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  • AL, OBAMAJos Casado, Roberto Maltchik, Flvia Barbosa, Vivian Oswald e Cesar Baima

    Coordenao: Jos Casado e Fernanda GodoyCapa e projeto grfico: Maurcio TussiReviso: Claudia Guimares dos SantosColaborao: Glenn Greenwald, Roberto Kaz, Elenilce Bottari, Carlos Alberto Teixeira, CristinaTardguila e Jnia GamaCopyright Infoglobo Comunicao e Participaes S.A.ISBN: 978-85-98888-78-1Rio de Janeiro, 2013Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edio pode ser utilizada ou reproduzida,em qualquer meio ou forma, nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dadossem a expressa autorizao da editora.

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  • Sumrio

    Apresentao

    Parte 1 Bom dia, Obama

    Sonho de uma noite em Teer por Jos Casado

    Brasil: o flanco aberto pela dependncia tecnolgica por RobertoMaltchik

    Parte 2 Boa noite, Obama

    Na Amrica, a liberdade atacada por Flvia Barbosa

    Na Europa, um abalo ssmico por Vivian Oswald

    Parte 3 De volta ao passado

    Uma breve histria da espionagem por Cesar Baima

    Apndice As reportagens do GLOBO

    EUA espionaram milhes de e-mails e ligaes de brasileiros

    Na teia da espionagem

    Invaso de privacidade ilimitada

    Um jornalista no caminho de Obama

    Uma base espi em Braslia

    Espionagem se espalhou pela Amrica Latina

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  • Porta aberta espionagem

    A NSA hoje pode praticamente entrar na mente das pessoas

    Filmando Edward Snowden

    Quem quer ter privacidade precisa gastar

    EUA espionaram Dilma

    Petrobras na mira

    EUA recebem a cada 72 horas um relatorio sobre a Petrobras

    Anexos & Notas

    Carta de Obama a Lula

    Declarao de Teer

    Lista das cidades com estaes do SCS

    Notas

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  • Introduo

    Por Fernanda Godoy

    As reportagens sobre a espionagem dos Estados Unidos contra alvos do Brasile da Amrica Latina que O GLOBO publicou a partir de 7 de julho garantiramaos jornalistas Jos Casado, Roberto Kaz e Glenn Greenwald o Prmio Esso deReportagem 2013. Foi o reconhecimento de que o trabalho deles, construdocom investigao minuciosa a partir de documentos sigilosos vazados porEdward Snowden, ex-analista de informtica da NSA (Agncia Nacional deSegurana), foi a mais importante revelao do ano, um furo jornalstico de altaoctanagem.

    Neste livro, Casado aprofunda e refina a apurao, reconstituindo o ataqueciberntico dos EUA s comunicaes brasileiras desde 17 de maio de 2010,quando o ento presidente Luiz Incio Lula da Silva dera sua tacada maisambiciosa em poltica externa. Em Teer, Lula fechara, com apoio da Turquia,uma proposta para que o Ir dos aiatols chegasse a um entendimento com osEUA sobre seu controvertido programa nuclear. Passados trs anos e meio, umacordo para botar um freio no programa nuclear finalmente foi fechado emGenebra entre o Ir e seis potncias (EUA, China, Rssia, Reino Unido,Alemanha e Frana), na madrugada do domingo, 25 de novembro.

    A leitura de tirar o flego: mostra como os EUA montaram um arrasto

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  • tecnolgico para colher dados em Braslia e se infiltraram na Embaixada doBrasil em Washington para capturar informaes e instalar programas na redeinterna de computadores. Revela tambm como opera a mquina de espionagemdos EUA de Abu Dhabi a Zagreb.

    O captulo seguinte, assinado por Roberto Maltchik, expe as deficinciastecnolgicas que deixam o Brasil to vulnervel a intromisses externas. Acorrespondente Flvia Barbosa, em Washington, traa o panorama da discussoem curso nos EUA sobre o fim da privacidade na Amrica ps 11 de Setembro.E a correspondente em Londres, Vivian Oswald, faz o rescaldo dos estragoscausados nas relaes dos EUA com a Europa e com a Rssia ao se desnudar aespionagem contra seus lderes.

    No fecho do livro, dois presentes para os leitores: Uma breve histria daespionagem, na qual Cesar Baima mostra como diplomacia e espionagemcruzam caminhos ao longo da Histria, e a reproduo das reportagens quederam o Esso ao GLOBO.

    Al, Obama uma leitura essencial para entender o lugar do Brasil nomundo de hoje.

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  • Sonho de uma noite em Teer

    Por Jos Casado

    Parecia sonho, mas os jornais confirmavam. A utopia agora tinha a forma decompromisso escrito.

    No papel, a Declarao de Teer possua aparncia to slida quanto oMonte Damvand, destacado na Cordilheira de Elbruz, visvel de qualquerquadrante da antiga capital do imprio persa.

    Luiz Incio Lula da Silva sorria, olheiras realadas pelo cansao, ao finaldaquela segunda-feira, 17 de maio de 2010. Levava duas boas notcias aotravesseiro: dera uma volta na Histria, ao convencer o Ir dos aiatols aaceitar um entendimento com os Estados Unidos sobre o seu controvertidoprograma nuclear; e, acabara de saber, alcanara novo recorde (76,1%) de

    aprovao no Brasil. [1]

    Lula se recolheu ao sono do pacificador. Voltaria a Braslia na manhseguinte vestindo a capa de presidente bicampeo em prestgio internacionale em popularidade domstica. Nada melhor para quem j imaginava outraalquimia na poltica nacional nos quatro meses seguintes: fazer da entodesconhecida chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a sua sucessora naPresidncia da Repblica.

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  • Era (e continua) incerto o estgio de desenvolvimento de armas nucleares noGolfo Prsico, mas o espantalho de um arsenal atmico na regio tem seprovado til e valioso tanto ao grupo iraniano no poder quanto aos seusopositores no exterior. Eles gastaram muito tempo se construindo comoinimigos.

    Desde 1979, quando o aiatol Ruhollah Musavi Khomeini permitiu a invasoda Embaixada Americana em Teer, a liderana do pas cinzela a imagem deum regime fantico, monoltico e perverso. Os chefes desse condomnioteocrtico precisam do espectro para dissimular seu reduzido poder nacionalefetivo. No jogo de pquer do sistema internacional, poucos conseguem jogarblefando com uma mo fraca como os iranianos, notou o diplomata brasileiro

    Felipe Flores Pinto, que serviu por cinco anos no pas, entre 2005 e 2010. [2]

    Passaram-se trs dcadas, e Washington ainda regurgitava a humilhao dos444 dias de ocupao da embaixada. Custou a reeleio do presidente JimmyCarter, deixando o Partido Democrata 12 anos longe do poder. Os americanosreagiram com gestos de unidade o mais simblico talvez tenha sido em 1981,quando o republicano Ronald Reagan, recm-empossado, escolheu Carter, oantecessor democrata, para represent-lo na recepo aos refns libertados. Talsolidariedade poltica seria mera aparncia, se consideradas verses sobrelderes do Partido Republicano em acordo com clrigos iranianos para liberaros refns apenas depois da eleio, em prejuzo de Carter.

    Em meio a essa lavoura de hostilidade, a Declarao de Teer no bolsode Lula se tornava singular. Fora negociada como preldio substituio daretrica beligerante pelo carteado diplomtico na Organizao das NaesUnidas. Um rascunho de contrato para a conduo da guerra latente por outrosmeios.

    Os Estados Unidos comandavam a ofensiva no Conselho de Segurana daONU, com apoio decidido do Reino Unido e moderada renitncia da Frana eda Alemanha. China e Rssia relutavam, por razes distintas. Cada dia mais

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  • isolada, a liderana do Ir reduzia suas apostas aos interesses contraditriosdos pases que controlam o Conselho.

    Na segunda-feira, 18 de maio, Lula despediu-se do impvido Damvand. Aviagem de regresso a Braslia previa uma adequada escala em Madri, para umareunio de chefes de Estado ibero-americanos, cenrio adequado para medirefeitos do lance com os iranianos. O presidente e a comitiva mal haviam pisadoem solo espanhol quando tocou o telefone do chanceler Celso Amorim. Eleatendeu e, em seguida, escutou a secretria de Estado Hillary Clinton recitar umrosrio de queixas sobre o acordo de Teer, mencionando detalhes aindamantidos em sigilo. Antes de encerrar, ela avisou: os EUA aprovariam novas e

    duras sanes econmicas contra o regime dos aiatols. [3]

    Foi eterno enquanto durou, percebeu Amorim. O plano brasileiro para usar oIr e seu programa nuclear como passe livre mesa de jogo da governanamundial derretia ao sol da primavera espanhola. A Declarao de Teerrecuava ao valor inicial uma folha de papel descartvel nas manchetes dodia seguinte, eventualmente redutvel a uma nota de rodap em livros deHistria. A diplomacia americana prevalecera pela fora imperial e habilidadediplomtica no manejo de informaes obtidas em segredo.

    A trilha na Histria

    Na outra margem do Atlntico, a seis mil quilmetros de Madri, em Beltsville,pequena cidade de Maryland (EUA), era intenso o fluxo de informaesrecolhidas pelo Special Collection Service (SCS), ou Servio de ColeoEspecial. Composto por grupos hbridos de agentes, analistas e rastreadores daAgncia Nacional de Segurana (NSA), vinculada ao Departamento de Defesa,e da Agncia Central de Inteligncia (CIA), ligada Casa Branca, um dossegmentos menos visveis da estrutura de espionagem dos Estados Unidos.

    Nascido em 1978, quando os servios secretos retratavam a monarquiairaniana do x Reza Pahlevi como uma ilha de prosperidade num mar deturbulncias (ele caiu seis meses depois), o SCS quase uma organizao

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  • paralela dentro dessa espcie de fraternidade criada e cultuada pelaaristocracia americana. Seus escritrios esto instalados a cerca de 20quilmetros da sede da NSA, no quartel de Meade. Ocupam dois edifcios margem da estrada Springsfield, na arborizada Beltsville, contguos ao Serviode Telecomunicaes Diplomticas do Departamento de Estado. Cabossubterrneos garantem a conexo segura com as estaes do Servio nasembaixadas e consulados americanos.

    Equipes SCS trabalham sob camuflagem diplomtica e empresarial. Suamisso espionar pessoas, governos e empresas no apenas os alvos bviosaos interesses da defesa militar dos Estados Unidos, como grupos terroristas eo programa nuclear do Ir, mas tambm a poltica interna, a diplomacia e aeconomia de pases aliados. Atuam na converso de sinais de Intelignciacaptados no exterior a partir de estabelecimentos oficiais dos Estados Unidos,como embaixadas e consulados , conforme demonstram documentos

    divulgados por Edward Joseph Snowden [4].

    Snowden, jovem americano da Carolina do Norte, viveu durante 15 mesesentre os 54 mil funcionrios de empresas privadas subcontratadas pela NSA.Filho de um oficial da Guarda Costeira com uma funcionria do TribunalFederal de Maryland, superou dificuldades para estudar, por causa daepilepsia. Cresceu se achando um gnio, daqueles capazes de conseguir o queprecisam e calmamente encontram sua trilha na Histria. Foi como sedescreveu aos 20 anos de idade em uma revista online para aficionados de

    computao [5]. Passou pelo Exrcito, sem concluir o treinamento, e foi guardano Centro de Estudos Avanados de Lnguas da Universidade de Maryland. Nosquatro anos seguintes, entre 2009 e 2013, figurou no plantel de mo de obraalugada ao Pentgono por empresas como Dell Corporation e Booz AllenHamilton, em servios de assistncia tcnica Agncia de Inteligncia de

    Defesa, CIA e NSA [6].

