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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivode oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercialdo presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedadeintelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educao devemser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrar mais obras em nosso site:LeLivros.us ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • Neil gostaria de dedicar este livro ao seu filho Mike, que, animado com o manuscrito,no parava de nos perguntar quando poderia ler esta histria em um livro de verdade.

    Michael gostaria de dedicar este livro a Steve Saffel.

  • SUMRIO

    Para pular o Sumrio, clique aqui.

    Nota dos Autores

    Parte UmCaptulo UmCaptulo DoisCaptulo TrsCaptulo QuatroCaptulo CincoCaptulo SeisCaptulo SeteCaptulo Oito

    Parte DoisCaptulo NoveCaptulo DezCaptulo OnzeCaptulo DozeCaptulo Treze

    Parte TrsCaptulo CatorzeCaptulo QuinzeCaptulo DezesseisCaptulo DezesseteCaptulo DezoitoCaptulo DezenoveCaptulo VinteCaptulo Vinte e Um

    Posfcio

    Outros Livros de Neil Gaiman

    Crditos

    Os Autores

  • NOTA DOS AUTORES

    Esta uma obra de fico. No entanto, dado o infinito nmero de mundos possveis, elapode ser verdade em um deles. E, se uma histria que se passa em um nmero infinito deuniversos possveis verdadeira em um deles, ento deve ser verdadeira em todos eles.Assim, talvez no seja to ficcional quanto pensamos.

  • PARTE UM

  • CAPTULO UM

    UMA VEZ ME PERDI na minha prpria casa.Acho que no foi to ruim quanto parece. Tnhamos acabado de aumentar a casa

    acrescentado um corredor e um quarto para o lula, tambm conhecido como Kevin, meuirmo caula , mas, na verdade, os carpinteiros j haviam ido embora, e a poeira jbaixara havia mais de um ms. Minha me nos chamara para jantar e eu estava descendoas escadas. Quando cheguei ao segundo andar, acabei indo para o lado errado e me depareicom um quarto coberto por um papel de parede com nuvens e coelhinhos. Percebi quetinha virado direita, em vez da esquerda, ento logo em seguida cometi o mesmo erro efui parar no closet.

    Quando cheguei l embaixo, Jenny e meu pai j estavam l, e minha me me lanouaquele olhar. Eu sabia que tentar explicar seria pior, ento fiquei quieto e comecei a comermeu macarro com queijo.

    Mas d para sentir meu problema. Minha bssola interior, como tia Maude costumavachamar, no muito desenvolvida. Na verdade, acho que ela nunca foi calibrada. Norte, sul,leste, oeste? Pode esquecer para mim j era difcil saber o que era direita e esquerda. Oque bem irnico, considerando o desenrolar dos acontecimentos...

    Mas estou me adiantando. Est certo. Vou escrever esta histria como o sr. Dimas nosensinou. Ele dizia que no importa onde voc comea, desde que comece em algum lugar.Ento vou comear por ele.

    Estvamos em outubro, no final do primeiro semestre do meu segundo ano, e tudocorria normalmente, exceto por Estudos Sociais, o que no era uma grande surpresa. O sr.Dimas, que dava a aula, era conhecido por seus mtodos no convencionais de ensino.Durante as provas daquele semestre, ele havia vendado nossos olhos para queespetssemos um alfinete em um mapa-mndi, e assim definssemos o lugar sobre o qualteramos de escrever um trabalho. Fiquei com Decatur, Illinois. Alguns dos meus colegasreclamaram porque ficaram com lugares como Ulan Bator ou Zimbbue. Eles tinham sorte.Tente escrever dez mil palavras sobre Decatur, Illinois.

    Mas o sr. Dimas estava sempre fazendo coisas assim. Ele foi parar na primeira pginado jornal local, no ano passado, e quase foi demitido por ter transformado duas turmas emfeudos rivais que deveriam tentar negociar a paz por um semestre inteiro. As negociaesde paz acabaram indo por gua abaixo e as duas turmas partiram para o confronto noptio durante o tempo vago. As coisas saram um pouco do controle e o resultado foramalguns narizes sangrando. Segundo o jornal local, o sr. Dimas disse que: s vezes a

  • guerra necessria para nos ensinar o valor da paz. E, em alguns momentos, voc precisaaprender o verdadeiro valor da diplomacia para evitar a guerra. Prefiro que meus alunosaprendam essas lies no ptio do que no campo de batalha.

    Na escola falaram que ele ia ser demitido por causa dessa histria. At o prefeitoHaenkle tinha ficado bastante irritado, porque um dos narizes que sangrou foi o do filhodele. Minha me, minha irm mais nova, Jenny, e eu ficamos acordados at tarde,tomando Ovomaltine e esperando meu pai chegar em casa da reunio da cmaramunicipal. O lula dormia profundamente no colo de mame, que ainda o amamentavanessa poca. J passava da meia-noite quando meu pai entrou pela porta dos fundos, jogouo chapu na mesa e disse:

    Foram sete votos a favor e seis contra. Dimas no vai perder o emprego. Minhagarganta est doendo.

    Minha me se levantou para preparar um ch para meu pai e Jenny perguntou a ele porque tinha defendido o sr. Dimas.

    Meu professor falou que ele est sempre causando problema. verdade concordou meu pai. Obrigado, querida. Ele provou o ch, depois

    prosseguiu: E tambm um dos poucos professores por aqui que realmente se importacom o que est fazendo, e que tem um pouco mais de neurnios para isso. Ele apontouo cachimbo para Jenny e disse: J passa da meia-noite, fadinha. melhor voc ir paracama.

    Meu pai era assim. Mesmo sendo apenas um vereador, ele tem mais influncia sobrealgumas pessoas do que o prprio prefeito. Meu pai tinha sido corretor em Wall Street, eainda negociava aes para alguns dos cidados mais importantes de Greenville, incluindovrios integrantes do conselho escolar. O trabalho de vereador s ocupava alguns dias doms na maior parte do ano, ento meu pai dirigia um txi quase todos os dias. Perguntei aele uma vez por que fazia isso, j que seus investimentos eram suficientes para arcarcom nossas despesas mesmo sem o negcio de joias artesanais de mame, e ele merespondeu que gostava de conhecer pessoas.

    Ao contrrio do que se podia esperar, o sr. Dimas no se intimidou nem procuroumaneirar um pouco suas propostas acadmicas pelo fato de quase ter sido despedido. Suaideia para a prova final de Estudos Sociais deste ano era bem radical at mesmo para ele.Ele dividiu nossa turma em dez grupos de trs pessoas, nos vendou novamente eleadorava essa histria de olhos vendados e pediu que um nibus escolar nos deixasse emlugares aleatrios pela cidade. Ns devamos conseguir encontrar o caminho para vriospostos de controle dentro de um determinado perodo de tempo sem usar mapas. Um dosoutros professores perguntou o que isso tinha a ver com Estudos Sociais, e o sr. Dimasdisse que tudo tinha a ver com Estudos Sociais. Ele confiscou nossos celulares, cartes detelefone, cartes de crdito e dinheiro, para que no pudssemos ligar para pedir carona oupegar nibus ou txis. Estvamos por nossa conta.

    E foi a que tudo comeou.

    No que a gente corresse algum perigo real, afinal o centro de Greenville no o centrode Los Angeles ou de Nova York ou mesmo de Decatur, Illinois. O pior que poderia

  • acontecer seria alguma senhora bater na gente com a bolsa se algum de ns fosse tolo obastante para tentar ajud-la a atravessar a Avenida 42. Ainda assim, eu tinha ficado nomesmo grupo de Rowena Danvers e Ted Russell, ento a coisa prometia ser interessante.

    O nibus da escola foi embora em uma nuvem de fumaa de diesel e ns tiramos asvendas. Estvamos no centro da cidade aquilo era bvio e no meio do dia, uma tardefria de outubro. O trfego, tanto de pedestres quanto de carros, era bem leve. Procureiimediatamente a placa da rua, que dizia que estvamos na esquina do Boulevard Sheckleycom a Rua Simak.

    E eu sabia onde estvamos.Minha surpresa foi tanta que fiquei mudo por um instante. Eu era o garoto que

    conseguia se perder a caminho da caixa de correio da esquina, mas sabia que lugar eraaquele do outro lado da rua, seguindo o quarteiro, ficava o consultrio do dentista comquem eu e Jenny tnhamos feito limpeza nos dentes havia apenas alguns dias.

    Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Ted pegou o carto que o sr. Dimas dera acada um de ns com o lugar em que deveriam nos buscar.

    Temos que chegar esquina da Maple com a Whale disse ele. Ei, talvez a gentepossa pedir ao seu pai para nos buscar, Harker.

    Isso tudo que voc precisa saber sobre Ted Russell: ele no seria capaz de soletrarQI. No porque seja burro e ele burro como uma porta , mas porque no se esfora.Ele era um ano mais velho do que eu e tinha repetido de ano. Eu sabia que as nicascontribuies dele seriam piadas do tipo que nem uma criana pequena acharia graa. Masestava disposto a aguentar o Russell, idiota do jeito que ele era, para estar ali para estarem qualquer lugar com Rowena Danvers.

    Imagino que existam meninas mais bonitas, inteligentes e simpticas na GreenvilleHigh, mas nunca parei para procurar. Para mim, Rowena era a nica garota que existia.Porm, aps dois anos tentando, eu ainda no tinha conseguido convenc-la de que eu eraalgo mais do que um simples figurante no filme de sua vida. No que ela me odiasse, ouat mesmo no gostasse de mim eu no chegava a ser importante o bastante para isso.Duvido que a gente tivesse trocado mais do que cinco frases durante todo o ano letivo, eprovavelmente quatro dessas eram coisas do tipo Me desculpe, mas voc deixou cairisso ou Sinto muito, voc estava sentada aqui?. Nada do tipo que se v nos grandesromances, embora cada uma delas valesse ouro para mim.

    Mas agora, talvez, eu pudesse mudar isso. Poderia me tornar mais do que um pontinhoannimo na tela do seu radar. Eu tinha praticamente quinze anos e ela era meu PrimeiroAmor. Mesmo. Ou pelo menos eu pensava assim na poca. No era uma paixonitequalquer. Eu no estava simplesmente gamado na Rowena Danvers estava louca,profunda, perdidamente apaixonado. At contei aos meus pais como me sentia, e foipreciso coragem. Se ela algum dia me notasse, eu disse a eles, esta seria uma dasgrandes histrias de amor do sculo. Eles viram que eu falava srio e nem meprovocaram. Eles entenderam. E me desejaram boa sorte. Eu seria Tristo e ela, Isolda(seja l quem eles forem; meu pai que falou deles); eu seria Sid e ela, Nancy (seja lquem forem, minha me que falou deles). Eu queria impressionar Rowena Danvers, e daque mostrar que eu sabia atravessar uma rua na direo certa no seja exatamente o tipo

  • de coisa que se encontra nas obras de Shakespeare? Eu me contentaria com o quepudesse ter.

