMais informações: (85) 277-2959

DISTRITO FEDERAL

10º FÓRUM NACIONAL DA UNDIME 5 e 6“Educação pública de qualida-de, direito de todos” é o tema do Fórum da Undime, entidade que reúne os responsáveis pelos órgãos municipais de educação, com o objetivo de defender os interesses e a qualidade da educação pública municipal. Nos três dias do encon-tro serão montados painéis que fo-carão os seguintes temas: políticas públicas de educação; educação e direito; dez anos da Declaração de Salamanca, um desafi o a vencer; educação e diversidade; e aprendi-zagem e cidadania. Haverá ainda duas palestras: “Educação e eman-cipação social”, com o professor Gaudêncio Frigotto, e “Um olhar crítico sobre a escola brasileira”, com o professor Miguel Arroyo. Local: Teatro Pedro Calmon do Quartel General do Exército, Setor Militar Urbano, BrasíliaMais informações: (61) 3037-7888

MINAS GERAIS

5ª EDIÇÃO DO FESTIVAL ÁGUA PELA PAZ2 a 5 de junhoO objetivo do festival, que acon-tece em Caxambu, é conscientizar e mobilizar a população para a necessidade de preservar os re-cursos hídricos disponíveis, com enfoque na água mineral. A inicia-tiva pretende também estabelecer ações locais de preservação da água, principalmente no segmen-to educacional. Serão realizadas palestras, exposições, ofi cinas e vivências de educação ambiental, mostras de vídeo, apresentações de literatura, música e artes plásticas.Local: Praça Balão de Alfenas, 21, CaxambuMais informações: [email protected]

RIO DE JANEIRO

POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: JORNADA DE TRA-

BALHO PARA PROPOSTA DE POLÍTICA PÚBLICA31, das 9h às 18hA jornada de trabalho é destinada a pessoas diretamente envolvidas com o cotidiano dessa população, com distribuição de quatro vagas por entidade. Incentiva-se a inscri-ção de pessoas em situação de rua.Local: Av. República do Chile, 245, Rio de Janeiro Mais informações: (21) 3234-4710

SÃO PAULO

ARTESANATO DO QUILOMBO6 e 7A Comissão Pró-Índio de São Pau-lo abre suas portas para mostrar ao público o artesanato que vem dos quilombos de Oriximiná, no interior do Pará. As peças artesa-nais são produzidas por mulheres quilombolas com o ouriço da castanha-do-pará, sementes e ci-pós coletados nas matas de seus territórios. A extração da casta-nha-do-pará faz parte da tradição dos quilombolas, que tiveram que aprender a extrair da fl oresta sua sobrevivência. Hoje, as mulheres quilombolas estão transformando os produtos da fl oresta em pulsei-ras, caixas decorativas e utilitários para escritório. Local: R. Padre Carvalho, 175, São PauloMais informações: (11) 3814-7228

1º JOGOS INDÍGENAS 6 a 8 de maioO evento contará com mais de 800 índios de 30 aldeias, vindos de 15 municípios de São Paulo. Além das competições, a arena indíge-na, com uma arquibancada com capacidade para 10 mil pessoas, estará aberta ao público a partir das 8 horas, onde a população poderá ter contato com a cultura indígena, por meio de visitas as tendas de artesanato e estande de pinturas corporais. No local também haverá uma exposição de fotos e praça de alimentação. No primeiro dia, a programação inicia, às 17 horas, com os jogos realizados na arena e nos campos de futebol. Às 20h será a abertura ofi cial da arena com desfi le das aldeias e juramen-to dos atletas. Em seguida haverá apresentações musicais e culturais, além de show pirotécnico. Já no dia 7, serão disputadas as modali-dades de Arco e Flecha, Cabo de

Guerra, Zarabatana e Luta Corpo-ral, além dos jogos realizados no campo de futebol. No último dia de competição, acontecem as fi nais dos jogos na arena e nos campos de futebol. Às 14 horas, haverá o desfi le das aldeias indígenas e por fi m cerimônia de encerramento e a entrega de medalhas e troféus.Local: Rodovia Padre Manoel da Nóbrega (SP-55), Km 327, ItanhaémMais informações: (13) 3421-1616, (13) 3421-1600

SEMINÁRIO 30 ANOS DE FE-MINISMO NO BRASIL7, 14 e 21 de maioPara celebrar os 30 anos de Femi-nismo no Brasil, a União de Mu-lheres programou um evento espe-cial, onde acontecerão debates na Câmara Municipal, no horário das 14h às 17h. No dia 21, as ativida-des começam às 10h. Nos seminá-rios serão discutidos temas como “Direitos sexuais e reprodutivos”, “Trabalho doméstico e feminis-mo” e “30 anos de feminismo e a questão da violência contra a mulher”. A programação também conta com exposições de cartazes, fotos, apresentações culturais e teatrais. As inscrições devem ser feitas pelo telefone abaixo.Local: Câmara Municipal, Viaduto Jacareí, 100, São PauloMais informações: (11) 3106 2367, www.promotoraslegaispopulares.org.br