    Morava no Hava no incio de 2013, com salrio de US$ 20 mil por ms da

    Booz Allen [7], trabalhando para a NSA. Foi quando descobriu a sua trilha12

  • na vida: passou dias copiando cerca de 200 mil documentos, boa parteclassificados como ultrassecretos e alguns ainda mais restritos, com o selo

    Inteligncia especial [8]. Em abril, fugiu para Hong Kong, onde apresentou oacervo roubado documentarista Laura Poitras e aos jornalistas GlennGreenwald e Ewen MacAskill.

    Dias antes de completar 30 anos, em junho de 2013, ele se tornouresponsvel por um dos maiores vazamentos de segredos da Histriaamericana. Os jornais The Guardian, O GLOBO e The Washington Post,bem como a revista alem Der Spiegel, exibiram uma coletnea de provas dealgumas das mais sigilosas operaes de espionagem dos EUA desde a GuerraFria s vezes executadas com a colaborao de pases aliados, outras vezescontra eles. So violaes sistemticas do direito, que criaram a obrigaomoral de agir, argumentou em autodefesa, por meio de uma carta aberta

    divulgada semanas depois de receber asilo em Moscou. [9] Snowden mostroucomo pessoas, governos e empresas so espionados nos cinco continentes. Ecomo feita a coleta de informaes dentro da internet, dos telefones celularese fixos, da infraestrutura em cabos de fibra ptica e dos satlites na rbitaterrestre.

    Os efeitos foram alm do imaginvel. Deixaram o governo Barack Obama nadefensiva, frente a um desfile de protestos mundiais contra um espcime estatalonvoro, capaz de grampear vozes, imagens e textos via satlites em trnsitopelas rbitas terrestres, por antenas a bordo de navios vagueando em alto-marou plantadas nos telhados de embaixadas e consulados americanos, sobre ascabeas dos agentes do Servio de Coleo Especial, o SCS.

    As duas maiores organizaes de espionagem internacional, NSA e CIA,mantm equipes do Servio de Coleo Especial encobertas em oito dezenas decidades de Abu Dhabi a Zagreb, por ordem alfabtica [ver lista anexa].Braslia uma das 12 estaes latino-americanas. Outras esto em Bogot(Colmbia), Caracas (Venezuela), Quito (Equador), La Paz (Bolvia), Cidade

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  • da Guatemala, Mangua (Nicargua), San Jos (Costa Rica), Port-au-Prince

    (Haiti), Havana (Cuba), Guadalajara e Cidade do Mxico. [10]

    A maioria (65) das estaes SCS funciona em capitais nacionais. Se no possvel afirmar que todas continuem operacionais, tambm no se pode dizerque a rede tenha sido parcialmente desmontada os indcios, ao contrrio, so

    de expanso. [11] O aparato aplicado em espionagem no distinguvel dosistema utilizado pela diplomacia. No Brasil, por exemplo, a agnciafiscalizadora (Anatel) informa ter registro de 38 pontos de servio limitadoprivado de telecomunicaes e dados para as representaes diplomticas

    americanas em Braslia, So Paulo, Rio de Janeiro e Recife. [12]

    Os SCS se apoiam em provedores dos servios de telecomunicaes.Quando necessrio, os agentes da CIA realizam contatos e recrutamentos locaisde consultores e administradores de sistemas. Os da NSA conduzem amontagem do acervo de informaes coletadas, com eventuais contribuies deoutros rgos, como o Escritrio Nacional de Reconhecimento (NRO, pelasigla em ingls), projetista e operador de satlites-espies, e a AgnciaNacional de Inteligncia Geoespacial (NGA), especializada na interpretao de

    imagens de superfcie terrestre. [13]

    A NSA era a menos conhecida das 16 agncias americanas de espionagemat a epifania de Snowden sobre sua trilha na histria. A CIA prevalece comoface visvel dessa fraternidade, cujo objetivo no roubo de informaes proverconhecimento para Washington compreender, moldar ou mudar o rumo dosacontecimentos em outros pases. Ambas cresceram a partir da Segunda GuerraMundial, combinando autonomia poltica e financeira com sofisticaotecnolgica. Sempre sob o manto do sigilo, mesmo dentro do governo: atoutubro de 2013, nenhum funcionrio pblico era capaz de fornecer uma listados programas de pesquisa e desenvolvimento ou mesmo uma estimativa do seucusto somado para essas agncias, conforme constatou uma comissogovernamental depois de passar um ano entrevistando chefes dos servios

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  • secretos. [14]

    Lder em tecnologia de intruso em redes de telefonia e internet, pblicas ouprivadas, a NSA no esconde as parcerias estratgicas com empresasprivadas para apoiar misses. Em documentos internos, com linguagemtipicamente corporativa, salpicada de siglas e sob a premissa do domniototal, a agncia afirma cooperar com mais de 80 das maiores corporaesglobais. Citando Facebook, Twitter, Gmail, YouTube, Yahoo, Hotmail,Google, Skype, Microsoft, IBM, Apple, Motorola, AT&T, Oracle, Intel, HP,

    Cisco, EDS, QWest, Qualcomm, PalTalk, AOL e Verizon, entre outras. [15]

    Com o respaldo de tal constelao corporativa, qualquer espio, emqualquer lugar, passa a ter alcance global. Dentro dos EUA, porm, hressalvas. Para vigiar comunicaes de um residente ou uma empresa instaladaem territrio americano, a NSA precisa de autorizao judicial, emitida por umtribunal especial a Corte de Vigilncia de Inteligncia, composta de 11juzes que se renem em segredo. Foi nessa instncia do Judicirio que aagncia obteve, no primeiro semestre de 2013, autorizao para acesso, durante90 dias, aos registros telefnicos de quase 100 milhes de usurios da Verizon,uma das maiores operadoras de telefonia do pas. Houve extenso do pedido atodas as operadoras americanas, automaticamente renovado. Fora das fronteirasdos EUA, o jogo diferente. H trs dcadas a vigilncia de pessoas, empresase instituies estrangeiras tem cobertura legal, preestabelecida por ordempresidencial (nmero 12333). Na prtica, as fronteiras polticas e jurdicasacabam relativizadas pelos sistemas de coleta, processamento, armazenamentoe distribuio das informaes, tanto nos Estados Unidos quanto no resto domundo.

    As alianas corporativas so uma das chaves operacionais da NSA. Comuma empresa de telefonia e internet americana, por exemplo, consegue acesso agrande parte do fluxo de dados da Amrica do Sul. Isso porque a companhiamantm relaes de negcios com suas equivalentes, operadoras no setor detelecomunicaes do Brasil ou dos pases vizinhos. E tem ingresso garantido na

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  • infraestrutura de comunicaes regionais, dependentes das redes americanaspara conexo com o resto do mundo. Assim, por via indireta, a NSA se tornabeneficiria oculta desse acordo empresarial, com canal aberto para plugarsistemas de comunicao fora das fronteiras americanas.

    O objetivo da agncia com a minerao digital construir uma hierarquiadas rotinas de comunicaes de pessoas e empresas. Ao acompanhar hbitos dealgum na rede, passa a exercer vigilncia sobre todo o espectro do seurelacionamento.

    Exemplo: uma pessoa ou empresa de interesse e que tenha endereo noBrasil pode ser mantida sob vigilncia nas suas comunicaes enviadas ourecebidas. Armazenam-se o contedo e todos os registros (nmero discado,tronco e ramal usado, durao, data, hora, local, bem como endereos de IP esites visitados). Na sequncia, faz-se o mesmo com todas as pessoas ouempresas que entraram na rbita de contatos do alvo. Progressiva, aespionagem avana pela teia de relacionamento de cada interlocutor oudestinatrio de correspondncia eletrnica (e-mail, fax, SMS, vdeos, podcastsetc.).

    Assim aconteceu com Enrique Pea Nieto em meados de 2012. Aos 46 anos,o ex-governador do Estado do Mxico se lanou na disputa presidencial,envolto em denncias sobre corrupo e laos do seu partido (PRI) com onarcotrfico. A NSA realizou um esforo concentrado de duas semanas parainvestig-lo. Espionou suas comunicaes com nove pessoas, filtrando-as portrs sistemas: Mainway, para coleta um grande volume de dados digitais;Association, para mensagens de texto de celulares, os SMS; e Dishfire, base dedados para busca e cruzamento, via palavras-chave, no contedo capturado.[16] Pea Nieto foi eleito presidente com 39% dos votos mexicanos.

    o fim do mundo da privacidade ilimitada, mostra a exumao feita porSnowden nos arquivos da NSA. Revela, tambm, o faroeste daciberespionagem, onde se compem interesses de governos e empresas

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  • desde empreiteiros da construo civil e de redes eletrnicas a operadoras detelecomunicaes, fabricantes de equipamentos, desenvolvedores de programase as novas mdias. Nesse territrio de avarezas, o bem mais valioso aquelepelo qual se paga para manter guardado a sete chaves, em geral criptografadas:as suas informaes privadas.

    Um estudante de direito austraco percebeu isso h trs anos. Max Schremsusou as leis europeias de proteo da privacidade para pedir cpia de todas asinformaes que o Facebook guardava sobre ele. A resposta veio num dossi de1.222 pginas. O site armazenava pilhas de dados sua revelia, como tudo oque compartilhava com amigos, listagem dos locais de acesso e at comentrios

    apagados. [17] Schrems foi luta pelo respeito privacidade dos usurios efundou o grupo Europa Contra o Facebook (Europe vs Facebook).

    Empresas vendem segurana no balco e revendem a mercadoria pelaporta de trs aos governos interessados. A operadora americana de telefonia einternet AT&T, por exemplo, cobra das agncias de espionagem uma taxa deativao de US$ 325 para cada grampo de telefone mais um extra de US$10 por dia de manuteno. Empresas menores, como a Cricket e a Cellular,cobram US$ 250 pelo servio. Na Verizon, espionar um cliente custa US$ 775no primeiro ms e US$ 500 nos seguintes. No varejo das novas mdias, comoFacebook, Google, Yahoo e Microsoft, so cobrados US$ 25 por cada registro-ndice (ou metadados) de correspondncia eletrnica, comprovou a organizao

    Unio Americana de Liberdades Civis (ACLU). [18]

    A NSA extrai 80% da sua produo cotidiana do seu portflio corporativo,erguido sobre uma harmonia de interesses, presso legal, sigilo e dinheiro.Reserva em mdia US$ 270 milhes do oramento para pagamentos a empresase faz a partilha de acordo com a escala de uso do software-espio. No exterior,muitas vezes so as parceiras que filtram as comunicaes antes de enviar

    NSA. [19]

    o caso do programa XKeyscore, que tem mais de 700 servidores em

    17

  • centena e meia de pases, Brasil includo. Ele permite o rastreamento de todotipo de mensagens eletrnicas enviadas em ingls, rabe ou chins, russo,alemo ou portugus. Segundo os documentos da NSA, no XKeyscore amaioria dos acessos so controlados por um parceiro, isto , um scioempresarial-chave com acesso a cabos internacionais, roteadores econectores. Polivalente, ferramenta til para o espio que, de uma sala emBraslia, Bogot ou Washington, esteja empenhado em seguir os passos do seualvo mundo afora inclusive em tempo real, por exemplo, quando ele est nomeio de numa avenida de Teer procurando um endereo qualquer no GoogleMaps. O XKeyscore aplicado tambm em operaes realizadas para indexarinformaes extradas da base de dados da rede bancria mundial e de

    empresas de cartes de crdito, como a americana Visa. [20]

    Pelo critrio de uso intensivo, o campeo de pagamentos a empresas oFairview, com custo anual de US$ 90 milhes ao governo americano. A NSAutilizou-o para se plugar no sistema brasileiro de telecomunicaes a partir de2007, durante os governo Lula e Dilma Rousseff, coletando registros detalhadosde texto, imagem e voz de milhes de pessoas, empresas e instituiesgovernamentais. Na estimativa da agncia, o Fairview proporciona a capturadiria de 60 milhes de e-mails trocados entre estrangeiros, dentro e fora dosEstados Unidos. No Brasil e em toda Amrica Latina, usou tambm outras peasdo seu portflio corporativo, como XKeyscore e Silverzephir, para sugar dadosdas redes de telefonia e de internet, inclusive informaes bancrias e de

    cartes de crdito. [21] Durante a era Hugo Chvez, a Venezuela foiprivilegiada com um programa especfico, Steelflauta, aparentementedesativado.