    Eu sei onde estamos anunciei.Ted e Rowena olharam para mim sem acreditar muito. Ah, claro. Com a venda nos olhos eu teria mais chance. Vamos, Rowena chamou

    Ted, pegando o brao dela. Todo mundo sabe que Harker no conseguiria achar o prpriotraseiro nem que estivesse com as mos amarradas atrs dele.

    Ela puxou o brao e olhou para mim. Pude ver que ela no gostava nada da ideia decaminhar cinco ou seis quarteires com Ted Russell, mas que tambm no queria ficarperambulando pelo centro da cidade pelo resto do dia.

    Voc tem certeza de que sabe onde estamos, Joey? perguntou.A mulher que eu amava estava me pedindo ajuda! Eu me senti como se pudesse

    encontrar o caminho de casa saindo do lado oculto da lua. Tranquilo respondi com toda a confiana de um peru que acha que vai ter um lindo

    dia de Natal. Sigam-me. Vamos! E comecei a descer a rua.Rowena hesitou um pouco, depois virou de costas para Ted e me seguiu. Ele a encarou

    em choque por um instante, ento acenou o brao como quem diz v em frente!. O funeral seu. Vou falar pro Dimas para mandar a equipe de busca gritou ele,

    ento riu e socou o ar.Devia ser legal ser a prpria plateia.Rowena me alcanou, e caminhamos em silncio durante algum tempo. Cruzamos o

    Parque Arkwright e seguimos para o norte eu acho na Corinth.Seis quarteires depois percebi algo muito importante: bom saber onde voc est,

    mas melhor saber aonde est indo. E isso eu definitivamente no sabia em umaquesto de minutos me vi mais perdido do que j tinha estado em qualquer momento davida. E, o que era pior, Rowena sabia disso. Dava para ver pela maneira como ela meolhava.

    Comecei a entrar em pnico. No queria decepcionar Rowena. Mas tambm no queriapassar essa vergonha na frente dela. Ento falei:

    Espere aqui um minutinho. E depois corri antes que ela pudesse dizer qualquercoisa.

    Estava louco para encontrar outra rua ou ponto de referncia que eu reconhecesse.Dobrei a esquina e vi um prdio no fim do quarteiro seguinte que me parecia familiar,ento segui pela rua Boulevard Arkwright, perto do parque para ter certeza.

    O clima em Greenville esquisito mesmo quando parece estar bom. Isso porque a cidadefica muito prxima ao Grand River, que nos trouxe a indstria cervejeira, alm dos turistasque vm fazer trilhas e ver as quedas dgua, mas tambm a neblina que se espalhasempre que o tempo esfria.

    Um desses nevoeiros comeou na esquina da Arkwright com a Corinth. Decidi encar-loe pude sentir as gotas frias no meu rosto. A maioria das nvoas fica mais suave quandose entra nelas. Aquela no. Parecia que eu estava andando por uma fumaa espessa,cinzenta, em que no dava para ver nada.

  • Mas s a atravessei, sem prestar muita ateno afinal de contas, eu tinha coisasmais importantes em mente. De dentro da neblina, pude ver luzes cintilantes de vriascores diferentes. estranho como uma cidade fica quando tudo que se consegue ver soas luzes.

    Dobrei a prxima esquina na Fallbrook, saindo da neblina... e parei. Eu estava numaparte da cidade que no reconhecia de forma alguma. Do outro lado da rua havia umMcDonalds que eu nunca tinha visto antes, com um imenso arco verde xadrez por cima.Algum tipo de promoo escocesa, imaginei. Estava ocupado demais pensando em Rowenae imaginando se havia alguma forma de explicar o que tinha acontecido sem parecer umcompleto idiota. No havia. Eu ia ter que voltar at onde ela estava e confessar queestvamos completamente perdidos por minha culpa. Ansiava por isso tanto quanto poruma visita de rotina ao dentista.

    Pelo menos, a neblina tinha quase ido embora quando voltei rua transversal, ofegantee sem flego. Rowena ainda esperava onde eu a havia deixado. Ela olhava pela vitrine deuma pet shop, de costas para mim. Atravessei a rua correndo, dei um tapinha nas costasdela e disse:

    Foi mal. Acho que a gente devia ter escutado o Ted. Isso no algo que voc ouvesempre, n?

    Ela se virou.Quando eu era criana quer dizer, quando era bem pequeno, em Nova York, antes de

    nos mudarmos para Greenville, antes mesmo da Jenny nascer , me lembro de seguirminha me pela Macys. Ela estava fazendo as compras de Natal e eu podia jurar que maltinha tirado os olhos dela, que usava um casaco azul naquele dia. Eu a segui por toda aloja at que aquele monte de gente me espremendo me assustou e agarrei a mo dela. Eela olhou para baixo...

    E no era minha me. Era uma mulher que eu nunca tinha visto antes, que usava umcasaco azul parecido e tinha o mesmo corte de cabelo. Comecei a chorar e eles melevaram para um escritrio, me deram refrigerante, encontraram minha me e tudoacabou bem. Mas nunca me esqueci daquele instante de desorientao, de esperar por umapessoa e ver outra.

    E foi exatamente assim que me senti naquele momento. Porque no era Rowena queestava na minha frente. A garota se parecia com ela, como se fosse sua irm, e asroupas eram iguais. Ela estava at usando um bon preto de beisebol, como o de Rowena.

    Mas Rowena sempre se orgulhara de seus longos cabelos louros. Ela j dissera mais deuma vez que queria deix-lo crescer at onde desse e no cort-lo nunca.

    E o cabelo louro daquela garota era curto bem curto. E ela nem se parecia comRowena. No muito. No quando se olha de perto. Rowena tinha olhos azuis. Os da garotaeram castanhos. Ela era apenas uma garota com um casaco marrom e um bon preto debeisebol, vendo cachorrinhos na vitrine de uma pet shop. Fiquei totalmente confuso. Deium passo atrs.

    Me desculpe falei. Achei que voc fosse outra pessoa.Ela me olhava como se eu tivesse acabado de sair do esgoto usando uma mscara de

    hquei e carregando uma serra eltrica. E no falou nada.

  • Olhe, sinto muito mesmo insisti. Foi mal, est bem?Ela assentiu sem dizer nada e saiu andando pela calada at chegar ao cruzamento,

    olhando para trs a todo instante. Ento correu como se todos os ces do infernoestivessem atrs dela.

    Queria me desculpar por t-la assustado, mas tinha meus prprios problemas.Estava perdido no centro de Greenville, havia me separado dos outros membros do meu

    grupo, tinha desistido da ideia de conseguir mostrar Rowena que eu era algum, e iaficar reprovado em Estudos Sociais.

    S havia uma coisa a fazer, ento eu fiz.Tirei o sapato.Embaixo da palmilha havia uma nota de cinco dlares dobrada. Minha me me fazia

    carreg-la ali para emergncias. Peguei as cinco pratas, calcei o sapato de novo, troquei odinheiro e peguei um nibus para casa, ensaiando todas as coisas que podia dizer para osr. Dimas, para Rowena, at mesmo para Ted, e pensando se eu teria a sorte de nasprximas doze horas contrair uma doena to contagiosa que me obrigaria a ficar afastadoda escola at o fim do semestre...

    Eu sabia que meus problemas no iriam terminar quando chegasse em casa. Mas pelomenos no estaria mais perdido.

    No entanto, como percebi depois, eu nem ao menos sabia o significado dessa palavra.

  • CAPTULO DOIS

    SEGUI DE NIBUS PARA casa atordoado. Aps passar por alguns quarteires, parei deolhar pela janela e comecei a olhar para a parte de trs do assento minha frente. Porquehavia algo de errado com as ruas. No comeo, no conseguia saber direito o que meincomodava; tudo parecia apenas um pouco... estranho. Como os arcos em xadrez verdedo McDonalds. Eu gostaria de ter ouvido falar daquela campanha antes.

    E os carros. Meu pai me diz que, quando ele era garoto, ele e seus amigos podiamdiferenciar facilmente um Ford de um Chevrolet e de um Buick. Hoje em dia todosparecem iguais, no importa qual seja o fabricante, mas era como se algum tivessedecidido que todos os carros deviam ser pintados em cores vivas todos em tons delaranja, verdes vivos e amarelos radiantes. No vi um carro preto ou prateado durante todoo caminho.

    Uma viatura policial passou por ns, sirenes ligadas, luzes piscando: verde e amarela,no azul e vermelha.

    Depois daquilo, mantive meus olhos no couro cinza rasgado minha frente. Quandoestvamos a meio caminho da minha rua, entrei numa paranoia de que minha casa noestaria l, de que haveria apenas um terreno vazio ou e isso era ainda mais perturbador uma outra casa. Ou de que, se houvesse pessoas l, elas no seriam meus pais, minhairm e irmozinho. Eles seriam estranhos. Eu no pertenceria mais quele lugar.

    Desci do nibus e corri os trs quarteires at minha casa. Ela parecia a mesma pelolado de fora mesma cor, mesmos canteiros de flores e jardineiras nas janelas, mesmosmensageiros dos ventos balanando do teto da varanda da frente. Quase chorei aliviado.Toda a realidade podia estar desmoronando ao meu redor, mas minha casa ainda era umporto seguro.

    Empurrei a porta da frente e entrei.O cheiro era da minha casa, no a de outra pessoa. Finalmente consegui relaxar.Ela parecia igual do lado de dentro tambm; mas ento, de p no corredor, comecei a

    notar algumas coisas. Pequenas coisas, sutis. Do tipo que faz voc pensar que estimaginando coisas. Achei que talvez o tapete do hall tivesse um padro um poucodiferente, mas quem que se lembra do padro de um tapete? Na parede da sala deestar, onde costumava haver uma foto minha no jardim de infncia, agora havia a foto deuma garota que tinha aproximadamente a minha idade. Ela se parecia um pouco comigo...mas, enfim, meus pais vinham mesmo falando em tirar uma foto de Jenny...

    E ento tive um estalo. Foi como quando eu fui cachoeira ano passado, quando o barril

  • bateu nas pedras e arrebentou, e de repente ficou tudo claro e de cabea para baixo, e eume machuquei...

    Havia algo diferente. Algo que no dava para ver pela frente da casa. A parte nova quetnhamos construdo nesta primavera o quarto do Kevin, meu irmo caula no estaval.

    Olhei para o alto da escada. Se eu ficasse na ponta do p e girasse o pescoo at doerum pouco, dava para ver onde o novo corredor comeava. Tentei fazer isso. At subialguns degraus da escada para ver melhor.

    No adiantou nada. A parte nova da casa no estava l.Se isso for uma piada, pensei, foi tramada por um bilionrio com um senso de humor

    realmente doentio.Ouvi um barulho atrs de mim. Eu me virei, e l estava minha me.S que no era ela.Como Rowena, minha me parecia diferente. Vestia um jeans e uma blusa que eu nunca

    tinha visto antes. O cabelo dela estava cortado como sempre, mas seus culos eramdiferentes. Como eu disse, pequenas coisas.