LANÇAMENTO DA REVISTA VERVE 7 10A revista, com periodicidade se-mestral, é organizada pelo Núcleo de Sociabilidade Libertária da Pós-Graduação de Ciências Sociais. Durante o lançamento, haverá um debate sobre maio de 1968 com Eduardo Valladares, Edson Passetti e Margareth Rago. Local: PUC-SP, Auditório Biblio-teca Nadir Kfoury, R. Monte Ale-gre 984, São PauloMais informações: (11) 3670-8517

2ª CONFERÊNCIA REGIONAL SOBRE MUDANÇAS GLO-BAIS: AMÉRICA DO SUL6 a 10 de novembro - inscrições abertas Alguns dos principais temas a serem tratados são: variabilidade e mudanças climáticas; mudança climática regional e ecossistemas terrestres e aquáticos; impacto do uso do solo e aquecimento global nas mudanças climáticas regionais; e aspectos econômicos e risco ambiental das mudanças globais. Haverá uma área de ex-posição científi ca e outra comer-cial, com estandes dos patrocina-dores e demais interessados em divulgar produtos e serviços.Local: Av. Ibirapuera, 2.927, São PauloMais informações: (11) 3721-4865

O PT E A LUTA DAS MULHERES10, às 19hO debate vai abordar o tema do feminismo e o PT. Entre as palestran-tes: Maria Luiza da Costa, Rosângela Rigo, Flávia Pereira e Dida DiasLocal: Auditório do PT Municipal, R. Coronel Lisboa, 958, São PauloMais informações: (11) 5084-4112

Dirceu Pelegrino Vieirade Chapecó (SC)

O Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra (MST) de Santa Catarina

inaugurou, dia 20 de abril, em Chapecó, a Loja da Reforma Agrá-ria. Por meio de um convênio entre a Cooperativa Central de Reforma Agrária de Santa Catarina e o Ins-tituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), deno-minado de Projeto Terra Sol, co-meçou a funcionar a primeira loja de produtos da reforma agrária do Estado. Inicialmente serão comer-cializados mais de 60 produtos dos assentamentos e da agricultura fa-miliar – além dos livros da Editora Expressão Popular e materiais de divulgação da luta pela reforma agrária.

Várias autoridades e represen-tantes da sociedade civil e os se-putados federais Luci Choinaski e Cláudio Vignatti, ambos do PT de Santa Catarina, participaram da inauguração da loja, que vai vender produtos industrializados e in natura, como grãos, leite e deri-vados, geléias, doces, vinhos, suco de uva, água ardente, frango. A marca Terra Viva, do MST de SC, já é conhecida em toda a região Sul do Brasil e em São Paulo. Mais de um milhão de pessoas consomem, diariamente o leite Terra Viva.

Álvaro Santin, da direção na-cional do MST, disse que a loja representa um pouco do que o mo-vimento construiu em vinte anos

Loja da reforma agrária é inaugurada em SC

de luta em Santa Catarina. Ele aproveitou o momento para prestar contas, em público, das verbas que o MST recebe do governo: “Uti-lizamos os recursos do governo para capacitar nossos técnicos em administração de cooperativas, nossos agricultores e nossos peda-gogos. A loja mostra o resultado. O nosso primeiro grande sonho é

produzir comida e aqui temos os frutos do nosso trabalho. Mas não é só isso que queremos. Queremos também o conhecimento, que sempre foi negado para a maioria da população. Na nossa loja estão os livros para permitir o acesso ao conhecimento a todos”.

Para o superintendente regional do Incra, João Paulo Strapazzon, a

Produtos dos assentamentos levam a marca Terra Viva, conhecida no Sul

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Morreu no dia 2, em Toronto, no Canadá, Bob Hunter, um dos fundadores e primeiro presidente da organização ecológica Gre-enpeace. Hunter, que faleceu aos 63 anos devido a um câncer de próstata, integrou o grupo que em 1971 saiu de barco de Vancouver, na costa oeste do Canadá em dire-ção ao Alasca, para protestar contra os testes nucleares realizados pelos Estados Unidos no local. Embora não tenham chegado ao destino, o fato gerou repercussão sufi ciente para a suspensão dos testes e para a criação da entidade. Hunter foi também o autor do nome do navio da organização, “O Guerreiro Arco-íris”, inspirado em lenda indígena que diz que um dia todas as raças se juntarão em um só guerreiro para salvar o planeta.

Morre um dos fundadores

do Greenpeace

Loja tem um signifi cado especial. De acordo com ele, “é o trabalho da reforma agrária no meio urba-no”. Strapazzon conclamou todos os presente à inauguração da loja a assumir um compromisso: “A re-forma agrária não pode ser respon-sabilidade só do Incra ou do MST, é uma luta de todos que querem uma sociedade justa e igualitária”.

MEMÓRIAMEMÓRIA

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De 5 a 11 de maio de 2005

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CULTURA

Igor Ojedada Redação

“A mulher sofre mais que o homem, sofre por pobreza e por causa do

homem também. Não é mesmo?” É, sim senhora. Como questionar alguém com a história de vida de Edíria Carneiro? Nos seus “mais de 80 anos nas costas”, ela expe-rimentou um pouco de tudo. Con-vivência com a pobreza na Bahia, onde nasceu e foi criada, militância comunista, exílio político, casa-mento com o dirigente do Partido Comunista do Brasil (PC do B), João Amazonas, anos de clandes-tinidade em São Paulo... E, claro, uma intensa produção artística.