    O Brasil o pas 42 no sistema de cdigos da NSA. No ano passado, aagncia submeteu a presidente brasileira Dilma Rousseff ao mesmo tipo deescrutnio que aplicava ao candidato presidencial mexicano Pea Nieto.Espionou Dilma, submetendo suas comunicaes a filtros distintos (coletaindiscriminada de dados; pessoas que com ela se comunicaram; busca e

    18

  • cruzamento no contedo interceptado, por palavra-chave; e progresso daespionagem para terceiros com quem a presidente e os demais serelacionaram). Sucesso, registrou a documentao apresentada numtreinamento de analistas, em junho do ano passado. Informaes antesimpossveis de serem obtidas foram interceptadas, acrescentava, e

    descobertos novos alvos de alto interesse. [22]

    Os casos de Dilma e Pea Nieto mostram que, sob a capa protetora dasegurana nacional, as atividades da NSA vo muito alm da espionagemantiterrorismo. Isso demonstrado at nos fluxos de produo da agncia, nosquais 60% dos dados coletados sobre o assunto tm origem em programasespecficos.

    O piv operacional das aes de contraterrorismo carrega o codinomeBlarney. a fonte de 80% das informaes usadas nos relatrios levados aopresidente Barack Obama com o caf da manh. Ao descrever a mirade deprogramas e operaes clandestinas dessa natureza, a NSA no economizaautoelogios: Mais de 300 terroristas capturados utilizando a intelignciagerada por X-Keyscore, anuncia. No bem assim. A medida do xito podeser bem mais modesta, se considerado outro documento oficial sigiloso no qualse credita espionagem apenas ter contribudo em 54 ocasies para umamelhor compreenso das atividades terroristas em muitos casos, possibilitoua interrupo de potenciais eventos terroristas. E resultou na condenao deum nico indivduo por ter feito remessa de U$ 8 mil de um banco em San

    Diego, no Texas, para o caixa de um grupo terrorista na Somlia. [23]

    Smbolo das relaes NSA-empresas a Sala 64-A do nmero 611 na RuaFolsom, em So Francisco (Califrnia), sede de uma unidade de conexo detrfego das redes da AT&T, a maior operadora de telefonia e internetamericana. Ali a NSA mantinha um ponto de coleta em massa de dados digitaisque fluam desde o exterior para os EUA e, tambm, pela rede nacional. Em2006, um ex-tcnico da empresa, Mark Klein, contou tudo a organizaes dedefesa dos direitos civis, detonando uma batalha jurdica. O governo venceu, e

    19

  • a AT&T desde ento trabalha com imunidade retroativa.

    Negcios ambguos entre a NSA e empresas no lado oculto na rede puseramem xeque o nvel de confiabilidade de produtos e servios digitais no mercadoglobal. A Google continua prometendo privilgio segurana e privacidade,mas, desconfiados, governos como o da Sucia proibiram o uso de seusaplicativos em ambientes de trabalho. A Microsoft ainda insiste com osusurios: Sua privacidade nossa prioridade. As companhias sentiram ogolpe. No final de outubro de 2013, numa atitude sem precedentes, Google,Facebook, Apple, Microsoft, Yahoo e AOL recorreram ao Congressoamericano apelando para a rpida aprovao de mudanas na legislaoamericana sobre espionagem: Instamos o governo a trabalhar com o Congressopara enfrentar reformas crticas que proporcionem a muito necessriatransparncia e ajudem a reconstruir a confiana dos usurios de internet aoredor do mundo, escreveram em carta coletiva Comisso de Justia do

    Senado. [24]

    O antigo complexo industrial-militar da Guerra Fria se transformou em umconglomerado industrial de segurana da era digital. Cresceu como negcioglobal, onde as vendas de equipamentos, sistemas e redes se estendem constelao de organismos civis e militares dos EUA, dos aliados tradicionaise dos pases integrantes da Organizao do Tratado do Atlntico Norte (Otan).Em 2013 o Programa Nacional de Inteligncia dos EUA previa gastos de US$52 bilhes. O plano garantia o emprego de 107 mil pessoas na comunidade. Afatia da NSA nesse bolo foi de US$ 11 bilhes, com 35 mil empregos diretos.Na justificativa de gastos para 2013, apresentada ao Congresso sob aclassificao ultrassecreto, o governo Barack Obama foi explcito: Estamosreforando nosso apoio s capacidades para coleta Sigint (sigla em ingls paraInteligncia de sinais) de forma clandestina contra alvos de alta prioridade,includos lderes estrangeiros. Ademais, estamos investindo em inovadorascapacidades de criptoanlise para derrotar a criptografia adversria e explorar

    o trfego na internet. [25]

    20

  • Se antes o objetivo era a vitria sobre o comunismo sovitico, agora amisso a vigilncia planetria sobre tudo aquilo que possa vir a ser de

    interesse estratgico para os Estados Unidos. [26] Assim, as revelaes deSnowden talvez devessem nos animar a prestar muita ateno no segredo darecompilao de dados comerciais em nuvem, sugere Nicolas G. Carr, autor

    de obras sobre o impacto da tecnologia nos negcios e na cultura. [27]

    Nesse novo mundo no existem fronteiras, privacidade, sequer rudos.Espiona-se em silncio.

    Sem limites

    Os alvos primordiais so pessoas que exercem influncia sobre ocomportamento, o pensamento ou a ao nas reas poltica, militar e econmicade cada pas. Uma das primeiras coisas que aprendi no incio da carreira,ainda em 1963, que preciso aprender as intenes dos lderes, contouJames Clapper, diretor de Inteligncia Nacional, ao recordar seu ingresso noramo da espionagem. Espionar lderes estrangeiros um princpio bsico dasoperaes de Inteligncia, complementou o general Keith Alexander, diretor

    da NSA. [28]

    O Servio de Coleo Especial, SCS, produz Inteligncia considervel

    sobre a comunicao de lideranas [29]. No conjunto, responsvel pelamenor quantidade (cerca de 1%) da coleta clandestina de dados digitais nocircuito NSA-CIA. Por causa da presena local e da proximidade dos alvos,destaca-se na qualidade e na relao custo/benefcio. Representa, at certoponto, uma evoluo no modelo de aes secretas desenhado por RichardMervin Bissel Jr., antigo chefe dos servios clandestinos da CIA. Para ele, amedida do desenvolvimento operacional das estaes no exterior era dadapela intimidade dos agentes locais com o chefe de Estado e os responsveispela tomada de decises polticas e econmicas. Os grampos do SCSproporcionam intimidade em escala inimaginvel, em tempo real e 24 horas pordia.

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  • Tpico espcime da aristocracia da Costa Leste fundadora da CIA, com umdiploma de economista por Yale, Bissel ajudou a escrever o Plano Marshalldepois da Segunda Guerra e dirigiu a seo de Planos da agncia (1958-1962),que inclua equipes para assassinatos. reverenciado pelas inovaes em

    meios e mtodos na espionagem americana. [30] o patrono da construo doavio de reconhecimento de alta altitude U-2, que permitiu as primeirasfotografias do arsenal sovitico e selou a aliana da CIA com a indstriaamericana. E do Corona, o primeiro satlite-espio em rbita. Foi, tambm, umarquiteto de grandes fiascos. Um deles, o teste do U-2 em vo direto sobreMoscou e So Petersburgo (antiga Leningrado) no 1 de maio de 1960. Ossoviticos derrubaram o avio-espio, capturaram o piloto Francis GaryPowers e durante vrios dias o presidente Dwight Eisenhower viu-se expostoem monumental trapalhada. Numa segunda-feira, 9 de maio, entrou no Salo

    Oval da Casa Branca desabafando em voz alta: Eu gostaria de renunciar. [31]

    O maior desastre de Bissel, talvez, tenha sido tentativa de invadir Cuba, emabril de 1961. John Fitzgerald Kennedy estava h pouco tempo na Casa Branca.Bissel e seu amigo Allen Dulles, banqueiro, ex-diplomata e diretor deInteligncia da CIA, resolveram empared-lo. A ideia era derrubar Fidel Castro se possvel matando-o. Patrocinaram a ofensiva de 1.200 voluntriosrecrutados em Miami, apostando no apoio presidencial, com envio da ForaArea. Na segunda-feira, 17 de abril, a fora-tarefa desembarcou na Baa dosPorcos. Trs dias depois o problema estava resolvido: quem sobreviveuacabou preso. A reao de Kennedy foi mandar partir a CIA em mil pedaos e

    espalhar ao vento. [32] Demitiu Allen e Bissel.

    Foi em janeiro do ano seguinte que a NSA lanou seu navio-espio USSOxford no Atlntico Sul, em uma jornada com escalas previstas no Recife e noRio. O Oxford exibia uma grande antena plantada no meio do convs, emformato de meia-lua, para captao de emisses eletromagnticas. Uma de suasprimeiras misses de espionagem foi a conferncia de chanceleres daOrganizao dos Estados Americanos (OEA), em Punta del Este, Uruguai. As

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  • interceptaes ajudaram o Departamento de Estado a articular uma ao

    coletiva, iniciando o bloqueio econmico a Cuba. [33]

    Na tera-feira, 19 de julho de 1962, o comandante do Oxford,ThomasAvery Cosgrove, margeava o Brasil quando recebeu ordem de rumarimediatamente para o litoral de Cuba: Alta prioridade de Inteligncia, era ajustificativa. Trs dias depois, a NSA reportou Casa Branca quatro,possivelmente cinco navios soviticos em rota para Cuba, compossivelmente 3.335 passageiros a bordo. Feitas as contas, em pouco mais deum ms 57 cargueiros soviticos aportaram em Havana. Na sequncia daquelaprimavera apareceram mais nove navios, cuja capacidade de transporte,somada, equivalia a 20 mil passageiros. Desembarcavam sempre noite e, na

    maioria, eram militares. [34

    Num tpico domingo de outono, os americanos foram acordados com aexibio na imprensa de fotografias de msseis balsticos soviticosestacionados na ilha de Fidel, a 150 quilmetros de Miami. Um avio-espioU-2, que Bissel ajudara a projetar e testar, trouxe imagens de quase 40 silos.Ficou evidente, naquele 14 de outubro, tratar-se de uma resposta da UnioSovitica instalao de armas nucleares americanas na Turquia, Gr-Bretanhae Itlia, todas apontadas para Moscou. Seguiram-se 13 dias de suspense.