    Menos pelo brao artificial. Aquilo no era uma coisa pequena.Era feito de plstico e metal, e comeava logo abaixo da manga da sua blusa. Ela notou

    que eu olhava para o brao e seu olhar de surpresa assim como Rowena, ela no tinhame reconhecido passou a ser de receio.

    Quem voc? O que est fazendo nesta casa?Naquele momento, eu no sabia se ria, chorava ou comeava a gritar. Me chamei, desesperado , no est me reconhecendo? Sou eu, Joey! Joey? disse ela. No sou sua me, garoto. No conheo ningum chamado Joey.No consegui dizer mais nada depois disso. S fiquei ali parado olhando para ela. Antes

    de conseguir pensar no que dizer ou fazer, ouvi outra voz atrs de mim. Uma voz degarota.

    Me? Algum problema?Eu me virei. Acho que j esperava, de forma inconsciente, ver o que vi. Algo naquela

    voz me disse quem estaria ali no alto da escada.Era a garota da foto.No era Jenny. A garota tinha cabelo castanho avermelhado, sardas, e uma expresso

    meio boba, como se passasse tempo demais dentro da prpria cabea. Tinha a minhaidade, ento no podia ser minha irm. Ela era... e ento tive que admitir para mimmesmo o que j sabia ela era como eu seria se fosse uma garota.

    Ns dois olhamos um para o outro em choque. E ento ouvi a voz da me dela chamar,como se estivesse muito distante:

    Volta l para cima, Josephine. Depressa.Josephine.Foi a que eu entendi, de alguma forma. No sei como, mas tive um estalo e soube que

    era verdade.Eu no existia mais. De algum jeito eu havia sido deletado da minha prpria vida. No

    tinha dado muito certo, obviamente, j que eu ainda estava ali. Mas aparentemente eu era

  • o nico a achar que tinha direito de estar naquela casa. De alguma forma, a realidade tinhamudado tanto que agora o filho mais velho do sr. e da sra. Harker era uma menina, noum garoto. Josephine, e no Joseph.

    A sra. Harker era estranho pensar nela assim me observava. Estava desconfiada,mas tambm parecia curiosa. Bem, claro... ela via a semelhana familiar em meu rosto.

    Eu... conheo voc? Ela franziu a sobrancelha, tentando identificar de onde meconhecia. Em mais um minuto ela entenderia por que eu parecia to familiar... A sra.Harker lembraria que eu a havia chamado de me... E, como havia acontecido comigo,seu mundo se desintegraria.

    Ela no era minha me. No importa o quanto eu queria que fosse, no importa oquanto eu precisava que ela fosse, aquela mulher no era mais minha me do que a outrasenhora de casaco azul naquele dia na Macys.

    Sa correndo.At hoje no sei se corri porque aquilo tudo era demais para mim ou porque queria

    poup-la do que eu sabia: que a realidade podia se estilhaar como um espelho quebrado.Que isso podia acontecer com qualquer um, porque tinha acabado de acontecer com ela...e comigo.

    Passei por ela, sa da casa, segui pela rua e continuei correndo. Talvez estivesseesperando que, se corresse rpido o bastante, e para bem longe, eu poderia de algumaforma voltar no tempo, antes de toda aquela loucura acontecer. No sei se teriafuncionado. Nunca tive a chance de descobrir.

    De repente o ar minha frente se ondulou. Depois cintilou, como ondas de calor ficandoprateadas, e ento se abriu. Foi como se a prpria realidade tivesse se dividido em duas.Vi de relance um estranho fundo psicodlico l dentro, cheio de formas geomtricasflutuantes e cores pulsantes.

    Ento atravs dele passou uma... coisa.Talvez fosse um homem... eu no tinha certeza. Usava um casaco e um chapu e,

    quando ergueu a cabea para olhar para mim, pude ver o rosto escondido sob a aba.Era igual ao meu.

  • CAPTULO TRS

    O ESTRANHO USAVA uma mscara que cobria todo seu rosto e era feita de um materialespelhado, como mercrio. Era muito perturbador olhar para aquela cara prateada semforma alguma e ver meu prprio rosto me encarando de volta, todo distorcido.

    Meu rosto parecia bobo e idiota. Um mapa lquido de sardas, um esfrego bagunadocastanho-avermelhado como cabelo, grandes olhos castanhos e uma boca retorcida emuma mistura caricaturesca de surpresa e, para ser sincero, medo.

    A primeira coisa que pensei foi que o estranho era um rob, um desses robs de metallquido dos filmes. Depois achei que fosse um aliengena. Ento comecei a suspeitar quefosse algum que eu conhecia usando um tipo de mscara high-tech interessante. E esseltimo pensamento se transformou em certeza quando ele falou, porque era uma voz queeu conhecia. No pude descobrir de onde porque saiu abafada pela mscara, mas euconhecia aquela voz, isso era certo.

    Joey?Tentei dizer Sim?, mas s consegui fazer um barulho em minha garganta.Ele deu um passo em minha direo. Olhe, isso tudo est acontecendo um pouco rpido para voc, imagino, mas tem que

    confiar em mim.Est tudo acontecendo um pouco rpido? Esse foi o maior eufemismo da dcada, cara,

    quis falar para ele. Minha casa no era minha casa, minha famlia no era minha famlia,minha namorada no era minha namorada bem, ela j no era desde o incio, mas issono hora de se prender a detalhes. A questo que tudo de estvel e permanente emminha vida tinha virado gelatina, e faltava muito pouco para eu perder completamente ocontrole.

    Ento o esquisito com a mscara de Halloween colocou a mo no meu ombro, ebastou isso para no faltar nada. No me importava se ele era algum que eu conhecia.Dei uma joelhada para cima, com fora, da maneira como o sr. Dimas tinha nos dito parafazer meninos e meninas , se algum dia pensssemos estar correndo algum tipo deperigo fsico envolvendo um homem adulto. (No mirem nos testculos, dissera o sr.Dimas naquele dia, como se estivssemos falando sobre o tempo. Mirem no meio doestmago, como se estivessem planejando chegar nele atravs dos testculos. E noparem para ver se o cara est bem ou no. Apenas corram.)

    Quase quebrei minha patela. Ele estava usando algum tipo de armadura embaixo docasaco.

  • Gemi de dor e agarrei meu joelho direito. O pior que eu sabia que, por trs daquelamscara espelhada, o esquisito estava sorrindo.

    Est tudo bem? perguntou ele naquela voz que me soava familiar. Parecia estarmais achando graa do que preocupado.

    Tipo, tudo bem, apesar de eu no saber o que est acontecendo, ter perdido a minhafamlia e quebrado o joelho? Eu devia ter corrido, mas fugir como se sua vidadependesse disso exige estar com as duas pernas em boas condies de uso. Respireifundo e tentei me recuperar.

    Duas dessas coisas so culpa sua mesmo. Eu esperava alcan-lo antes que voccomeasse a Andar, mas no fui rpido o bastante. Agora, voc disparou todos os alarmesdesta regio, passando de um plano a outro desse jeito.

    Eu no fazia ideia do que ele estava falando; eu no tinha feito plano nenhum. Esfregueia perna.

    Quem voc? perguntei. Tire a mscara.Ele no tirou. Pode me chamar de Jay disse ele, estendendo a mo de novo, como se eu devesse

    cumpriment-lo.Eu me pergunto se teria ou no apertado a mo dele, porque nunca cheguei a descobrir.

    Um claro repentino de luz verde me cegou, me fazendo piscar, e, um instante depois, umestrondo alto deixou meus ouvidos momentaneamente inoperantes tambm.

    Corra! gritou Jay. No, no por a! V por onde voc veio. Vou tentar det-los.Eu no corri... S fiquei ali em p, olhando.Havia trs discos voadores, prateados e reluzentes, flutuando no ar h mais ou menos

    trs metros. Sobre cada disco, equilibrando-se como um surfista que pega uma onda, haviaum homem com um traje cinza inteirio. Cada um dos homens segurava uma rede grande parecida com as de pescar, pensei, ou a de um gladiador.

    Joseph Harker gritou um dos gladiadores numa voz monocrdia, quase semexpresso. intil resistir. Por favor, fique onde est. Ele agitou sua rede paraenfatizar o que dizia.

    A rede crepitou e faiscaram pequenas fagulhas azuis onde a malha tocou. Entendi duascoisas quando vi aquelas redes: que elas eram para mim e que machucariam se mepegassem.

    Jay me empurrou. Corra!Dessa vez, no hesitei. Dei meia-volta e sa em disparada.Um dos homens nos discos gritou de dor. Olhei para trs por um instante: ele estava

    caindo no cho enquanto o disco pairava no ar logo acima. Suspeitei que Jay tivesse sido oresponsvel.

    Os outros dois gladiadores planavam no ar acima de mim, me acompanhando enquantoeu corria. Nem precisava olhar para o alto. Podia ver suas sombras.

    Eu me sentia como um animal um leo ou um tigre, talvez em um documentriosobre a vida selvagem, sendo caado por homens com dardos tranquilizantes. D para verque ele vai ser derrubado se continuar a correr em linha reta. Ento no fiz isso. Esquivei-

  • me para a esquerda, bem quando uma rede pousou onde eu estava. Ela tocou minha modireita ao cair, que ficou dormente. Eu no conseguia sentir os dedos.

    E ento eu me desloquei.No sei como fiz isso, ou mesmo o que tinha acabado de fazer. Tive uma impresso

    momentnea de mais neblina, luzes faiscantes e sons de mensageiros dos ventos, e entoeu estava sozinho. Os homens no cu tinham desaparecido at mesmo o misterioso sr.Jay com o rosto espelhado no estava em parte alguma. Era uma tranquila tarde deoutubro, com folhas midas grudadas na calada, e nada acontecia na sonolenta Greenville,como de costume.

    Meu corao batia to forte que achei que meu peito fosse explodir.Desci a Maple Road, tentando recuperar o flego, e esfregando minha mo direita

    dormente com a esquerda, enquanto procurava entender o que havia acabado de acontecer.Minha casa j no era mais minha casa. As pessoas que moravam l no eram minha

    famlia. Havia uns caras em tampas de bueiro voadoras atrs de mim, e outro com umgancho de cala de armadura e rosto espelhado.

    O que eu podia fazer? Ir polcia? Claaaro, disse a mim mesmo. Eles ouvem histriascomo essa o tempo todo. E mandam as pessoas que contam essas histrias para ohospcio.

    Ento s havia uma pessoa com quem eu poderia conversar. Dobrei a esquina e vi aGreenville High minha frente.

    Eu ia falar com o sr. Dimas.