“A mulher pobre é um animal de carga”, constata a artista que conhece o sofrimento feminino – elemento principal das obras que compõem sua exposição em come-moração aos 80 anos do jornal A Classe Operária, do PC do B. Em quase todas as telas, a expressão de angústia e tristeza no rosto das retratadas. Mulheres representando as diversas facetas da sobrevivência em uma sociedade machista e desi-gual. A vida na favela, a ausência de um teto, a prostituição, o êxodo em busca de uma vida melhor, o trabalho e a luta no campo.

Depois de quase toda uma vida artística dedicada à gravura em me-tal, Edíria retoma a pintura de óleo sobre tela, arte que não exercitava desde os tempos de estudante da Escola de Belas Artes da Bahia. Per-cebeu que a idade não permitia mais realizar o esforço requerido pelos trabalhos em metal e em madeira. O tema que sempre ilustrou sua obra, no entanto, permaneceu. Pobreza e sofrimento do povo brasileiro. Desta vez, com o foco na fi gura feminina.

A MISÉRIA DE PERTOEdíria viveu a infância e a ado-

lescência em muitas cidades do in-terior baiano, tanto no sul do Estado quanto no sertão. “Eu via a pobreza, a miséria, e aquilo me tocava. Via aquela pobre gente, que não tinha um sapato para pôr, que fazia fari-nha para comer. Sempre senti muito a miséria”. Como uma das fontes de inspiração para sua arte, observava as pessoas que iam todos os dias ao Convento de São Francisco, em Sal-vador, atrás de sopa gratuita.

Foi aí que o comunismo passou a fazer parte de sua vida. Lá pelos seus 20 e tantos anos, começou a ler sobre o assunto – “em espanhol, pois naquele tempo não havia tradução do russo para português”. Os livros eram emprestados de seu primo, Ed-son Carneiro, conhecido especialista em temas afro-brasileiros. Em 1945, por meio do militante Mário Alves, Edíria fi liou-se ao Partido Comunis-ta do Brasil. Não sem a resistência da família que, bastante religiosa, abominava os comunistas “comedo-res de criancinha”, como freqüente-mente aparecia em cartazes da épo-ca. Mas, depois de um tempo, seus parentes acabaram compreendendo e aceitando sua luta.

CONTRIBUIÇÕES AO PARTIDOA partir de então, passou a con-

tribuir com a revista Seiva, fazendo ilustrações. No mesmo ano, Edíria viajou para o Rio de Janeiro para participar do 9º Congresso da União Nacional dos Estudantes, repre-sentando a Escola de Belas Artes. Naquele tempo, ir para o Rio era um escândalo. A cidade era comparada a Paris, com suas histórias de boemia e libertinagem. Mas ela foi mesmo assim. Mal sabia que essa decisão mudaria sua vida defi nitivamente.

“Foi uma viagem inesquecível”. Era tempo de guerra, e viajar de navio era muito perigoso, pois havia a ameaça de ataques de submarino alemães. “Para mim, que era jovem, foi uma aventura.” No Rio, Edíria

As cores do sofrimento femininoARTES PLÁSTICASARTES PLÁSTICAS

Com mais de 80 anos, a artista plástica Edíria Carneiro, comunista convicta, mostra sua nova arte

foi convidada a fazer ilustrações para as publicações Classe Operá-ria e Momento Feminino. Decidiu fi car. Fez cursos de artes plásticas e ajudou o Partido ilustrando cartazes e folhetos usados nas mobilizações.

“Nesse período conheci o João, acontecimento que modifi cou toda a minha vida”. Iniciaram um lon-go casamento. Em 1948, o Partido Comunista foi posto na ilegalidade. Edíria e Amazonas, que corria o risco de ser preso, partiram para São Paulo, onde passaram a pular de casa em casa, para não levantar suspeitas. “A gente não podia fazer nada. Às vezes fi co contando em quantos lugares a gente morou, acho que foram uns 18”.

Viúva desde 2002, Edíria vive hoje no bairro paulistano da Bela Vista, o popular Bixiga. Não preci-sa mais mudar de casa a toda hora. Não há ditadura, perseguições aos “subversivos”. Não há mais aquela efervescência política de outros tempos. Mas a artista continua fi r-me nas suas convicções. Revolta-se com as notícias nos jornais, com as injustiças contra os excluídos. E dispara: “Eu acho que quem vai resolver os problemas do mundo serão os comunistas”.

Serviço: Exposição Edíria Carneiro e Exposição Histórica de 80 anos do jornal A Classe Operária Até 8 de maioParlamento Latino-Americano – Parlatino. Av. Auro Soares de Moura Andrade, 564, Barra Funda, São Paulo.Entrada gratuita

De volta à pintura, a artista plástica Edíria Carneiro expõe o sofrimento da mulher brasileira

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