    Washington pediu ajuda a Braslia para lembrar a Fidel as duas nicasopes: A derrocada de seu regime, se no sua destruio fsica, ougarantias, sem importar se temos inteno de cumpri-las, de que norealizaramos pessoalmente a derrocada do regime, caso retirasse os msseis etcnicos soviticos da ilha. Kennedy aprovou o envio dessa mensagem nosbado, dia 20, sob o diplomtico disfarce de iniciativa de paz brasileiraenviada pelo governo do presidente Joo Goulart, segundo relatrios oficiais,cuja liberao foi obtida meio sculo depois pelo National Security Archive. Acrise acabou no domingo seguinte, dia 28. O lder sovitico Nikita Kruschevretirou os msseis de Cuba em troca de duas promessas de Kennedy: empblico, o anncio de que no invadiria a ilha; em privado, acordo para fazer

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  • sumir os msseis americanos da Turquia no futuro. Vinte quatro horas depoisdesse acerto ao telefone, na segunda-feira 29, o emissrio de Goulart chegou a

    Havana. [35]

    O mundo j dormia sem o espectro da guerra atmica, e o Oxford, denovo, rumava ao Sul do Atlntico. Na barra do Rio de Janeiro, o comandante donavio-espio da NSA viu-se ladeado por naves brasileiras. Convidado aoporto, ficou surpreso ao receber facilidades para atracar entre dois pontos deconexo (links) do sistema de micro-ondas para comunicaes sigilosas daMarinha do Brasil. Alegria a bordo com as boas-vindas ao Rio de Janeiro.Copiamos tudo que pudemos, contou o operador de rdio Aubrey Brown ao

    escritor James Bamford, historiador da NSA. [36]

    A combinao de meios humanos com tecnologia a frmula preferencial naespionagem americana na sua tentativa de aperfeioar a capacidade de previsode crises ou de reduzir o histrico de fracassos retumbantes como o doarsenal de armas de destruio em massa do ditador iraquiano Saddam Hussein.O resultado uma obsessiva busca pela informao sem limites comosugere o irnico codinome (Boundless Informant) de um dos programas-espiesmais usados pela NSA. Ele ampliou a capacidade da estao SCS emBraslia de ler e escutar comunicaes de presidentes, dentro e fora do Palciodo Planalto. H indcios claros de que Lula foi monitorado entre 2007 e 2010nas negociaes com o Ir. Sua sucessora, Dilma Rousseff, foi espionada por

    tempo suficiente para mapeamento de toda sua rede de contatos. [37]

    No mapa-mndi da espionagem americana, Braslia se destaca como nicacidade abaixo do Equador integrada a uma rede de 16 estaesespecializadas em coletar dados a partir do grampo em satlites. esse o canalpor onde flui a maior parte das comunicaes telefnicas, privadas egovernamentais, inclusive diplomticas e militares, em geral criptografadas.

    Uma rarefeita proteo mantm a rede brasileira de portas abertas paraquem quiser espion-la. O pas privatizou a rea de telecomunicaes h duas

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  • dcadas, tornou-se um dos maiores mercados em telefonia e computao, masno constri nem domina a infraestrutura digital. Gasta US$ 650 milhes ao anono aluguel de cabos para entrar na internet, a partir dos conectores instaladosem territrio americano. Toda produo digital brasileira levada por cabossubmarinos que margeiam o litoral do Rio, de Santos e Fortaleza. Da seguempara os Pontos de Troca de Trfego instalados nos Estados Unidos, onde feitaa conexo com o resto do mundo, em fraes de segundos. A diplomaciaamericana admitiu a filtragem de dados, mas fora do territrio brasileiro.

    Em 1968, o Brasil projetou a construo de um satlite nacional, mas 45anos depois sequer possua um nico que pudesse chamar de seu. Alugavatodos. Em 2013 contavam-se oito, todos de empresas estrangeiras, do tipogeoestacionrio estacionados sobre uma regio, em geral na Linha doEquador. Dependente, sem poltica de defesa ciberntica e sem padres locaisde estmulo proteo da privacidade, perdeu-se no labirinto da burocraciasetorial: decises sobre segurana em comunicaes brasileiras envolvem nadamenos que 35 departamentos de 15 ministrios e mais de 300 organismos

    federais, estaduais e municipais. [38] Os EUA avanam na direo oposta: a leiprotege a espionagem de estrangeiros, e polticas oficiais induzem a alianasentre as agncias secretas e empresas privadas.

    Braslia se transformou na capital sul-americana da espionagem via satlitecom uso do Primary Fornsat Collection Operations, programa desenvolvidopela NSA especificamente para sugar sinais digitais em trnsito por satlitesestrangeiros. Nas operaes Fornsat, a fora-tarefa de Braslia tem apoio dogrupamento de atividades de segurana instalado 4.300 quilmetros ao Norte,em Sabana Seca, no distrito de Toa Baja, em Porto Rico. Essa base naval foidemolida e reconstruda depois de uma tragdia em 1979, quando terroristaslocais emboscaram e massacraram 11 militares, a maioria criptoanalistas.

    Sabana Seca est integrada a outro aparato de espionagem eletrnica dosEUA, o Echelon. Por ele os EUA puderam acompanhar, entre 2000 e 2001,negociaes do governo brasileiro com a empresa francesa Thomson-CSF para

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  • a compra de um conjunto de radares destinado Amaznia. O contedo daproposta francesa chegou concorrente americana Raytheon, fornecedora doDepartamento de Defesa dos EUA. A Raytheon ganhou o contrato bilionrio do

    Projeto Sivam. [39]

    O caso Sivam considerado exemplo de espionagem econmica defensivapara os Estados Unidos, porque havia certeza de que empresas estrangeirasestavam usando suborno para obter vantagens de mercado sobre empresasamericanas, segundo relatrio governamental apresentado ao Congresso em1995. As perdas somaram US$ 45 bilhes, pela contabilidade oficial na poca.O grampo em Braslia, aparentemente feito dentro do Palcio do Planalto, foiautorizado pelo diplomata Robert James Wolsey Jr., ento diretor deInteligncia Nacional e chefe da CIA.

    Cinco anos depois, aposentado e na vice-presidncia da Booz AllenHamilton, Wolsey Jr. publicou um artigo no Wall Street Journal comentandoo episdio brasileiro e outro similar na Arbia Saudita, onde a Boeing brigavacom a Airbus por uma bilionria encomenda de avies. Vamos comear comum pouco de sinceridade do lado americano, escreveu o ex-chefe da CIA.Sim, meus amigos da Europa continental, temos espionado vocs. E verdadeque utilizamos computadores para classificar dados usando palavras-chave.Vocs j pararam para se perguntar o que estamos procurando?

    Prosseguiu: O recente relatrio do Parlamento Europeu sobre o Echelon,escrito pelo jornalista britnico Duncan Campbell, provocou acusaes iradasda Europa continental de que a Inteligncia dos EUA est roubando tecnologiaavanada de empresas europeias para que possamos imaginem s d-la aempresas americanas e ajud-las a competir. Meus amigos europeus, caiam nareal. Na verdade, em um punhado de reas a tecnologia europeia supera aamericana, mas, para dizer isso to suavemente quanto puder, o nmero de taisreas muito, muito, muito pequeno. (...) Por que, ento, temos espionadovocs? A resposta bastante evidente a partir do relatrio de Campbell nadiscusso dos dois nicos casos em que as empresas europeias tenham sido,

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  • supostamente, alvos da secreta coleta de inteligncia. Sobre a Thomson-CSF, orelatrio diz: A empresa foi acusada de ter subornado membros da comissojulgadora [da licitao] do governo brasileiro. Sobre a Airbus, diz que seconcluiu que os agentes da Airbus estavam oferecendo suborno a umfuncionrio saudita. Estes fatos, inevitavelmente, tm sido deixados de fora daimprensa europeia. isso mesmo, meus amigos da Europa continental, temosespionado porque vocs subornam.

    Por que voc subornam?, provocou. No porque suas empresas sejaminerentemente mais corruptas. Tambm no porque vocs sejam inerentementemenos talentosos em tecnologia. porque o seu santo padroeiro econmicoainda Jean Baptiste Colbert [ministro das Finanas de Lus XIV, responsvelpela expanso do poder estatal na economia]. O nosso Adam Smith [expoentedo Iluminismo na Esccia, considerado o pai do liberalismo na economiamoderna]. Apesar de algumas reformas recentes, os governos, em grande parte,ainda dominam suas economias, ento vocs tm muito mais dificuldade nainovao do que ns, no incentivo mobilidade dos trabalhadores, na reduodos custos, na atrao do capital para novas empresas que se movem eprecisam se adaptar rapidamente s mudanas das circunstncias econmicas(...). Levem a srio, europeus. Parem de nos culpar e reformem suas prpriaspolticas econmicas estatizantes. Quando suas empresas se tornarem maiseficientes e inovadoras, no vo precisar recorrer aos subornos para competir.

    E, ento, no ser preciso espion-los. [40]

    Os EUA mantm outras seis estaes Fornsat, de espionagem em satlitesestrangeiros (Sugar Grove e Yakima, em seu territrio; Harrogate, na Gr-Bretanha; Bad Aibling, na Alemanha; Misawa, no Japo; Bangoc, na Tailndia;e Nova Dlhi, na ndia). Tambm contam com a participao de aliados comoGr-Bretanha, Om, Qunia, Chipre, Austrlia e Nova Zelndia. No entanto,

    apenas em Braslia e Nova Dlhi o Fornsat operado por equipes SCS. [41]

    A grande estrutura de espionagem digital possibilita que as informaesobtidas de fontes humanas ou sugadas de mquinas em qualquer lugar de

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  • Luanda a Istambul, de La Paz a Pequim , sejam decodificadas, processadas edistribudas praticamente em tempo real aos clientes em Washington. Issoacontece a partir de bases espalhadas no mapa-mndi, entre o cerradobrasileiro, o deserto de areia vermelha da australiana Alice Springs, as guassulfurosas do balnerio ingls de Harrogate e o semirido da americana

    Denver. [42]

    A NSA armazena tudo o que coleta, inclusive dados pessoais. No se sabeexatamente como os utiliza, mas os documentos internos revelam a aspiraopomposa de domnio total de informaes que possam servir formulao dapoltica externa americana em uma nova ordem. a repetio, agora em escalaglobal, de um clssico da espionagem sob a nvoa e a lama da Europa do ps-guerra: o supergrampo do Tnel de Berlim codinome Operao Ouro nosEUA e Operao Cronmetro na Gr-Bretanha.

    Em meados dos anos 50, os aliados combinaram a montagem de uma grandearmadilha sobre fios telefnicos nos subterrneos da ento Berlim Oriental,dominada pela Unio Sovitica. Entre os agentes encarregados destacava-seGeorge Blake, nascido Behar, chefe da estao local do servio britnicoMI6. Era 1955 e, em Londres, Winston Churchill renunciava ao cargo deprimeiro-ministro. Em Bonn, proclamava-se a Alemanha Ocidental como naosoberana. No sbado 14 de maio, enquanto Moscou assinava um tratado dedefesa mtua conhecido como Pacto de Varsvia com mais sete pasescomunistas, o tnel estava praticamente pronto. Passava sob uma rua prximaao quartel-general do Exrcito sovitico em Berlim Oriental.

    Nos 11 meses e 11 dias seguintes, americanos e britnicos grampearamcerca de um milho de ligaes telefnicas. A festa acabou quando soldadossoviticos apareceram na boca do tnel, no dia 21 de abril de 1956. Aindaassim, os aliados comemoraram. A operao representava uma virada depgina na histria da espionagem, sinalizando uma nova era a eletrnica ,com inimaginveis fluxos de informaes exclusivas, obtidas em absolutosilncio. Era tanto material coletado que a transcrio se estendeu at o final

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  • daquela dcada.

    Tempos depois, em 1961, descobriu-se que o britnico Blake era agenteduplo. E mais: informara aos soviticos sobre o tnel desde a fase deplanejamento, alm de entregar toda a rede de espies ocidentais do outro ladodo Muro de Berlim. A KGB, claro, deixara a obra seguir para se aproveitar dosupergrampo como veculo de desinformao. Blake foi preso, julgado econdenado a 42 anos de cadeia. Fugiu em 1996. Sumiu dos grampos, mapas eradares.

    Alguns veem essa histria como xito. Outros enxergam fracasso. Emqualquer hiptese, no difcil constatar a dimenso de absurdo entre acaptao do milho de tagarelices telefnicas no tnel e mais de dois bilhes defalatrio e mensagens espionadas em janeiro de 2012 nos Estados Unidos e noBrasil. Na essncia, o problema permanece o mesmo, 57 anos depois dosupergrampo no Tnel de Berlim: o controle efetivo dos servios secretos paraimpedir a irracionalidade inata das operaes clandestinas.

    A NSA comeou a se tornar cone de uma cultura de vigilncia, baseada nomapeamento digital sobre o que as pessoas, governos e empresas pensam, ecomo todos se comportam. Tudo feito de forma imperceptvel. Servimos emsilncio anuncia a inscrio numa placa de mrmore na entrada da sede daNSA, no quartel de Meade, em Maryland.