  • CAPTULO QUATRO

    A GREENVILLE HIGH School foi construda havia aproximadamente cinquenta anos. Desdeento, esteve fechada por alguns meses quando eu era criana para a prefeitura remover oasbesto. H alguns trailers temporrios nos fundos da escola que abrigam as salas de artee os laboratrios de cincias, e vo continuar l at conseguirem verba para construir onovo anexo. A escola est meio caindo aos pedaos, e cheira a umidade, pizza eequipamento esportivo suado e, se no parece que gosto muito dela, bem, acho que porque no gosto mesmo. Mas tenho que admitir que me fez muito bem estar ali naquelemomento.

    Consegui subir os degraus, com muito cuidado, e de olho no cu para ver se apareciaalgum gladiador voando em um disco. Nada.

    Entrei. Ningum prestou ateno em mim.Estava na metade do quinto tempo e no havia muitas pessoas nos corredores. Segui

    em direo sala do Dimas o mais rpido que pude sem chegar a correr. Ele nunca tinhasido meu professor preferido aqueles testes bizarros que inventava eram difceis , massempre me passara a impresso de ser algum que no perderia a cabea numaemergncia.

    Se aquela no era uma emergncia, eu no sabia mais o que poderia ser. E, de certamaneira, era culpa dele, no era?

    S parei quando cheguei sua sala. Olhei pelo vidro da porta. Ele estava sentado mesa, corrigindo uma pilha de deveres de casa. Bati na porta. Ele no levantou a cabea,apenas chamou:

    Entre! E continuou a corrigir.Abri a porta e fui direto para sua mesa. Ele manteve os olhos nos papis. Sr. Dimas? falei, tentando evitar que minha voz soasse trmula. Tem um minuto?O professor levantou a cabea, olhou nos meus olhos, e deixou cair a caneta. Eu me

    abaixei, peguei-a e coloquei-a de volta na mesa. Algum problema? indaguei.Ele parecia plido e levei alguns instantes para perceber isso realmente assustado.

    Boquiaberto, balanou a cabea, em um gesto que meu pai chamava de sacudir as teiasde aranha, e me olhou de novo. Ento estendeu a mo direita e disse:

    Aperte minha mo. H, sr. Dimas...? De repente fui tomado pelo medo de que ele fizesse parte de toda

    aquela maluquice tambm, e aquele pensamento me assustou tanto que mal consegui me

  • manter de p. Eu precisava de algum no papel de adulto agora.Ele ainda estava com a mo estendida, e percebi que seus dedos tremiam. Parece que voc viu um fantasma comentei.Ele olhou para mim severamente. Isso no engraado, Joey. Se voc for o Joey. Aperte minha mo.Coloquei minha mo na dele. Ele apertou tanto que doeu, procurando sentir minha pele e

    meus ossos. Depois me soltou e olhou para o meu rosto. Voc real decidiu ele. No uma alucinao. O que isso significa? Voc Joey

    Harker? Com certeza se parece com ele. claro que sou Joey respondi.Tenho que admitir eu j estava a ponto de comear a chorar como um beb. Aquela

    loucura toda, o que quer que fosse, no podia estar afetando o sr. Dimas tambm. Elesempre tinha sido to sensato. Bem, sensato com relao a algumas coisas. Quando oprefeito Haenkle o descreveu em sua coluna no Greenville Courier como to louco comouma mquina de retirar neve no vero, eu sabia bem o que ele queria dizer.

    Mas eu precisava contar a algum o que estava acontecendo, e o sr. Dimas aindaparecia a melhor escolha.

    Olhe falei com cuidado , o dia hoje foi... bem estranho. Achei que voc seria anica pessoa com que eu poderia falar sobre isso.

    Ele ainda estava to branco como papel, mas assentiu. Ento ouvimos uma batida naporta, e ele disse:

    Entre! O sr. Dimas parecia aliviado.Era Ted Russell. Ele mal olhou para mim. Sr. Dimas disse ele. Estou com um problema. Se eu tirar um F em Estudos

    Sociais, no ganho um carro. E acho que voc vai me dar um F.Aparentemente havia coisas que nem realidades alternativas podiam mudar; Ted

    obviamente ainda tinha problemas com as notas. O sr. Dimas parecera desapontadoquando Ted entrou; mas agora estava irritado.

    E por que isso seria um problema meu, Edward?Aquele era o sr. Dimas que eu conhecia. Eu me senti aliviado e, sem pensar, acabei me

    metendo na conversa. Ele est certo, Ted. De qualquer forma, mant-lo longe da estrada o melhor para

    todos. Voc no volante seria um perigo!Ele se virou em minha direo e eu esperava que no fosse me bater na frente do sr.

    Dimas. Ted Russell gostava de bater em pessoas menores que ele, e isso representavauma boa parcela da escola. Ele levantou a mo... e ento viu que era eu.

    Ted parou com o brao levantado e disse, claro como o dia: Santa Me de Deus, o Senhor est me castigando. Ento comeou a gritar e saiu

    correndo da sala, assim como eu tinha feito mais cedo. Ou seja, correu como se sua vidadependesse disso, como se costuma dizer.

    Olhei para o sr. Dimas. Ele me olhou de volta, ento prendeu um p em uma cadeira aliperto e a puxou em minha direo.

    Sente-se pediu ele. Abaixe a cabea. Respire devagar.

  • Fiz tudo isso. O que foi bom porque o mundo ou pelo menos a sala dele estavagirando um pouco. Depois de um minuto, as coisas comearam a se estabilizar, e levanteia cabea. O sr. Dimas me observava.

    Ele saiu da sala e voltou alguns segundos depois com um copo de papel. Beba.Tomei a gua. E isso ajudou. Um pouco. Eu achava que estava tendo um dia esquisito. Agora j est alm do bizarro. Voc

    pode me explicar o que est acontecendo?Ele assentiu. Posso explicar um pouco, com certeza. Pelo menos, posso explicar a reao de

    Edward. E a minha. Veja bem, Joey Harker se afogou no ano passado em um acidente nasquedas do Grand River.

    Agarrei-me minha sanidade, segurando firme com as mos. Eu no me afoguei expliquei a ele. Fiquei bem abalado, levei quatro pontos na

    perna, e meu pai disse que me ensinaria uma lio que eu nunca iria esquecer, e quetentar descer a cachoeira num barril era a coisa mais idiota que eu j tinha feito. E eudisse a ele que no teria feito isso se Ted no tivesse me chamado de franguinho...

    Voc se afogou repetiu o sr. Dimas sem mudar o tom. Eu ajudei a tirar seu corpodo rio. Fiz um discurso no seu enterro.

    Ah... Ns dois ficamos quietos durante algum tempo, at que o silncio se tornouinsuportvel, e eu precisei falar alguma coisa. O que voc disse? Bem, voc noperguntaria a mesma coisa se estivesse em meu lugar?

    Coisas boas disse ele. Falei que voc era um menino de bom corao, e comovoc se perdia o tempo todo durante seu primeiro semestre aqui. Que tnhamos quemandar equipes de resgate para que voc chegasse em segurana na aula de EducaoFsica ou nos trailers de cincias.

    Minhas bochechas estavam ardendo. Que timo falei com todo o sarcasmo que consegui reunir. exatamente como eu

    queria ser lembrado. Joey, o que voc est fazendo aqui? perguntou ele gentilmente. Estou tendo um dia bem estranho... j lhe disse.E eu ia lhe explicar tudo e aposto que ele ia entender alguma coisa , mas, antes que

    eu pudesse falar, a sala comeou a escurecer. No como se o sol tivesse se escondidoatrs de uma nuvem, ou em como nossa, est escuro, acho que vai cair umatempestade, ou at mesmo escuro como em aposto que um eclipse total do sol deve serassim. Parecia que era possvel tocar aquela escurido; parecia algo slido, tangvel e frio.

    E havia olhos no meio dela.A escurido tomou forma. Era uma mulher. Seu cabelo era longo e preto. Tinha lbios

    carnudos, como estava na moda entre as estrelas de cinema quando eu era garoto; ela erapequena e meio magra, e seus olhos eram to verdes que parecia estar usando lentes decontato. E eram olhos de gato. No quero dizer que tinham o formato dos olhos de umgato. Mas que olhavam para mim como um gato olha para um pssaro.

    Joseph Harper comeou ela.

  • Sim confirmei. O que provavelmente no foi a coisa mais inteligente que eu podiater dito, porque ela lanou um feitio em mim.

    No sei explicar melhor o que houve. Ela moveu o dedo, traando uma figura umsmbolo que parecia um pouco chins e um pouco egpcio que ficou brilhando suspensano ar depois que seu dedo parou de se mexer, e falou alguma coisa enquanto isso; e apalavra que ela disse pairou, vibrou e flutuou pela sala. E os dois, palavra e gesto,preencheram minha cabea; e eu soube que teria de segui-la por toda a minha vida, ondequer que ela fosse. Eu a seguiria ou morreria tentando.

    A porta se abriu. Dois homens entraram. Um usava apenas um trapo, como uma fraldaem volta da cintura. Era careca na verdade, at onde eu podia ver, ele no tinha nemcabelo nem pelo algum, e esse fato, alm da fralda, j o fazia parecer um pesadelomesmo sem as tatuagens. E essas s pioravam as coisas: cobriam cada centmetro desua pele, desde a cabea at a ponta dos ps, em tons desbotados de azul, verde,vermelho e preto, figura aps figura. Eu no conseguia ver o que eram, ainda que ele noestivesse a mais de um metro e meio de distncia.

    O outro homem usava uma camisa e um jeans. A camisa era muito pequena, o que erarealmente bem ruim, porque deixava uma boa parte da barriga exposta. E sua barriga...bem, ela brilhava. Como uma gua-viva. Eu podia ver os ossos, nervos e tudo mais atravsde sua pele de gelatina. Olhei para seu rosto, que era do mesmo jeito. A pele dele eracomo uma mancha de leo sobre os ossos, msculos e tendes; dava para v-los,trmulos e distorcidos, por baixo dela.

    A mulher olhou para os dois como se estivesse esperando por eles. Ento apontoucasualmente para mim.

    Eu o peguei anunciou ela. Mais fcil que tirar ambrosia de um elemental. Ele vainos seguir para qualquer lugar agora.

    O sr. Dimas se levantou e disse: Agora, preste ateno, mocinha. Vocs no podem... E ento ela fez outro gesto e

    ele congelou. Ou algo parecido. Eu podia ver os msculos dele tremendo, como seestivesse tentando se mover, esforando-se com cada clula do seu ser, mas semsucesso.

    Onde vo nos buscar? perguntou ela. Tinha um jeito de falar de menina mimada queeu achava irritante, principalmente sabendo que teria que passar o resto da minha vidaseguindo-a por todo lado.

    L fora. Onde h um carvalho destrudo explicou o homem gua-viva como searrotasse lama enquanto falava. Temos que esperar ali.

    timo disse ela. Ento olhou para mim e falou como se estivesse se dirigindo a umcachorro do qual no gostasse muito: Vamos.

    Depois se virou e saiu.Cega e obedientemente, eu a segui, me odiando a cada passo.