    Cinco Olhos

    O SCS a chave de conexo nas operaes especiais da NSA, da CIA e deagncias estrangeiras aliadas. Parte dos dados capturados pelas estaeseuropeias, como a de Berlim, transmitida a Washington a partir de um centrode comunicaes na base area de Croughton (Northamptonshire), a 80quilmetros de Londres. Ali tambm funciona uma rede paralela da GCHQ(sigla em ingls do servio secreto para espionagem digital).

    Exemplo da cooperao est no contrato de US$ 22 milhes feito pelogoverno britnico em 2013 com a British Telecom para montagem de um cabo

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  • submarino de fibra ptica ligando Croughton a uma base americana situada aseis mil quilmetros de distncia, na pennsula de Djibouti, nordeste da frica.Antiga colnia francesa, o pas um pedao de deserto com 600 mil habitantesque acaba em um porto no Oceano ndico. Tornou-se um centro de espionagemdepois dos atentados terroristas contra os EUA em 2001. Dali, atualmente, aCIA coordena sua frota de avies no tripulados (os drones) em ataques naoutra margem do Golfo de Aden, contra faces da al-Qaeda baseadas no

    Imen. [43]

    Essa aliana de servios secretos remonta Segunda Guerra, quando tropasde Hitler atravessaram o Arco do Triunfo na Paris de 1940. O comrcio dosEUA com a Europa estava bloqueado, e a Gr-Bretanha, acuada pela mquinade destruio nazista no Atlntico Norte, onde imperavam os submarinosalemes U-Boat. Dois mil navios jaziam no leito ocenico quando o primeiro-ministro Winston Churchill enviou um ba ao presidente Franklin DelanoRoosevelt.

    Nele havia uma coleo de memorandos e desenhos para uma superbombaradioativa, motores a jato, supercompressores, explosivos plsticos, mirasgiroscpicas e radares (entre eles o Magnetron n 1, instalvel em qualquerponto de um campo de batalha, com indita capacidade de deteco desubmarinos). Os britnicos repassavam seu arsenal de vanguarda em tecnologiae prospeces cientfico-militares, recebendo em troca o acesso s linhas de

    produo da indstria americana. [44] Provavelmente, foi a carga a maisvaliosa transportada no sculo XX. Contribuiu para a evoluo dos EUA posio atual de potncia em tecnologia, responsvel por 31% do gasto mundial

    em Pesquisa e Desenvolvimento estimado em US$ 1,4 trilho em 2012. [45]

    Roosevelt vinha sendo estimulado por cientistas como Albert Einstein, LeSzilrd e Eugene Paul Wigner a acelerar pesquisas sobre um novo tipo deartefato, baseado na teoria da fisso nuclear do fsico italiano Enrico Fermi

    (prmio Nobel em 1938). [46] Desde a invaso nazista da Polnia, emsetembro de 1939, governos nas duas margens do Atlntico estavam seduzidos

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  • pelas possibilidades blicas da reao nuclear em cadeia. Seis meses depois,os fsicos Otto Robert Frisch e Rudolf Ernest Peierls demonstraram naUniversidade de Birmingham um mtodo pelo qual o urnio-235 poderia sermontado em uma arma. Naquele maro de 1940, a Gr-Bretanha se uniu aoCanad no primeiro projeto de uma arma nuclear. O codinome desseempreendimento era Tube Alloys. Churchill queria mais, queria plenacooperao dos EUA em armas, tropas e informaes. Quando o ba apareceuem Washington, um dos cientistas envolvidos no Tube Alloys, Marcus Oliphant,j estava na Califrnia em reunies com fsicos americanos, entre eles ErnestLawrence (Nobel de 1939) e Artur Holly Compton (Nobel de 1927).

    A essa altura, os cenrios de guerra incluam a possibilidade de as tropas deHitler invadirem a Pennsula Ibrica e fazer de Lisboa seu porto para ataquesnas Amricas. O almirantado britnico enviou a Lisboa seu agente Ian LancasterFleming para preparar uma rede segura de comunicaes com Londres, em casode invaso. Fleming, futuro autor dos romances de James Bond, instalou-se noHotel Palcio, no Estoril, e pouco tempo depois recebeu ordens de viajar aNova York. Desembarcou no Aeroporto La Guardia na tarde do dia 25 de maiode 1941 e encontrou-se com seu chefe, almirante John Godfrey, fonte deinspirao do fictcio M nos livros de Fleming. Nas sombras da guerra,

    Bond e M estudaram em detalhes a segurana dos portos americanos. [47]

    Roosevelt remanchava a deciso sobre o programa atmico, que passou Histria como Projeto Manhattan. Autorizou na quinta-feira, 9 de outubro de1941, delegando a superviso a um comit presidido por ele jamais esteveem uma reunio. A princpio, sob o olhar complacente da Casa Branca, aburocracia militar relutou em cooperar com britnicos e canadenses, emboratenha se beneficiado de suas pesquisas. Em pouco tempo Washington assumiu aliderana na corrida para a da bomba entre os aliados. Em Berlim, ospesquisadores de Hitler ainda patinavam em simulaes no Instituto KaiserWilhelm. Em Londres avanava-se somente no vazamento para Moscou Stlin recebia cpias atualizadas de relatrios cientficos britnicos vazados

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  • para a rede comandada por Laurenti Beria.

    Passaram-se 59 dias desde a autorizao de Roosevelt para a decolagem doProjeto Manhattan. 1h28m do domingo 7 de dezembro, uma impressoraquebrou o silncio na sala 1649 do edifcio-sede da Marinha, na Avenida daConstituio, em Washington. Da mquina saltou uma curta mensageminterceptada do governo do Japo. O cdigo diplomtico japons conhecidocomo Purple (Prpura) havia sido decifrado trs meses antes pelas agnciasdo Exrcito e Marinha. Elas trabalhavam em harmonia, mas s at o momento

    de deciso sobre quem levaria os relatrios ao presidente. [48]

    Tquio instrua seu embaixador em Washington para aguardar umatransmisso importante 12 horas depois e lev-la ao Departamento de Estado. OJapo comeava a executar o plano ttico do almirante Isoroku Yamamoto paraum ataque-surpresa com 353 avies base de Pearl Harbor, no Hava. No diaseguinte a frota americana para o Pacfico estava praticamente imobilizada,contabilizando a perda de 18 navios, 347 avies, 2.403 mortos e mais de milferidos. Roosevelt, at ento relutante, s teve uma opo entrar na SegundaGuerra Mundial. Churchill anotou em suas memrias: Fui para a cama e dormi

    o sono dos salvos e agradecidos. [49]

    Enquanto isso, em Genebra, o chefe da Inteligncia japonesa na Europa,Yamato Ominata, vendia por US$ 20 mil ao Escritrio Central de Segurana doReich um pacote de cdigos diplomticos entre eles o do Brasil. Os nazistasestavam montando a Rede Bolvar na Amrica do Sul, com agentes do Mxico Patagnia. O engenheiro eletrnico polons Josef Jacob Johannes Starziczny foienviado ao Rio. Com pouco mais de 40 anos, sob o codinome dinamarqus deNiels Christian Christensen, ele se instalou na cidade com a cobertura deempregado de uma empresa exportadora de caf, a Wille, Schimillinski e Cia.Numa sexta-feira, 6 de maro de 1942, viu aportar o cruzeiro britnico QueenMary com 10 mil soldados a bordo. Navegava sem comboio de escolta presa fcil para um submarino U-Boat. Starziczny fez seguidos relatos aoalmirantado alemo em Hamburgo. Sabe-se que pelo menos uma das mensagens

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  • foi interceptada em Laredo, no Texas. [50] Alertou-se o comandante do navio,que mudou a rota. Na semana seguinte ele foi preso em casa, no Leblon. A RedeBolvar foi desmembrada no Brasil com a priso de uma centena de pessoas,

    entre agentes e suspeitos de colaborao com o nazismo. [51]

    Em maro de 1946, com a Alemanha e o Japo derrotados e ocupados, e adevastada Hiroshima contemplando a primeira florada ps-ataque atmico oleandros rseos e brancos, belos e mortalmente txicos , Churchill visitavaos Estados Unidos. Sem deixar de reivindicar o seu champanhe (No possoviver sem. Na vitria, mereo; na derrota, preciso), discursou na tera-feira 5numa escola da cidade de Fulton, no Missouri, sobre a urgncia de renovaoda aliana britnico-americana para enfrentar o expansionismo da UnioSovitica. Usou a imagem uma cortina de ferro descendo sobre a Europa aoreconhecer um estado de guerra fria contra Moscou e aliados. Nesse mesmodia a Gr-Bretanha e os Estados Unidos assinaram um tratado secreto paracompartilhamento de informaes coletadas por meios eletrnicos, conhecidocomo Ukusa (de United Kingdom-United States Communications IntelligenceAgreement). Foi estendido ao Canad, em 1949, e depois Austrlia, em 1953.Exatos 34 anos depois, em maro de 1980, houve a adeso da Nova Zelndia. Apartir da, o conglomerado de espionagem global ganhou um codinome: FiveEyes (Cinco Olhos).

    O Santo Patrono

    No incio da tarde de sexta-feira, 19 de agosto de 1960, um objeto riscou o cusobre um ponto do Oceano Pacfico, prximo ao Hava. Seu formato lembravaum fogareiro, na descrio do historiador de cincias George Dyson. Oparaquedas abriu, o aparato de metal foi pescado por um cargueiro 119-C daFora Area e levado para a base de Mountain View, na Califrnia. Da cpsulafoi retirado um rolo com pouco mais de 914 metros de filme 70 milmetrosKodak. Trazia imagens tomadas do espao sobre 4,2 mil quilmetros quadradosdo territrio da Unio Sovitica rea quatro vezes maior, por exemplo, que acidade do Rio de Janeiro.

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  • Era a 14 tentativa, depois de 13 fracassos sucessivos. Tudo mudou. Os EUAconseguiram imagens ntidas e inditas do arsenal nuclear sovitico. Corona,codinome do programa da NSA e CIA coordenado pela Agncia de Projetos dePesquisa Avanada (Arpa, na sigla em ingls), considerada a operao decoleta de dados mais produtiva do perodo, pelas informaes queproporcionou: revelou que a antiga URSS no possua tantos msseis e fogueteslanadores quanto os Estados Unidos contabilizavam. Pela primeira vez, osEUA conseguiam acompanhar, de forma regular e em grande escala, a evoluoblica da Unio Sovitica. O programa Corona refreou a corrida armamentistana Guerra Fria e forneceu a base para quase todas as tecnologias demapeamento aeroespacial desenvolvidas nos ltimos 50 anos. Foi mantido peladcada seguinte e somou 126 viagens orbitais. o precursor do sofisticadoGoogle Earth, que permite a qualquer pessoa, em qualquer lugar, acesso aimagens de satlites.

    Vinte e trs anos mais tarde, em 1995, o presidente Bill Clinton levantou osegredo, e Albert Wheelon, diretor do programa na CIA, recordou: Os dadosdo Corona rapidamente assumiram um papel decisivo, equivalente ao que asinterceptaes do Enigma tiveram na Segunda Guerra Mundial. Porttil (12quilos) e simples no manejo, Enigma era o aparelho de criptografia por trs damquina de destruio nazista. Criado pelo engenheiro eltrico alemo ArthurScherbius, tinha um sistema de cdigos mutvel e, supostamente, impenetrvel.Na vida real, foi decifrado na Estao X, mantida pelo MI6 britnico em umamanso vitoriana em Bletchley Park, a 80 quilmetros de Londres (o X nosimbolizava mistrio algum, apenas indicava a dcima unidade de uma agncia

    habituada a identificar sua instalaes com numerao romana). [52] Em doisanos, o volume de mensagens Enigma capturadas e decodificadas chegou mdia de 60 mil ao ms.

    Bletchley Park era o campo de batalha de um pequeno exrcito de mentesbrilhantes recrutadas nas universidades de Oxford e Cambridge. Na Sala 40,por exemplo, o papirologista Alfred Dillwyn Knox veterano da Primeira

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  • Guerra Mundial supervisionava uma equipe de mulheres criptoanalistas, asgarotas de Dilly moas inglesas remexendo papis ao longo de um diaencharcado em Bletchley, como descreveu num texto de 1941 mantido pelogoverno como confidencial at 1978.

    No improvisado Anexo 11 destacava-se o jovem Alan Mathinson Turing.Aos 24 anos, ele fez um manuscrito puramente matemtico com um projetodetalhado da mquina de computao universal, indicando de forma precisaas capacidades, limitaes e dispositivos dos computadores digitais. Hoje umcone gay, Turing guiou o mundo era digital. Em 1936, ele formulou ocrebro eletrnico e a minerao de dados por algoritmos. Na SegundaGuerra, teve papel decisivo na quebra do cdigo alemo Enigma e na criaodo computador Colossus. Para o bigrafo e historiador George Dyson (autor deTurings cathedral: The origins of the digital universe), Turing um dos

    santos patronos da NSA. [53]

    Muitos dos envolvidos na fora-tarefa SCS de 2010 sequer haviam nascidoquando o Ir passou lista de alvos prioritrios dos Estados Unidos. Foi emagosto de 1953, quando os EUA se uniram Gr-Bretanha para ajudar aderrubar o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh. Aristocrata de paibanqueiro e me princesa, cuja famlia governara o Ir durante sculo e meio,era um poltico popular. Em flerte com a oposio, a ento proscrita hierarquiaxiita, entrou em confronto direto com o x Reza Pahlevi e empresas estrangeirasao nacionalizar o petrleo, a pesca e os servios de comunicaes. Derrubado,preso e condenado, em meio a uma convulso poltica patrocinada pela CIA,Mossadegh morreu de cncer em 1967. O x garantiu a permanncia no Tronodo Pavo com uma polcia secreta violenta, a Savak, mas no resistiu ao roncodas ruas pela voz do aiatol Ruhollah Musavi Khomeini. Oito meses apsassumir o poder, Khomeini permitiu a invaso da Embaixada dos EUA emTeer numa manh de domingo, 4 de novembro de 1979.

    Trinta e um anos mais tarde, Washington e Teer prosseguiam no esforopara demonstrar que a memria do ressentido uma digesto interminvel.

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  • Agora, o SCS recebia sucessivas ordens para fechar o cerco ao programanuclear secreto iraniano. Barack Obama subira o tom na exigncia de rendiodo regime dos aiatols. Depois de um ano e meio de governo, queria adesmontagem do projeto militar sob inspeo da Agncia Internacional deEnergia Atmica (AIEA). resistncia evidente, persistente e pontuada pelaretrica acrimoniosa da liderana iraniana, Obama retrucou com um projeto denovas e duras sanes econmicas. Mas no era simples, nem mesmo para ocomandante em chefe da maior potncia militar.

    Havia herdado duas guerras simultneas, ambas travadas ao longo de 2.400quilmetros de fronteiras iranianas (Afeganisto, 900 quilmetros de divisa aoleste, e Iraque, 1.500 quilmetros a oeste). Legado pior, impossvel. Qualquerfuturo secretrio de Defesa que aconselhe o presidente a enviar novamente umgrande exrcito terrestre sia, ao Oriente Mdio ou frica deve ter suacabea examinada, ironizou Robert Gates ao se despedir do comando doDepartamento de Defesa, em 2011, com um discurso na academia militar deWest Point.

    Obama precisava de legitimidade para pressionar o regime dos aiatols.Significava aprovar as sanes no Conselho de Segurana da ONU. Paranegociar com xito, precisava de informaes e anlises antecipandomovimentos de aliados e adversrios com margem de segurana. Para isso, aNSA e a CIA estavam em campo. Servios de espionagem recebem dopresidente seu ar e sua luz, definiu Stansfield Turner, diretor de Inteligncia daCIA no perodo 1977-1981: A intensidade com que um presidente as inclui emseus planos e pensamentos determina o quanto podem direcionar seus esforos

    para servi-lo. [54]. O fluxo de dados na central de Beltsville refletia oempenho das equipes SCS em atender Casa Branca.

    Na contabilidade da Inteligncia americana, o Ir era um dos maiorespassivos a descoberto desde a Guerra Fria. Para a CIA e a NSA, especialmentecriticadas por no coordenarem as aes, ou porque a burocracia insistia emseguir em direo oposta realidade. No final de 1978, por exemplo, enquanto

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  • os servios garantiam ao presidente Jimmy Carter que Pahlevi seguia estvel noTrono do Pavo, o chefe da estao da CIA em Teer, Howard Hart,reportava concluses diferentes. Em janeiro de 1979, quando o x fugia,acossado, Hart foi cercado na rua por por integrantes da Guarda

    Revolucionria. Espancado, sacou a pistola. Matou dois e escapou. [55]

    A cadeia de comando da espionagem americana ocultou da Casa Branca aperda do x, do Ir e de seus poos de petrleo para o aiatol Khomeini. Nadcada seguinte voltou-se para o Iraque e produziu mais dois fiascos: nopreviu a invaso do Kuwait em 1990 pelas tropas de Saddam Hussein eperseguiu um quimrico arsenal de armas de destruio em massa nos anosposteriores, o que levou invaso e ocupao do Iraque em 2003. Saddam foicapturado, enforcado diante de cmeras. No havia arsenal. Enquanto isso, ateocracia do Ir desenvolvia um programa nuclear e as agncias americanasno perceberam.

    O erro colossal sobre o programa atmico de Teer indicou a hegemonia daquantidade sobre a qualidade na linha de produo dos servios secretos apilha de lixo de US$ 40 bilhes que nos tornou famosos, na definio de CarlW. Ford Jr., ex-agente da CIA e secretrio-assistente para Inteligncia e

    Pesquisa do Departamento de Estado. [56] As agncias compunham umaburocracia rgida, incapaz de obter at mesmo um minsculo sucesso, naconcluso amarga do deputado republicano (pela Flrida) Porter Johnston Goss

    em relatrio da Comisso de Inteligncia da Cmara, por ele presidida. [57]

    Ex-agente da diviso latino-americana nos anos 60, foi escolhido pelopresidente George W. Bush para comandar a CIA, depois do desastre emBagd. Ficou 20 meses no cargo. No Natal de 2005 esteve em Ancara paraalertar o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdoan, sobre um iminenteataque areo dos EUA contra o Ir e a Sria.

    A CIA estava na raiz dos fracassos e dos xitos da comunidade deinformaes americana. Era sua face mais visvel desde a Segunda Guerra

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  • Mundial elitizada, romanceada, prestigiada com bilionrios oramentos epolmica pelo envolvimento em golpes de estado e assassinatos de lderesestrangeiros. Servira de modelo criao de servios secretos em pases comoo Brasil. Logo depois do golpe de estado de 1964, o general Golbery do Coutoe Silva criou o Servio Nacional de Informaes. Ele desenhou o SNIpraticamente sozinho, durante as viagens dirias de lotao micro-nibuspara 20 passageiros sentados , no penoso percurso de uma hora entre oescritrio, no Centro do Rio, e sua casa em Jacarepagu, no subrbio carioca.

    Imaginou uma CIA voltada para dentro. [58]

    A NSA, ento, era plida sombra. Nascera na invisibilidade em 1952 e sfoi admitida no Manual de Organizao do Governo dos Estados Unidos de1957, ainda assim sob um vago indicativo de especializao tcnica comfunes de coordenao relativas segurana nacional. Seu negcio era econtinua sendo espionar comunicaes de outros pases, decifrar cdigosusados por governos, empresas, pessoas e, tambm, desenvolver sistemas decriptografia para o governo dos EUA. Tem a cobertura de vasta legislao euma srie de ordens executivas presidenciais, equivalentes a decretos, quedeterminam a espionagem de estrangeiros, dentro e fora do territrio dosEstados Unidos.

    A parceria entre as duas agncias foi moldada com intermitncias durante aGuerra Fria, quando a NSA chegou a planejar 4.120 bases terrestres de

    interceptao de sinais emanados da Unio Sovitica [59]. O satlite-espioCorona e sucessores ajudaram no censo do arsenal do Kremlin, mas noproporcionaram o mais relevante informaes sobre o colapso docomunismo sovitico.

    Na fria noite de quinta-feira 9 de novembro de 1989, a CNN comeou atransmitir imagens de Berlim, nas quais milhares de pessoas apareciamderrubando o maior smbolo da Guerra Fria, erguido 28 anos antes, com 66,5quilmetros de extenso, 127 grades de metal eletrificadas, patrulhado por cesferozes e militares com ordem para matar. O jornalista Tim Weiner, autor do

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  • livro Legado de cinzas (publicado nos EUA em 2007), conta que MiltBearden, chefe dos servios clandestinos da CIA, sentou-se diante da televiso.Emudecido. Era a imagem da comunidade de informaes americana,especialmente a CIA, diante de trs problemas simultneos: como interpretar,se no previra e no pudera prever por absoluto desconhecimento do fim docomunismo sovitico; como superar a CNN, que apresentava informaes eanlises em tempo real; e, mais difcil, o que fazer depois da queda do Muro deBerlim. O declnio dos soviticos partiu o corao da CIA, conta Weiner nolivro. Como a agncia poderia viver sem seu inimigo? Houve um tempo emque era fcil para a CIA ser nica e mtica respondeu Milt Bearden, japosentado. No era uma instituio. Era uma misso. E a misso era umacruzada. Ento tiraram a Unio Sovitica de ns, e no havia mais nada. Notemos uma histria. No temos um heri. At nossas medalhas so secretas. Eagora a misso acabou. Fini.

    O imprio sovitico era pgina virada na Histria dois anos depois. Semnovo inimigo, a interao das agncias patinava no compasso dos espasmosburocrticos. A desagregao persistiu. George Tenet, que comandou a CIA etodas agncias americanas de espionagem internacional de 1997 a 2004, deu amedida desse clima arisco em dezembro de 1999, em uma conferncia naUniversidade Georgetown: No fim do dia, o homem e a mulher da Intelignciaamericana no os satlites, ou sensores ou computadores de alta velocidade que so os nossos mais preciosos ativos.

    Procurado: vivo ou morto

    No incio de fevereiro de 1993, a analista da CIA Nara Bakus redigiu oprimeiro aviso da agncia Casa Branca sobre ameaas aos Estados Unidosfeitas por um rico empresrio saudita, financiador de grupos terroristas demltiplas nacionalidades. Era Osama bin Laden. Na sexta-feira, 26 de fevereirode 1993, um carro-bomba foi detonado por uma das faces radicaispatrocinada por ele no estacionamento do World Trade Center, ondefuncionavam escritrios dos servios secretos. Nara integrava a Estao Alec,

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  • codinome de uma unidade criada dois anos antes na esteira de ataques emdiferentes pases. Somava oito pessoas, entre elas seis mulheres. Elasperceberam um padro nos atentados eram anormais, diferente de tudo quese conhecia at ento como terrorismo poltico.

    Havia uma novidade no mundo islmico, mas a espionagem americana, apscinco dcadas entretida com o inimigo comunista, mostrava-se cega, surda emuda. Sem prestgio e absolutamente isoladas, as mulheres da Alec criaramseus prprios mtodos basicamente, planilhas de nomes e eventos. Levaramcinco anos para concluir sobre um denominador comum entre os grupos, osatentados e os terroristas. Cindy Storer escreveu um aviso da CIA CasaBranca sobre Bin Laden e a al-Qaeda. Foi o primeiro de uma srie, coordenada

    por Jennifer Matthews. [60] Na Casa Branca, trs presidentes receberam essesalertas, em boletins dirios das atividades de espionagem (George Bush, 1989-1993; Bill Clinton, 1993-2001; e George W. Bush, 2001-2009). Quando aburocracia lhes deu ateno, exigiu respostas precisas sobre como e ondeseriam os prximos atentados. Elas no tinham. Voltaram ao esquecimento at atera-feira 11 de setembro de 2001. Ento ficaram populares na CIA, noCongresso e na Casa Branca, que precisavam culpar algum pelas falhas daespionagem na preveno aos ataques em Nova York e Washington em quemorreram cidados de 40 pases, entre eles cinco brasileiros.