  • MUNDIRIODo Dirio de Jay

    Voltei Cidade Base tarde da noite. A maioria do pessoal em meu dormitrio j estavadormindo, menos Jai, que estava meditando, suspenso no ar com as pernas cruzadas ento tambm talvez estivesse dormindo. Entrei sem fazer barulho, tirei a roupa e fiqueivinte minutos no banho, tirando a lama e o sangue seco do cabelo. Depois preenchi orelatrio de perdas e danos, explicando como tinha perdido a jaqueta e o cinto (eu haviatrocado a jaqueta por informaes, e o cinto tinha servido para fazer um torniquete bemeficaz, se voc quer saber). Ento desabei como um defunto e dormi at acordar sozinho.

    uma tradio. No se acorda algum que est voltando de um trabalho. A gente temum dia para fazer o relatrio da misso, e depois outro livre. Isso meio sagrado. Mas osagrado vai para o ralo o momento em que o Ancio chama, e havia um bilhete ao lado domeu beliche quando acordei, no papel laranja do Ancio, me dizendo para me dirigir ao seuescritrio assim que eu pudesse o que sua forma de dizer imediatamente.

    Ento me vesti depressa e segui para o escritrio do comandante.H quinhentos de ns na base, e cada um de ns morreria pelo Ancio. No que ele

    fosse querer isso. Ele precisa de ns. Ns precisamos de ns.Soube que ele estava de mau humor quando cheguei antessala porque sua assistente

    acenou para que eu entrasse no escritrio assim que me viu chegar. Nenhum ol, nemmesmo me ofereceu um caf. Apenas Ele est esperando. Entre logo.

    A mesa do Ancio ocupa a maior parte da sala e fica coberta por pilhas de papel epastas amassadas presas com elsticos. No sei como ele encontra alguma coisa ali.

    Na parede atrs dele, h uma figura enorme de algo que parece meio um redemoinho,meio um tornado, mas principalmente com a forma que a gua assume quando desce peloralo. uma imagem do Altiverso o padro que todos juramos proteger e guardar, atcom nossas prprias vidas, se necessrio.

    Ele me encarou com seu olho bom. Sente-se, Jay.O Ancio parecia estar na casa dos cinquenta anos, mas podia ser bem mais velho que

    isso. Est bem acabado. Um de seus olhos artificial: uma estrutura desenvolvida comtecnologia binria, feita de metal e vidro, em que cintilam luzes verdes, violetas e azuis.Quando o Ancio olha para voc atravs dele, pode examinar sua conscincia e faz-lo sesentir como se tivesse cinco anos. E o mesmo vale para seu olho de verdade, que castanho, assim como o meu.

    Voc est atrasado resmungou ele. Sim, senhor falei. Vim assim que recebi sua mensagem. Temos um novo Andarilho disse o Ancio. Ele pegou uma pasta em sua mesa,

    folheou o que havia dentro e tirou de l uma folha de papel azul. Depois me entregou. OPessoal l de Cima acha que ele tem potencial.

    Muito? No tenho certeza. Mas ele imprevisvel. Vai disparar alarmes e tropear em

    armadilhas onde quer que for.

  • Olhei para o papel. Design bsico de planeta favorvel ao ser humano um dos mundosdo meio, a parte espessa do Arco , no muito extico. As coordenadas tambm erambem simples. Parecia uma viagem razoavelmente fcil.

    Devo traz-lo para c?O Ancio assentiu. Sim. E rpido. Os dois vo mandar equipes captur-lo assim que souberem que ele

    est por a. Eu devia estar fazendo o relatrio do trabalho da Luz Estelar hoje. Joliet e Joy esto preparando o relatrio agora. Se eu precisar de mais algum detalhe,

    entro em contato com voc. Esta sua prioridade no momento. E voc pode ter dois diasde descanso quando terminar.

    Eu me perguntei se teria mesmo os dois dias de folga. Mas no importava. Entendi. Vou traz-lo para c. Dispensado ordenou o Ancio. Eu me levantei, pensando em passar rapidamente pelo

    depsito de armas e depois sair em campo para a Interzona. Antes de chegar porta, noentanto, ele falou de novo. Ainda estava resmungando, mas era um resmungo amigvel. Lembre-se, Jay, preciso de voc aqui de volta inteiro, e o quanto antes. Um Andarilhorazovel no vai significar o fim dos mundos. Um oficial de campo a menos poderia. Fiquelonge de problemas. Espero voc de volta para fazer seu relatrio da misso s sete damanh em ponto.

    Sim, senhor respondi e fechei a porta.A assistente do Ancio me entregou a autorizao de requisio de arma e sorriu para

    mim. Seu nome Josetta. Digo o mesmo, Jay falou ela. Volte em segurana. Precisamos de todos os

    agentes de campo que pudermos ter.O intendente de uma das Terras mais pesadas lugares em que voc sente que pesa

    duzentos quilos, e frequentemente isso mesmo. Ele tem a forma de um barril e uns 25centmetros mais alto do que eu. Olhar para ele como se ver em um daqueles espelhosque distorcem a imagem nos parques, do tipo que achata seu corpo ao mesmo tempo emque o amplia.

    Requisitei um traje de combate e vi quando ele o atirou para mim como se no pesassenada. Eu o peguei, mas quase ca porque aquilo devia pesar uns 35 quilos. Imaginei que eledevia estar irritado comigo por ter perdido a jaqueta e o cinto.

    Assinei a retirada do traje de combate. Fiquei s de camisa e cueca boxer, coloquei otraje sobre mim e o ativei, sentindo-o cobrir meu corpo da cabea aos ps; ento meconcentrei no garoto novo. Eu o localizei e comecei a Andar em direo a ele...

    A Interzona era fria, e tinha gosto de baunilha e fumaa de lenha queimada. No tivedificuldade para encontrar o garoto. E ento deu tudo errado.

  • CAPTULO CINCO

    EU ESTAVA SEGUINDO a bruxa, com o sr. gua-Viva e o cara tatuado logo atrs.Era como se duas pessoas estivessem vivendo em minha mente. Uma delas era EU, um

    grande eu, que tinha de algum jeito concludo que a coisa mais importante que j existiraou existiria era a bruxa que ele seguia para fora da escola. A outra pessoa em minhacabea era eu tambm, mas um eu pequenininho que gritava em silncio, tinha pavor dabruxa, do cara tatuado e do sr. gua-Viva, e queria sair correndo e se salvar.

    O problema era que o pequeno eu estava totalmente inoperante. Cruzamos o campo defutebol, seguindo em direo ao velho carvalho, que tinha sido atingido por um raio h unsdois anos e se erguia contra o cu como um dente podre. O sol tinha acabado de se pr,mas o cu ainda estava claro. Eu tremia.

    A bruxa se virou para o homem tatuado. Scarabus, entre em contato com o transporte.Ele curvou a cabea. Pude ver sua pele se arrepiar sob uma daquelas imagens no

    muito claras. Ele levantou um dedo e tocou uma das tatuagens em seu pescoo, e derepente pude v-la bem. Era um barco vela. Ele fechou os olhos. Quando abriu, suaspupilas brilhavam.

    O navio Lacrimae Mundi est s suas ordens, senhora apresentou-se ele numa vozdistante como uma transmisso de rdio.

    Estou com nossa presa bem aqui, em segurana. Traga o navio, capito. Como quiser confirmou o homem tatuado, com a voz distante. Ento fechou os

    olhos e tirou a mo da tatuagem. Quando abriu os olhos, estavam normais outra vez. Oque disseram? perguntou o tatuado com a voz normal.

    Esto trazendo o navio para c agora informou o homem gua-viva. Vejam!Levantei a cabea.O navio, parecendo to grande quanto o auditrio que estava se materializando no ar

    nossa frente, era igual a todos os navios piratas que voc j viu em filmes antigos: tbuasde madeira manchadas, grandes velas enfunadas, e a figura de um homem com cabea detubaro na proa. Deslizava em nossa direo a cerca de um metro e meio do cho, e ogramado do campo de futebol se agitava de um lado para o outro como a superfcie domar enquanto ele passava.

    O grande eu no podia ligar menos para navios fantasmas velejando pelo ar, desde quea bruxa e eu estivssemos juntos. O pequeno eu aprisionado nos fundos da minha menteesperava que tudo aquilo fosse apenas uma reao ruim a alguma nova medicao que os

  • gentis mdicos estavam testando em mim em qualquer que fosse o hospcio em quetinham me trancado.

    Uma escada de corda foi jogada pela lateral do navio. Suba! comandou a bruxa, e eu subi.Quando eu estava no alto da embarcao, mos imensas me agarraram e me jogaram

    no convs como um saco de batatas. Olhei para cima e vi homens do tamanho delutadores vestidos como marinheiros em filmes de piratas. Tinham lenos amarrados nacabea, usavam suteres velhos e jeans surrados, e estavam descalos. Eles foram maisatenciosos com a bruxa, erguendo-a com cuidado sobre a lateral do navio. Ento todos seafastaram. Acho que no queriam tocar no homem gua-viva ou em Scarabus, o caratatuado, e eu no podia culp-los por isso.

    Um dos marujos olhou para mim. Isso a o motivo desse estardalhao todo? perguntou ele. Esse vermezinho? Sim retrucou a bruxa friamente. Esse vermezinho a razo de todo esse

    alvoroo. Minha nossa disse o marujo. Vamos jog-lo ao mar quando estivermos em curso? Machuque-o antes de voltarmos BRUX e cada feiticeiro do Tarn vai querer um

    pedao da sua pele. Ele vai morrer do nosso jeito. Afinal, o que voc acha que forneceenergia a esse seu navio? Leve-o para os meus aposentos l embaixo.

    Ela, ento, se virou para mim. Joseph, voc precisa ir com este homem. Fique onde ele mandar. Se me desobedecer,

    ficarei muito triste.A ideia de mago-la fez meu corao doer. Literalmente senti uma dor aguda dentro

    de mim. Eu sabia que nunca poderia fazer nada que a deixasse infeliz de qualquer jeito.Esperaria por ela at o mundo acabar se fosse preciso.

    O marujo me empurrou escada abaixo em direo a um corredor estreito que tinhacheiro de cera de cho e peixe. No final do corredor havia uma porta, e ns a abrimos.

    Aqui estamos ns, meu caro verme anunciou ele. Os aposentos de Lady Indigopara a viagem de volta BRUX. Fique aqui e espere por ela. Se precisar se aliviar, h umbanheiro bem ali, depois daquela porta. Use-o; no se embarace. A lady vai descer quandoestiver pronta. Foi traar agora nosso curso de volta com o capito.

    Ele falava comigo como quem fala com um animal de estimao ou de fazenda, apenaspara ouvir o som da prpria voz.

    Ento saiu.Senti uma guinada e, atravs da escotilha da cabine, vi o cu noturno se dissolver em

    estrelas, milhares delas, flutuando numa escurido violeta. Estvamos em movimento.Devo ter ficado l em p por horas, esperando ao lado da porta.Em algum momento, percebi que tinha que fazer xixi, e passei pela porta que o marujo

    havia mostrado. Acho que esperava alguma coisa apertada e antiquada, mas o que haviaatrs da porta era um banheiro pequeno, mas luxuoso, com uma grande banheira rosa eum pequeno vaso rosa de mrmore, que eu usei e depois dei descarga. Lavei as mos comsabo rosa com cheiro de rosas e sequei em uma toalha de banho rosa felpuda.