    Em torno do novo mundo sem as Torres Gmeas de Nova York giravam 120satlites-espies apoiados por dezenas de estaes terrestres para recepo desinais. Uma delas fora plantada perto da fronteira do Brasil com Paraguai eArgentina, regio conhecida como Trplice Fronteira, com 1,2 mil quilmetrosquadrados e onde se destacam as cidades de Foz do Iguau (Brasil), Ciudad delEste (Paraguai) e Porto Iguaz (Argentina). Ali viviam cerca de 700 milpessoas, entre elas 30 mil muulmanos, na maioria migrantes em fuga dasguerras no Lbano e na Palestina. Estavam sob vigilncia permanente dosrgos de segurana desde os atentados contra a Embaixada de Israel emBuenos Aires, em 1992, e contra a associao judaica Amia, em 1994 ambos

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  • atribudos ao grupo libans Hezbollah, com patrocnio do Ir.

    Nas 48 horas seguintes aos ataques terroristas, a Trplice Fronteira comeoua ser submetida a uma devassa virtual pela First Data Corporation, de Atlanta,Georgia (EUA). Lder mundial em processamento de dados financeiros, elaentregou ao FBI uma srie de registros bancrios, de cartes de crdito e detransferncias da Western Union, cujos servios eram intensivamente usados em22 pases rabes, somando 300 milhes de habitantes.

    Na tera-feira 18 de setembro, a Casa Branca telefonou ao Palcio doPlanalto. O presidente George W. Bush respondia a uma ligao do brasileiroFernando Henrique Cardoso. Queria dizer que me solidarizava com o povoamericano e que me pareceu oportuna e correta a visita que ele fez a umamesquita em Washington, separando terrorismo de religio, contou FernandoHenrique. Antes de os presidentes desligarem os telefones, o Ministrio dasRelaes Exteriores brasileiro j recebia informaes sobre a incluso daAmrica do Sul no mapa da nova guerra dos EUA. Havia uma inusitadamovimentao na Trplice Fronteira, relatava o embaixador brasileiro emAssuno, Luiz Augusto Castro Neves. Com trs dcadas e meia na carreira,Castro Neves era um diplomata grisalho de muitas crises. Seus informesdaquele dia exalavam ansiedade, mas na burocracia do Itamaraty foram tratadoscomo despachos rotineiros. Turbinado por sucessivas xcaras de caf, contou aBraslia como, na madrugada, um cargueiro militar assustou moradores da vilade Mariscal Estigarribia, ao aterrissar numa pista pouco usada do inspitochaco paraguaio.

    O avio despejou dezenas de contineres, homens e mulheres, a maioria dadiviso antiterrorismo do FBI. Nas horas seguintes, acompanharam a polciaparaguaia na priso de vrias pessoas em Ciudad del Este e Assuno, segundoo chanceler paraguaio Jos Antonio Moreno Ruffinelli. Aparentemente, seguiamo rastro de 16 libaneses, srios e egpcios que, em abril, teriam compradodocumentos falsos no consulado do Paraguai em Miami. Trs dos suspeitosseriam integrantes de faces radicais islmicas, entre elas a al-Gamaa al

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  • Islamiya, supostamente vinculadas aos ataques em Nova York e Washington,informava o ministro do Interior, Julio Csar Fanego. A fronteira sul brasileiraestava na mira pelo histrico de trnsito de ativistas radicais islmicos.

    Seis anos antes, na segunda-feira 4 de dezembro de 1995, o egpcio AshrafRefaat Nabih Henin desembarcara no aeroporto de Foz do Iguau. Haviapassado pela alfndega do Aeroporto de Guarulhos, em So Paulo, com umpassaporte paquistans (n 113107), expedido em Abu Dhabi. Turista informava o visto de entrada (n 194-95) no Brasil, concedido pela embaixadaem Kuala Lumpur, Malsia. Durante vinte dias, at a vspera do Natal de 1995,Henin fez parte da paisagem como mais um muulmano em frias nas Cataratas.Estava a dez mil quilmetros de distncia do seu escritrio na KonsojayaTrading Company, empresa malaia especializada na exportao de leo depalma para o Afeganisto. Depois dos atentados nos Estados Unidos, osservios secretos perceberam que ele se chamava Khalid Sheikh Mohamed,nome real encoberto por outros 27 gravados em passaportes de origensvariadas. Era o chefe militar da al-Qaeda de Bin Laden. Capturado em 2003,est preso na base americana em Guantnamo, Cuba.

    A Konsojaya era uma das poucas coisas autnticas no disfarce de Henin,criado por Khaled. Nascera um ano antes, pelas mos de Riduan Isamuddin,tambm conhecido como Hambali, e sua mulher Noralwizah Lee Abdullah, umasino-malaia. Isamuddin, ou Hambali, era fundador da al-Gamaa al Islamiya,grupo radical do Egito. Na diretoria da empresa, inscreveu dois afegos e umsaudita, Yemeni Amein Mohamed, todos integrantes da al-Gamaa al Islamiya.A passagem do chefe militar da al-Qaeda pela Trplice Fronteira foi registradaem documentos da Agncia Brasileira de Inteligncia (Abin) repassados agovernos da regio atestou na poca Carlos Corach, ento ministro argentinodo Interior. Khaled Sheik Mohamed ajudou a criar uma sucursal regional daHoly Land Foundation (Fundao Terra Santa), entidade beneficente listadapelo governo dos EUA como uma das fontes de financiamento do grupo de BinLaden.

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  • Quatro anos depois, no sbado do carnaval de 1999, agentes brasileiros e daCIA cercaram o egpcio El Said Hassan Ali Mohamed Mokhles na sada dacidade gacha de Chu para o Uruguai. Levava um passaporte malaio e umacarteira de identidade paraguaia (n 3.593.929) emitida em 12 de julho de 1994em nome de Ali Subhi AlShakaki. Exceto pelos bigodes nos retratos, era tudofalso.

    Mokhles foi preso em territrio uruguaio sob acusao de envolvimento nomassacre de 62 pessoas em 1997, promovido pelos grupos al-Gamaa alIslamiya, Jihad Talaat al-Fath e Jihad Islmica no templo Luxor, em Deir elBahari, no Egito. Contou que pretendia ir a Londres, via Montevidu, para umareunio da al-Gamaa al Islamiya. Para a CIA, Mokhles passou a valer tantoquanto Khalid al-Fawaz, aprisionado um ano antes, acusado de ter coordenadopessoalmente os atentados contra as embaixadas dos EUA na Tanznia e noQunia. Descobriu-se depois que nessa reunio, em Londres, foi sacramentadaa unio do grupo egpcio com Bin Laden, consolidando a rede al-Qaeda.Mokhles acabou extraditado pelo Uruguai, assim como seu companheiro naGamaa, Mohamed Enid Abdel Aal, detido em Bogot, na Colmbia. O casolevou o governo uruguaio a mudar as leis sobre terrorismo. Em Assuno,naquela confusa primeira quinzena de setembro de 2001, o embaixadoramericano David Greenlee confirmou a priso de suspeitos na TrpliceFronteira. Lamentou o vazamento de informaes e anunciou que Washingtonliberaria US$ 900 milhes para a construo de pontes com pasescooperativos.

    A dez minutos da Casa Branca, na outra margem do Rio Potomac, ardia afortaleza-smbolo do poder militar americano no ltimo meio sculo. UmBoeing de 80 toneladas, carregando 20 mil litros de combustvel, varou paredesdo Pentgono derrubando um dos lados do conjunto de 343,7 mil metrosquadrados de concreto e ao construo do tamanho de 45 campos defutebol. A guerra global da era George W. Bush estava comeando.

    Na manh de quarta-feira, 19 de setembro, os jornais estamparam o texano

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  • Bush acusando pela primeira vez o saudita Osama bin Laden, lder da al-Qaeda: Procurado: vivo ou morto ele anunciou, na tradio do VelhoOeste. Dentro do prdio semidestrudo, no lado oposto ao buraco aberto peloavio, o subsecretrio de Defesa, Douglas Feith, examinava planos para umaretaliao ao terrorismo sem fronteiras. Terceiro homem na hierarquia doPentgono, Feith emergira na cena poltica americana como advogado e lobistadas indstrias aeroespacial e nuclear. Projetou-se entre os neoconservadoresrepublicanos, principalmente pelos slidos vnculos com organizaes como oultraconservador Jewish Institute for National Security Affairs e facesextremistas do Likud, partido da centro-direita israelense. Pela dedicao causa, Feith foi condecorado pela Organizao Sionista da Amrica (ZOA, nasigla em ingls), a maior, mais antiga e combativa entidade do gnero nosEstados Unidos.

    Sua predileo por idias grandiosas e reconhecida averso aos mtodos dacaserna contriburam para transform-lo em personagem impopular na cpuladas Foras Armadas. Colecionava desafetos no Pentgono, entre eles o generalTommy Franks, mais tarde comandante das tropas americanas na invaso doIraque. Quando passou reserva, Franks fez um desabafo ao jornalista BobWoodward e acabou incluindo-o em seu livro de memrias: Feith o sujeitomais estpido na face da Terra.

    O subsecretrio de Defesa convocou seu assessor Abram Shulsky, ex-analista da Rand Corporation. Estava insatisfeito com as propostas para umaMatriz de Ataque Global, a alternativa para o incio imediato da guerracontra o terrorismo islmico. Os militares sugeriam uma ofensiva planejada,direcionada e restrita no Afeganisto, pas hospedeiro de Bin Laden e da al-Qaeda. Feith ruminava o cardpio limitado de opes sobre um territriodesrtico de 650 mil quilmetros quadrados, metade a dois mil metros dealtitude, cercado por montanhas que, sucessivamente, engoliram exrcitosestrangeiros invasores dos imprios russo e britnico, no sculo XIX, e daextinta Unio Sovitica, no sculo XX. Politicamente o pas dos talibs era um

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  • alvo pouco atraente, com tendas de US$ 1 sobre a areia para msseis de US$100 mil. Feith desejava algo mais visvel, cuja destruio resultasseinibidora aos terroristas e impactante para o pblico americano. Bushcomeava a decolar para a reeleio nas pesquisas de popularidade. Faltavamapenas 38 meses.

    O que aconteceu em seguida est resumido em 90 palavras no relatrio dacomisso bipartidria do Congresso: Num memorando que parece ser dosubsecretrio de Defesa Douglas Feith para (o secretrio Donald) Rumsfeld,datado de 20 de setembro, o autor manifestou desapontamento com as limitadasopes imediatamente disponveis no Afeganisto e a falta de opes em solo.O autor sugere, em lugar disso, atacar os terroristas fora do Oriente Mdio naofensiva inicial, talvez escolhendo deliberadamente um alvo no al-Qaeda,como o Iraque. Como eram esperados ataques dos EUA no Afeganisto, umataque americano na Amrica do Sul ou no Sudeste da sia poderia ser umasurpresa para os terroristas.

    No Pentgono parcialmente sob escombros, incluiu-se a Amrica do Sul nalista de sugestes de alvos para uma ofensiva militar, a Matriz de AtaqueGlobal, como marco do incio da guerra contra o terrorismo islmico 17dias antes da invaso do Afeganisto. O plano foi reportado pela revistaNewsweek em setembro de 2004. O objetivo sul-americano era a TrpliceFronteira. A comisso teve acesso parcial aos documentos continuam sobsigilo , mas destaca um deles como fonte: Memorando do Departamento deDefesa, de Feith a Rumsfeld, Esboo de Relatrio, 20 de setembro de 2001.Ressalva que pode ter sido um rascunho nunca enviado a Rumsfeld, ou umesboo de itens sugeridos a Rumsfeld para que apresentasse num relatrio aopresidente. O subsecretrio Douglas Feith demitiu-se em janeiro de 2005, sobsuspeita de falsificar provas para justificar a invaso do Iraque.