    Ento olhei pela escotilha do banheiro.

  • Acima do navio havia estrelas. Sob o navio, mais estrelas, pontos cintilantes de luz.Havia muito mais delas do que eu havia imaginado que existissem. E elas eram diferentes.No reconheci nenhuma das constelaes que meu pai havia me ensinado quando eu eramais novo. Vrias delas estavam incrivelmente perto perto o bastante para mostrardiscos to grandes quanto o sol, mas de alguma forma ainda era noite.

    Eu me perguntava quando chegaramos aonde estvamos indo.E por que eles iam me matar quando chegssemos l (e em algum lugar dentro de mim

    um pequeno Joey Harker berrou e gritou e soluou e tentou chamar a ateno do meucorpo).

    Esperava que Lady Indigo no tivesse retornado e descoberto que eu no estavaesperando por ela. A ideia de desapont-la me dilacerava como uma faca no corao,ento corri de volta para a entrada e fiquei l em posio de sentido, esperando que elavoltasse logo. Se ela no retornasse, eu tinha certeza de que morreria.

    Esperei mais uns vinte minutos, at que a porta se abriu e felicidade pura inundouminha alma. Milady Indigo estava ali com Scarabus.

    Ela nem olhou para mim. Sentou-se na cama rosa pequena, enquanto o homem tatuadoficou l parado sua frente.

    No sei disse ela, aparentemente respondendo a uma pergunta que ele tinha lhefeito no corredor. No consigo imaginar que algum possa nos achar aqui. E, assim quechegarmos BRUX, teremos os melhores guardas do Altiverso ao nosso dispor.

    Ainda assim insistiu o homem, mal-humorado , Neville falou que captou umaperturbao no continuum. Ele disse que alguma coisa estava vindo.

    Neville repetiu ela docemente um exagerado com corpo de geleia. O LacrimaeMundi est velejando de volta BRUX atravs do Lugar-Algum. Estamos praticamenteindetectveis.

    Praticamente murmurou ele.Ela se levantou e caminhou na minha direo. Como voc est, Joseph Harker? Muito feliz por v-la aqui de novo, milady respondi. Alguma coisa incomum aconteceu enquanto voc estava aqui embaixo esperando por

    mim? Incomum? Acho que no. Obrigada, Joseph. Voc s deve falar agora quando eu lhe pedir que faa isso. Ela

    comprimiu os lbios grossos e voltou a se sentar na cama. Scarabus, contacte a BRUXpara mim.

    Sim, senhora.Ele tocou uma tatuagem na barriga, um desenho que tinha algo de As mil e uma noites,

    do castelo do Drcula e tambm se parecia um pouco com o mundo visto do espao. Elefechou os olhos. Quando os abriu de novo, suas pupilas faiscavam diferente do brilhofixo que tinham quando ele havia pedido que o navio fosse levado at o campo de futebol.

    Ele falou com um tom de voz grave, como se algum tivesse mergulhado o Darth Vaderem um barril gigante de xarope de bordo:

    Indigo? O que ?

  • Estamos com o garoto Harker, milorde Dogknife. Um Andarilho de primeira. Ele poderfornecer energia a muitos navios.

    Que bom disse o ofegante de voz xaroposa. Mesmo com o feitio sob o qual euestava, fosse qual fosse, aquela voz fez minha pele se arrepiar. Estamos prontos paracomear o ataque aos mundos Lorimare. Os portais fantasmas que iremos criarimpossibilitaro qualquer contra-ataque ou resgate. Quando forem energizados, ascoordenadas Lorimare usuais abriro mundos fictcios sob nosso poder. Agora, com outroexcelente Harker nossa disposio, teremos todo poder de que precisamos para enviar afrota. O Imperador dos mundos Lorimare j est do nosso lado.

    Temos a Causa, Lorde Dogknife. Temos a Vontade, Lady Indigo. Quanto tempo at vocs atracarem aqui? No menos de doze horas. Muito bem. Vou preparar uma tina para o Harker.Ela olhou para mim e sorriu, e meu corao pulou no meu peito e cantou como um

    cardeal na primavera. Gostaria de guardar uma lembrana desse Harker disse ela. Talvez uma mecha de

    cabelo ou um osso do dedo. Darei ordens para isso. Agora, tenha um bom dia. E o homem tatuado fechou os

    olhos. Quando os abriu de novo, disse com a prpria voz: Ai, isso me deixou com umador de cabea de matar. Como estava o Dogknife?

    timo disse ela. Ele est planejando nosso ataque aos mundos Lorimare. Antes ele do que eu comentou Scarabus e esfregou a tmpora. Ai. Acho que vou

    dar uma volta l em cima no convs. Respirar ar puro.Ela assentiu. Sim. Passei as ltimas horas l embaixo na sala de mapas, sentindo o cheiro de

    cebolas cruas e queijo de cabra da comida do capito. Ela olhou para mim. Mas noquero deixar o Harker aqui.

    Scarabus encolheu os ombros azuis e vermelhos. Traga-o junto.Ela assentiu e disse: Muito bem. S me d um minuto. Entrou no pequeno banheiro cor-de-rosa e fechou

    a porta.O homem tatuado olhou para mim. Pobre criatura observou ele. Como um cordeiro indo para o matadouro.Lady Indigo no tinha me dito para falar, ento eu no disse nada.Algum bateu na porta da cabine. Scarabus a abriu. No pude ver o que aconteceu em

    seguida, porque a porta bloqueou minha viso. Mas ouvi uma pancada, algum arfando, eScarabus desabou no cho. O homem que entrou usava um chapu, um casaco e tinha orosto prateado.

    Ele ergueu a mo para me cumprimentar. Ento tirou o casaco e o chapu. Ele estavacoberto da cabea aos ps por um tipo de traje prateado, como um homem vestindo umespelho. Ele rolou o Scarabus, inconsciente, para trs da cama e colocou o casaco emcima dele.

  • Eu conseguia ouvir a bica aberta. Sabia que milady Indigo estava lavando as mos como sabo com cheiro de rosas. Tinha de alert-la de que o tal Jay estava l e queria seumal. Tentei falar, mas, como ela no tinha me dado permisso para tal, as palavras nosaram da minha boca.

    Jay se era ele mesmo o homem com o traje espelhado levou a mo ao uniforme eajeitou alguma coisa acima do corao.

    O traje fluiu e mudou e...Scarabus estava ali em p diante de mim. Se eu no pudesse ver o p do verdadeiro

    homem tatuado aparecendo sob o casaco do outro lado da cama, teria achado que Jay eramesmo ele. A iluso era muito boa.

    Milady Indigo saiu do banheiro.Diga-me para falar, pensei, implorando a ela, me diga para falar, e vou avis-la que est

    em perigo. Este no seu amigo. Sou a nica pessoa que realmente se preocupa com voce no posso alert-la.

    Certo disse ela. Vamos subir at o convs. Como est sua dor de cabea?O homem que se parecia com Scarabus deu de ombros. Imaginei que o traje no

    funcionava para as vozes. Lady Indigo no insistiu. Ela se virou e saiu do quarto. Siga-me, escravo Harker, e fique por perto ela me chamou.Eu a segui at o convs, pois no podia nem pensar em desobedec-la. (O Joey

    enterrado no fundo de mim podia ele no parava de berrar e gritar que eu devia resistir,correr, qualquer coisa. Continuei andando. As palavras dele no significavam nada paramim.)

    Acima de ns, campos estelares giravam, piscavam e espiralavam. Neville, o homemgua-viva, correu em nossa direo assim que nos viu.

    Chequei todos os instrumentos e pressgios anunciou ele, de forma arrogante, comsua voz de suga-lama e consultei o astrolbio, e todos dizem o mesmo: temos umclandestino a bordo. Uma presena estranha chegou ao Lacrimae Mundi h cerca de umahora. Bem quando eu disse que senti algo na boca do estmago.

    Isso sim que um estmago poderoso disse o homem-espelho com a voz deScarabus. Ento eu tinha me enganado; o traje podia imitar as vozes tambm.

    Vou ignorar esse comentrio retrucou o homem gua-viva para Scarabus. Que tipo de clandestino, Neville? perguntou Lady Indigo. Pode ser algum enviado por Zelda Graciosa para pegar o Harker, para que eles

    fiquem com todo o crdito disse Scarabus. Voc sabe o quanto ela a odeia. Se Zeldalevar seu Harker de volta para BRUX, isso lhe daria uma vantagem.

    Zelda. Lady Indigo fez uma careta, como se estivesse comendo alguma coisa eacabasse de descobrir que eram vermes.

    Neville se abraou com suas mos de gua-viva e parecia infeliz. Ela quer minha pele reclamou ele. H anos quer fazer um casaco para se exibir e

    ainda assim ficar aquecida.Antes que ele pudesse continuar, Scarabus Jay fingindo ser Scarabus estreitou os

    olhos em minha direo. Milady, como sabe que esse ainda seu Harker? indagou ele. E se ele tiver sido

  • trocado? Eles podem j ter levado o garoto embora e deixado algo para trs que s separece com ele. Algum tipo de criatura enfeitiada, talvez. Isso no difcil de se fazer,mesmo aqui.

    Lady Indigo franziu as sobrancelhas e olhou para mim. Ento fez um gesto no ar comuma das mos enquanto cantava trs notas claras.

    Agora, todo feitio que estiver em voc ou sua volta ser removido. Deixe-nos vero que realmente .

    Percebi que podia voltar a falar se eu quisesse.Podia fazer qualquer coisa que desejasse.Estava de volta no comando, e, nossa, como isso era bom. Certo, Joey disse o Scarabus impostor, seu rosto e corpo voltando a ficar prateados. Jay? voc? claro que sou eu! Vamos! Ento me colocou sobre os ombros e correu.J havamos quase chegado grade quando houve uma pequena exploso verde, como

    fogos de artifcio, e Jay gemeu de dor. Virei a cabea e olhei para seu outro ombro. Acoisa espelhada que o cobria tinha sido queimada e desaparecera, expondo uma massa decircuitos e pele ensanguentada. Pude ver as imagens bizarras e distorcidas de Lady Indigo,Neville e Scarabus refletidas nas costas de Jay, que me soltou.

    Estvamos contra a borda do navio e, do outro lado da amurada, eu podia ver... nada.Apenas estrelas, luas e galxias, estendendo-se infinitamente.

    Lady Indigo ergueu o brao. Uma pequena bola de fogo verde pairava na palma de suamo.

    Neville segurava uma espada imensa, de aparncia horrvel. No sei de onde ela veio,mas brilhava e tremulava, assim como sua pele. Ele comeou a caminhar em nossadireo.