    Uma dcada depois dos atentados em Washington e Nova York, a NSA e aCIA finalmente puderam celebrar um grande xito. Este resultou da combinaode grupos de interceptaes de sinais de comunicaes entre pessoas ou

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  • mquinas (Sigint, no jargo do ramo) com a inteligncia obtida por fonteshumanas (Humint), e de especialistas em rastreamento com foras de operaesespeciais.

    Aconteceu na noite de 1 de maio de 2011. Comandos Seal e o farejador deexplosivos Cairo um co Malinois belga invadiram uma casa em

    Abbottabad (Paquisto). [61] Quinze minutos depois, um oficial chamou acentral de comando em Jalalabad (Afeganisto) pelo rdio via satlite.Pronunciou trs pro words mensagens encapsuladas em uma palavra quetransmitem informaes de maneira eficiente: Geronimo-E-KIA. Geronimoera Osama bin Laden, lder da al-Qaeda. E-KIA, o cdigo militar para enemy

    killed in action, inimigo morto em ao. [62]

    Terminara a maior caada humana da histria recente. Diante da CasaBranca surgiu uma multido, que gritava: Obama, Obama, finalmente matouOsama! A reeleio reluzia no horizonte do presidente. Dezenove meses maistarde foi confirmada nas urnas, por 51% dos votos.

    Alvo: Teer

    Grupos terroristas e o programa nuclear iraniano so prioridades, mas no soas nicas na mira das agncias americanas de espionagem. O ProgramaNacional de Inteligncia para 2013, por exemplo, destaca a economia, asempresas e os negcios transnacionais no topo das preferncias para ao. Umdos objetivos estabelecidos coordenar mais estreitamente a coleta deinformao e anlise das agncias federais encarregadas de vigiar as barreirasao comrcio exterior, e o cumprimento dos direitos comerciais dos EstadosUnidos em virtude de acordos comerciais internacionais. Requerem-seesforos para fazer frente s prticas desleais de comrcio atravs da

    Organizao Mundial do Comrcio e em outras autoridades. [63]

    A Lista de Misso Estratgica, que baliza o cotidiano dos operadores dosistema, ilustrativa da natureza das informaes procuradas durante asvarreduras em redes de comunicaes como a brasileira:

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  • Misso: Estabilidade econmica/influncia: assegurando vantagens polticase estratgicas dos Estados Unidos.

    reas de foco: Estabilidade econmica, vulnerabilidade financeira einfluncia de Estados de interesse estratgico dos EUA: China, Japo, Iraque e

    Brasil. [64]

    No h luz vermelha. Basta uma ordem verbal e secreta do presidente Direo de Inteligncia Nacional. Tudo legal, pois a legislao americanalegitima e, de forma indireta, at estimula a coleta clandestina de informaescontra cidados, governos e empresas estrangeiras. s vezes alvos e objetivoscoincidem, como na empresa estatal Petrobras.

    No incio do governo Lula, em 2003, a Petrobras obteve garantias daCompanhia Nacional Iraniana de Petrleo (NIOC, na sigla em ingls) paraprospectar no Golfo Prsico. Incentivada por Braslia e pelos resultados dasprimeiras anlises, resolveu aumentar sua aposta no Mar Cspio. Em 2004assinou um contrato de servios de explorao. Comeou aplicando US$ 34milhes na poca foi o segundo maior contrato estrangeiro de investimentono Ir, que h oito anos enfrentava um embargo internacional decretado pelaONU.

    Depois de um gasto de quase US$ 200 milhes em dois poos num bloco(Tusan), em 2009 constatou-se indcios de presena de hidrocarbonetos, mas ostcnicos da estatal brasileira relutavam sobre a viabilidade de extrao emescala comercial. Tambm no havia consenso na diretoria sobre o caminho aseguir nas relaes com a NIOC. Visto do alto da sede da Petrobras na AvenidaChile, no Centro do Rio, ir adiante significava provocar uma rediscusso docontrato, que reduzira a Petrobras ao papel de prestadora de servios. Sealcanado esse objetivo, representaria muito mais investimento, numa etapa degastos intensivos com a prospeco no pr-sal brasileiro. A hiptese de umacerto tinha como presuposto a exigncia de contrapartida, sob a forma departilha da produo em condies cambiais especiais coisa indigesta no

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  • imaginrio poltico iraniano desde a suspeita contabilidade da Anglo-IranianOil com o x Reza Pahlevi, nos anos 50.

    Visto de Braslia, o problema tinha outra dimenso. Os vnculos daPetrobras com a NIOC eram considerados estratgicos nos palcios doPlanalto e do Itamaraty (Ministrio das Relaes Exteriores). Lula se encantaracom a ideia de usar o Ir e seu programa nuclear como passe livre mesa dejogo da governana mundial. A relao entre os dois pases avanararapidamente, com fluidez, e no aspecto mais visvel havia eliminado a letargiano comrcio. Naquele 2008 o Ir j representava 30% das exportaesbrasileiras para o Oriente Mdio, quase US$ 1,8 bilho. As vendas do Brasilsomavam 95% do total do comrcio bilateral. E cresciam.

    Teer estava no alvo das agncias de informaes e da diplomaciaamericana. Concentradas em Saddam Hussein, no viram, enxergaram ouescutaram sobre o desenvolvimento do programa nuclear iraniano. Tentavamrecuperar o tempo perdido e, sobretudo, a credibilidade estilhaada na invasodo Iraque, turbinada por relatrios de rgos como a CIA que deram 90% decerteza sobre um arsenal de armas de destruio em massa jamais encontrado.Israel insuflava, e apostava-se numa iminente ofensiva contra os laboratriosnucleares do regime dos aiatols no Natal de 2005, o chefe da CIA JohnstonGoss esteve em Ancara para anunciar ao primeiro-ministro turco Recep TayyipErdoan um ataque areo.

    O bombardeio acabou substitudo pela ttica do embargo internacional. arma poderosa, capaz de extenuar a economia de um pas e asfixiar acapacidade de renovao do parque industrial civil e militar. Teer se debatia,empenhando foras e dinheiro nas compras clandestinas de tecnologia. Somenteentre 2007 e 2011, o governo americano recenseou mais de 350 empresas eorganizaes iranianas no mercado ocidental em busca de fontes de tecnologiade uso duplo, aplicvel a empreendimentos civis e tambm a projetos militares,como a construo de msseis convencionais e nucleares. O Brasil estava narota.

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  • Em maio de 2007, o engenheiro brasileiro Nelson Galgoul sentiu-se aliviadodepois de ultrapassar as barreira do Servio de Imigrao do aeroporto deHouston, no Texas. Perderam a chance de me prender, brincou com suamulher, enquanto caminhavam para o reembarque, rumo a Nova Orleans, naLouisiana, o centro porturio mais movimentado dos Estados Unidos. Nachegada cidade do Mardi Gras, foi recebido por uma comitiva de agentes doFBI. Preso, acabou condenado a quatro anos de priso (18 meses em regimefechado, alm de multa de US$ 202 mil) por vender tecnologia proibida para oIr. Foi uma das maiores punies impostas pela Justia dos EUA a umempresrio, na dcada, por violao das leis de controle de exportao.

    Filho de missionrio da Igreja Batista da Louisiana e de judia cuja famliaescapara do nazismo na Hungria, Galgoul nasceu no bairro da Tijuca, ZonaNorte do Rio. Passou a infncia nos EUA e a adolescncia estudando a Bbliaem povoados do Cerrado brasileiro. Estudou engenharia numa universidadecarioca e seguiu para Munique, na Alemanha. Voltou com ps-doutorado ereconhecimento por contribuir para a reviso da norma tcnica germnica sobreclculo de compresso (flambagem). Sua carreira floresceu no Rio emempreendimentos como o emissrio submarino de Ipanema e a Ponte Rio-Niteri. Ganhou impulso nos anos 90 com a investida da Petrobras na Bacia deCampos. Em 1994 associou-se a James Angehr e John Fowler, e criaram aEngineering Dynamics na cidade de Kenner, Regio Metropolitana de NovaOrleans.

    Dcada e meia mais tarde, Galgoul estava diante do juiz Lance M. Africk, daLouisiana. Era um vendedor com clientela problemtica. No seu portflio defornecedor de tecnologia se destacava o grupo Khatan al-Anbiya, um dosbraos empresariais da Guarda Revolucionria Islmica. Esteio da ditadurateocrtica, a Guarda obteve autonomia e status ministerial aps a guerra Ir-Iraque (1980-1988) conflito sem vencedores, encerrado com 1,5 milho demortos. Com os cofres exauridos no conflito, o aiatol Ali Khamenei decretou oautofinanciamento como alternativa de manuteno da mquina militar. A

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  • Guarda se comps com o Exrcito e a Milcia na diviso de setoreseconmicos. Khatam al-Albiya uma de suas holdings (95% das aes) e umdos maiores grupos econmicos iranianos. Tem 138 subsidirias no mapaempresarial da Fundao Rand (EUA), entre estaleiros, fbricas de avies,armas e laboratrios de biotecnologia. Quando Galgoul entrou no tribunal, oconglomerado estava proscrito h anos, por ONU, EUA e Unio Europeia,acusado de envolvimento no programa nuclear secreto.

    As provas documentais eram fartas, e Galgoul confessou os negciosacertados em 50 viagens a Teer. Fechou seu primeiro contrato em 1994, mesesantes do incio do embargo econmico internacional. Naquela poca, o regimedos aiatols j se esmerava em cultivar a reputao de centro do radicalismoxiita, com patrocnio de grupos terroristas. O governo Khamenei, por exemplo,era responsabilizado por 114 mortes em atentados contra alvos judeus naArgentina. Os negcios prosperaram, principalmente com empresas sobcontrole acionrio direto da Guarda Revolucionria Islmica. Galgoul repassouaos iranianos, entre outras coisas, a joia tecnolgica da Engineering Dynamics.Era um sistema integrado de anlise de clculo de estruturas (conhecido comoSACS).

    Estava em Teer, em maro de 2007, quando soube que uma briga entre seusscios resultara em uma denncia ao FBI. Entrou no primeiro voo de volta aoBrasil. Dois meses depois, decidiu viajar a Nova Orleans. Ento, a realidadesuperou a imaginao do analista de clculo. Amargou 390 dias trancafiado empenitencirias federais (oito meses em Seagoville, no Texas, e outros cinco emNova Orleans). Sobreviveu a regulamentos que no permitem visitas conjugaise prescrevem cama feita ao estilo militar s 7h30m de cada manh comsapatos alinhados sob o leito, bicos apontados para fora.

    Galgoul ainda tentava se habituar ao bolo de carne da penitenciria daLouisiana, e o governo americano j monitorava negociaes de uma outrasubsidiria da Guarda Revolucionria com empresas brasileiras. Entre 2008 e2009, a Organizao de Desenvolvimento e Renovao Industrial do Ir (Idro,

    50

  • na sigla em ingls) mobilizou intermedirios na Alemanha para fazer ofertas Mquinas Mello, de So Paulo, e trading Export SC, de Santa Catarina. AEmbaixada dos EUA em Braslia pressionou o Itamaraty, o Ministrio daFazenda, o Banco Central, e bloqueou as transaes.

    Numa segunda-feira, 9 de junho de 2008, o embaixador americano emBraslia, Clifford Sobel, telefonou ao subsecretrio para Assuntos Polticos doItamaraty, Roberto Jaguaribe. Perguntou sobre a expanso de investimentos daPetrobras no Ir. Jaguaribe sugeriu-lhe no se preocupar. A estatal brasileira,lembrou o subsecretrio, teria muito cuidado nas decises sobre o casoiraniano at porque, argumentou, est listada na New York Stock Exchange, aBolsa de Nova York. Alm disso, o Brasil se dispunha a cumprir as resolues

    do Conselho de Segurana da ONU, mesmo quando discordar delas. [65]

    O bal da diplomacia am