    Ouvi alguma coisa acima de ns e olhei para o alto. O cordame estava cheio demarujos, e todos ele tinham facas.

    A coisa definitivamente no parecia nada boa.Ouvi um barulho no convs. No atire neles, milady! Cessar fogo! O verdadeiro Scarabus veio tropeando l de

    baixo.Ele era a ltima pessoa que eu esperava que fosse nos salvar. Por favor pediu ele. Permita-me. Isso pede algo especial. Ento estendeu um

    dos braos cobertos por tatuagem em direo a ns e levou a outra mo ao bceps. Haviauma imagem indistinta de uma imensa serpente enrolada em seu brao. Eu tinha quasecerteza de que, se ele tocasse aquela tatuagem, a serpente se tornaria real, enorme... esem dvida alguma faminta.

    S nos restava uma opo, ento foi o que fizemos.Ns pulamos.

  • MUNDIRIO 2Do Dirio de Jay

    Quando paro para pensar, vejo que tomei uma srie de decises erradas. A pior foiresolver encontrar o garoto na frente da casa dos pais dele no mundo novo onde tinha idoparar.

    Esperava que ele no fosse comear a Andar antes que eu o encontrasse. Mas aesperana no paga dividendos, como o Ancio diz. (A esperana deve ser o ltimorecurso; somente quando no se tem mais nada, ele nos disse uma vez. Se tiverqualquer outra opo, ento, pelo amor de Deus, FAA alguma coisa.) E Joey j tinhacomeado a Andar.

    No muito. Ele havia feito o que a maioria dos novos Andarilhos faz entrou em ummundo no qual no estava. mais difcil Andar em um mundo em que voc j existe:Como polos magnticos idnticos se repelindo. Ele precisava de uma sada, ento foi pararem um mundo em que no existia.

    O que quer dizer que precisei de mais quarenta minutos para localiz-lo, Andando deum plano a outro. Finalmente o localizei ele estava em um nibus, a caminho de casa.Ou o que ele achava que era sua casa.

    E esperei do lado de fora. Achei que ele seria mais receptivo depois que visse o que oesperava l dentro.

    Mas, como o Ancio falou naquela manh, ele deve ter acionado todos os alarmespossveis quando comeou a Andar.

    E ele no estava em condies de conversar quando saiu da casa. O que significa queramos alvos fceis para os retiarii binrios em seus Gravitrons, lanando suas redes pora.

    Dadas as alternativas, eu no sabia qual deles detestava mais: os Binrios ou o pessoalda BRUX.

    A BRUX ferve os jovens Andarilhos at reduzi-los s suas essncias. Literalmente eles nos colocam em caldeires, como naqueles desenhos de canibais que saam no jornal,e nos cercam com uma trama de feitios e conjuraes. Ento nos reduzem a nada almda nossa essncia nossas almas, se preferir , e depois a guardam em potes de vidro. Eeles usam esses potes para fornecer energia aos seus navios e outros veculos em suasviagens pelos mundos.

    Os Binrios tratam os Andarilhos de maneira diferente, mas no melhor. Eles nosresfriam at 273C negativos, quase nada acima do zero absoluto, penduram-nos emganchos para carne, ento nos selam em imensos galpes em seu mundo de origem, comtubos e fios na parte de trs de nossas cabeas, e nos mantm l, no exatamentemortos, mas muito, muito longe de estarmos vivos, enquanto drenam nossa energia e autilizam em suas viagens entre planos.

    Se possvel odiar duas organizaes igualmente, isso que acontece comigo.Ento Joey tomou a atitude mais inteligente inconscientemente, mas ainda assim

    inteligente quando os mercenrios binrios apareceram. Ele Andou entre os mundos denovo.

  • Eliminei os trs retiarii sem qualquer problema.Depois tive de encontr-lo de novo. E se tinha sido difcil da primeira vez... bem, agora

    ele tinha sado s cegas pelo Altiverso, abrindo caminho atravs de centenas de camadasde probabilidade, como se fossem lenos de papel. Como um elefante em uma loja deartigos chineses... ou alguns milhares de lojas de artigos chineses idnticas.

    Ento segui atrs dele. Outra vez. estranho. Eu tinha me esquecido como detestava essas Greenvilles mais modernas. A

    Greenville em que cresci ainda tinha lanchonetes drive-in que vendem hambrguer, comgaronetes andando de patins, TV sem cores e O Besouro Verde no rdio. EssasGreenvilles tinham antenas parablicas nos telhados das casas e pessoas dirigindo carrosque pareciam ovos gigantes ou jipes com esteroides. Nenhum rabo-de-peixe entre eles.Tinham TVs em cores e videogames e home theaters e internet. O que no tinham maisera uma cidade. Nem mesmo tinham notado seu fim.

    Cheguei a uma Greenville bem distante, e por fim o senti como um claro em minhamente. Fui atrs dele e dei de cara com uma nau BRUX, com as velas enfunadas,desaparecendo em Lugar-Algum.

    Eu o havia perdido. De novo. Provavelmente para sempre dessa vez.Sentei-me no campo de futebol e pensei muito.Tinha duas opes. Uma era fcil. Uma ia ser difcil para caramba.Eu podia voltar e dizer ao Ancio que havia fracassado. Que a BRUX tinha capturado um

    Joseph Harker que tinha mais energia para andar entre os mundos do que dez Andarilhosjuntos. Que no era minha culpa. O assunto acabaria encerrado mais cedo ou mais tarde.Talvez ele me desse uma bronca, talvez no, mas eu tinha certeza que ele sabia que eume cobraria muito mais por causa desse Andarilho do que ele. Essa era a fcil.

    Ou eu podia tentar o impossvel. um longo caminho at a BRUX em um daquelesgalees. Eu podia tentar encontrar Joey Harker e seus captores em Lugar-Algum. o tipode coisa da qual fazemos piada l na base. Ningum nunca fez isso. Ningum jamaispoderia.

    Eu no podia encarar o Ancio e dizer que tinha estragado tudo. Ento era mais fciltentar o impossvel.

    E foi o que fiz.Andei at Lugar-Algum. E descobri algo que nenhum de ns sabia: Esses navios deixam

    um rastro. quase um padro, ou uma perturbao, nos campos estelares que atravessamvoando. bem fraco, e somente um Andarilho podia senti-lo.

    Eu tinha que contar isso ao Ancio. Era importante. Eu me perguntei se os discosvoadores binrios deixavam rastros que poderamos seguir pela Esttica.

    A nica coisa que ns do EntreMundos tnhamos a nosso favor era isso: Podemoschegar a qualquer lugar bem antes deles. Enquanto eles levam horas ou dias ou semanasde viagem atravs da Esttica ou de Lugar-Algum, podemos fazer isso em segundos ouminutos, atravs da Interzona.

    Eu tinha que agradecer ao traje de combate, que minimizava o atrito do vento e o frio.Sem falar que me protegia das redes dos retiarii.

    Vi o navio a distncia, bandeiras da BRUX esvoaando em meio ao nada. Eu podia sentir

  • Joey como um farol em minha mente. Pobre garoto. Eu me perguntei se ele sabia o quelhe aguardava se eu falhasse.

    Pousei no navio vindo de baixo e de trs e esperei um tempo entre o leme e o costadoda popa. Eles deviam ter pelo menos dois magos importantes no navio e, embora o trajede combate pudesse me disfarar at certo ponto, no esconderia o fato de que algumacoisa havia mudado. Dei a eles tempo suficiente para procurar pelo navio e no encontrarnada. Ento entrei por uma das escotilhas e segui o rastro at onde estavam mantendo ogaroto.

    Estou gravando isso na Interzona no caminho de volta para base. Assim ser muitomais rpido e fcil preparar o relatrio da misso amanh.

    Nota para o Ancio: Quero os dois dias de folga quando tudo isso terminar. Eu mereo.

  • CAPTULO SEIS

    BEM, PARA SER CEM por cento sincero, no fomos ns que pulamos exatamente. Jaypulou, e ele estava segurando meu casaco, ento no tive muita escolha. Minha sada foimais no estilo dos Trs Patetas do que de Errol Flynn. Eu provavelmente quebraria opescoo quanto aterrissssemos.

    S que ns no aterrissamos.No havia onde aterrissar, ento continuamos caindo. Olhei para baixo e pude ver

    lampejos de estrelas brilhando atravs da tnue neblina abaixo de ns. Nesse instantehouve uma exploso verde que nos arremessou para a direita, mas felizmente no noscausou nenhum dano porque estava muito distante. O navio encolheu rapidamente para otamanho de uma tampinha de garrafa e ento despareceu na escurido acima de ns. EJay e eu camos depressa em direo escurido abaixo.

    Voc sabe como os paraquedistas descrevem com entusiasmo que a queda livre como voar? Percebi naquele momento que eles tinham que estar mentindo. como cair,isso sim. O vento grita em seus ouvidos, entra na sua boca e no seu nariz, e voc notem nenhuma dvida de que est caindo em direo morte. Existe uma razo para issose chamar velocidade terminal.

    Aquele no era um salto de paraquedas, e no estvamos perto da Terra ou de qualqueroutro planeta que eu pudesse ver, mas definitivamente continuvamos caindo, caindo,caindo. J devamos estar naquela havia uns bons cinco minutos quando Jay agarrou meusombros e gritou alguma coisa em meu ouvido, mas, mesmo seus lbios estando a mais oumenos dois centmetros da minha orelha, no consegui ouvi-lo.

    O qu? gritei de volta.Ele me puxou ainda mais para perto e gritou: H um portal abaixo de ns! Ande!A primeira e ltima vez em que tentei andar no ar foi quando tinha cinco anos eu

    caminhava alegremente quando ca da beirada de um muro de concreto de quase doismetros de altura e ganhei uma clavcula quebrada de presente. Dizem que gato escaldadotem medo de gua fria, e acho que h um pouco de verdade nisso porque, com certeza,nunca mais tinha tentado voar.

    At aquele momento, em que eu no tinha muita escolha.Jay obviamente podia imaginar o que eu estava pensando. Ande, irmo, ou vamos cair por Lugar-Algum at o vento arrancar nossa pele dos

    ossos! Ande! No com suas pernas... com a mente!

  • Eu tinha tanta ideia de como fazer o que ele estava dizendo quanto um sapo-boi saberiagrasnar o Quebra-Nozes. Mas ele estava bem certo de uma coisa de que no pareciahaver outra sada daquela situao difcil. Respirei fundo e tentei focar minha mente.

    No ajudava o fato de eu no ter a menor noo do que estava tentando focar. Ande! gritou Jay com autoridade.Mas para andar eu precisava de algo slido sobre o qual andar. Ento foi nisso que me

    concentrei meus ps pisando o cho slido.A princpio nada mudou. Ento notei que o vento que assobiava vindo de baixo comeou

    a diminuir. Ao mesmo tempo, a neblina ficava mais espessa. Eu j no podia mais ver asestrelas acima de ns. E havia uma estranha luminescncia que parecia vir da neblina queagora nos cercava.

    Estvamos flutuando mais do que caindo agora. Era como cair em um sonho, e nosurpreendemos quando tocamos o que parecia ser uma nuvem.

    Imagino que Jay tivesse feito coisas mais estranhas na vida dele, por isso ele aceitoutudo aparentemente to bem. Quanto a mim, eu apenas tinha atingido um ponto desaturao, s isso. Considerando o que eu havia passado hoje, enfim chegava conclusode que tudo aquilo s tinha acontecido na minha cabea, que de algum jeito eu tinhaqueimado a placa me do meu crebro e que, naquele momento, eu devia estar usandouma jaqueta de lona que dava a volta em meu corpo e tinha cadeados no lugar de botes.Muito provavelmente tinham me trancado no sanatrio de Rooks Bay, e estava sentadonum quarto muito macio, com uma comida muito macia. Uma perspectiva bemdeprimente, mas com um lado positivo nada mais podia me surpreender.

    Esse pensamento me deu um pouco de conforto por mais cerca de dois minutos... eento as neblinas se dissiparam completamente, e vi onde estvamos.

    Eu tinha visto de relance esse... lugar? condio? estado de esprito?... quando Jay vieraatravs daquela fenda no ar para me encontrar. Era a mesma coisa, s que agoraestvamos nela.

    Muito bem, Joey disse Jay. Voc nos trouxe para c. Voc conseguiu.Eu observava tudo, me virando devagar. Havia muito o que ver.No estvamos mais numa nuvem. Eu estava de p em um caminho roxo que serpeava,

    aparentemente sem apoio, e se estendia at... o infinito. No havia horizonte onde querque estivssemos, o lugar parecia no ter fronteiras. A distncia simplesmente se perdiaem mais distncia. Jay estava ao meu lado em uma faixa magenta que se desenrolava namesma direo, e que s vezes passava por baixo, outras, por cima do meu caminho. Ascores eram vvidas, e os dois caminhos tinham o brilho de espuma plstica tingida.

    Mas no era s isso, nem a milsima parte.No mesmo nvel dos meus olhos e a cerca de um metro de distncia havia uma figura

    geomtrica, maior que minha cabea, que batia e pulsava, apresentando ora cinco, oranove, ora dezesseis lados. Eu no saberia lhe dizer do que ela era feita, assim como noseria capaz de explicar por que ela fazia o que estava fazendo. Imagino que se poderiadizer que era feita de amarelo, porque era a cor de que estava saturada. Eu a toquei, comcuidado, com um dedo. Tinha a textura de linleo.

    Olhei em outra direo e s tive tempo de me abaixar quando alguma coisa passou

  • girando e zumbindo por mim enquanto desviava e se perdia no caos circundante. Uminstante depois caiu em uma poa do que parecia mercrio s que era da cor de canelae ficava em um ngulo de 45 graus com relao faixa em que eu estava. As ondas egotas que espirraram de l foram desacelerando enquanto se espalhavam, at congelarem.

    Esse tipo de coisa acontecia em todo lugar ao nosso redor, sem parar. O que pareciauma boca estilizada se abriu no ar, no muito longe de Jay, bocejando de tal maneira queseus lbios se dobraram para trs e a coisa engoliu a si mesma. Olhei para baixo e vi quesob meus ps o caos continuava: formas geomtricas vagavam e giravam, mudando paraformas diferentes ou se fundindo em outras; cores pulsavam; o ar carregava aromas demel, terebintina, rosas... era como uma obra 3D fruto da colaborao entre Salvador Dal,Picasso e Jackson Pollock. Com uma dose generosa de Hieronymus Bosch e aquelesdesenhos antigos sensacionais da Warner Bros. junto para completar.

    Percebi que no adiantava alegar insanidade. Eu realmente no estava deitado em umamaca vendo um filme em minha mente, enquanto esperava algum doutor colocar umbasto acolchoado em minha boca e mandar volts suficientes ao meu crebro para revivero monstro Frankenstein. No. Aquilo era real. Tinha que ser. Ningum, lcido ou insano,podia imaginar tudo aquilo.

    No eram s meus olhos que estavam impressionados. Havia uma contnua cacofonia coisas rangendo, sinos tocando, fendas bocejando, buracos mastigando... Parei de tentaridentificar todos os sons, assim como desisti de tentar ver tudo o que acontecia. Euprecisaria de olhos no s atrs da cabea, mas no alto dela e nas solas dos meussapatos tambm.

    E os cheiros! Fiquei zonzo com um aroma forte de hortel, seguido de um cheiro decobre quente. A maioria deles eu no conseguia identificar. Uma parte substancial do queeu via, ouvia e sentia era sinestsica eu podia ouvir cores, ver gostos. O velho sr.Telfilm que morava na minha rua dizia que era sinestsico, e no se cansava de falar, atodos que quisessem ouvir, como era forte o cheiro do cu ou como o gosto de massa eraturquesa e soava em d bemol. Agora, finalmente, entendo o que ele queria dizer.

    Percebi que Jay tinha segurado meu brao com o seu bom e o sacudia. Joey! Oua-me... precisamos continuar seguindo. Voc no tem um traje protetor. No

    duraria muito tempo na Interzona assim. Na o qu?Com relutncia desviei minha ateno do que parecia ser um conjunto de imagens

    grficas realmente incrveis torres imensas que se formavam do nada e se erguiam,para depois se fundir em lagos de mercrio e comear tudo de novo. Jay me pegou e meencarou com firmeza com seus olhos de metal.

    Precisamos ir! No posso nos levar de voltar base principal do EntreMundos commeu brao ruim assim. A dor me desconcentra muito, e qualquer remdio que eu tomardificultar minha concentrao. Voc ter que achar o caminho.

    Olhei para ele totalmente perplexo. A mais ou menos quinze metros de distncia, umtrapezoide perseguiu e encurralou um romboide menor, ento o comeu, fluindotranquilamente ao redor dele. Logo acima de mim, uma janela comum de batente surgiu derepente do nada, aberta e com as cortinas recolhidas, revelando uma imensa escurido de

  • onde saam gritos queixosos, gemidos e choros. Ou era a janela aberta do Inferno, conclu,ou um olhar dentro da minha prpria mente quela altura.

    Eu no sabia o que era pior. Como posso achar o caminho atravs dessa... dessa... do que voc a chamou? A Interzona disse Jay, a voz abafada pela mscara de metal, enquanto segurava o

    brao machucado com o outro. A ferida no sangrava muito, mas definitivamente pareciaprecisar de mais do que alguns Band-Aids. So as dobras intersticiais entre os vriosplanos da realidade. Chame de hiperespao ou buraco de minhoca, se quiser. Ou so osespaos escuros entre as circunvolues em seu crebro ou o lugar onde o mgicoesconde o coelho antes de tir-lo da cartola. OK? Realmente no importa como voc achama... o que importa atravess-la e voltar base principal do EntreMundos. isso quevoc tem que fazer, Joey.

    Voc realmente escolheu o cara errado tentei avis-lo. Eu no conseguiria acharas costas da minha mo nem se voc escrevesse instrues na palma.

    Porque seu talento no reside em navegar os planos... mas em navegar entre eles... E onde estamos agora. Preste ateno continuou ele, me ignorando quando tenteiinterromper. A Interzona um lugar perigoso. Existem... criaturas... que vivem aqui, ouem parte aqui. Ns os chamamos de fovimais. um acrnimo, FVM significa formas devida multidimensionais. O que meio um rtulo sem sentido, eu sei... somos todosformas de vida multidimensionais, certo? S que voc e eu podemos apenas nos moverlivremente em trs dimenses e linearmente em uma quarta, enquanto eles tm totalliberdade em quem sabe quantas. Incluindo, em muitos casos, a quarta.

    A maior parte do que ele dizia estava to acima da minha cabea que eu temia pelotrfego areo local. Mas eu j tinha visto reprises de Alm da imaginao e sabia o queera a quarta dimenso.

    Voc quer dizer que eles podem viajar no tempo? Acreditamos que alguns podem sim. difcil dizer, porque h uma certa flexibilidade

    temporal entre os planos que pode afetar a todos ns. Voc aprende a compensar issoquando Anda... Caso contrrio pode ficar um ms em um mundo e descobrir que apenasalguns dias se passaram em outro. Fica logo muito confuso, ento tentamos tirarvantagem disso somente quando absolutamente necessrio.

    Mas isso no importante agora. O que quero dizer ... os fovimais... fique longedeles. No so inteligentes, mas podem ser perigosos. Em geral ficam na Interzona, masalguns deles sabem como se espremer para fora dali em direo aos diversos mundos,como uma pasta de dente polidimensional.

    Eu me sentia sobrecarregado com tudo aquilo, e me perguntava quanto do que Jay medizia era verdade e at que ponto estava s me provocando.

    Certo. Agora voc vai me dizer que eles so os responsveis por todas as lendas defadas, duendes, e coisas assim falei. Esperava que Jay fosse rir, mas ele balanou acabea.

    No, isso geralmente coisa dos exploradores da BRUX. Batedores binrioscostumam ser vistos como homens cinzentos e todas aquelas bobagens de Roswell. Masacho que algumas das histrias sobre demnios provavelmente tiveram incio com os

  • fovimais. Voc vai aprender isso em seus estudos bsicos do Altiverso. Tudo o queimporta agora garantir que no iremos nos deparar com nenhum deles e sair do caminhose isso acontecer. Ele me segurou, me virou e me empurrou. O que est esperando?J levei sustos suficientes por hoje, e essa queimadura BRUX est comeando a doer.Quero um banho quente e muito analgsico na veia. Ento tire a gente daqui, Andarilho!Voc sabe o caminho! Depressa!

    Comecei a lhe dizer de novo que ele estava com o cara errado, mas ento parei. Olheipara nossa frente, para aquele panorama louco de Mandelbrot chamada Interzona, e dealguma forma percebi que ele tinha razo.

    Eu sabia mesmo o caminho.Eu no sei como sabia nem mesmo sei como sabia que sabia. Mas a rota estava l,

    clara e brilhante, na minha cabea. No era uma iluso dessa vez. Agora era pra valer.Ao mesmo tempo em que entendi isso, percebi outra coisa: Jay estava certo sobre os

    fovimais. Havia criaturas por ali que nos engoliriam de uma s bocada e usariam nossosossos das pernas como palitos de dentes. Eu no queria dar de cara com nenhum deles, equanto mais tempo ficssemos na Interzona, maior era o risco de isso acontecer. Elespodiam nos rastrear com sentidos para os quais no temos nem nomes.

    Comecei a me mover e Jay me seguiu. Ele pulou para meu caminho roxo e ficamos neledurante um tempo, nos abaixando sob fitas de Mbius ondulantes e garrafas de Kleinpulsantes. A gravidade ou qualquer que fosse a fora que nos mantinha no caminho parecia ser intermitente. Quando percebi que havia chegado a hora de deixar a rampa roxa,vi que a nica forma de fazer isso era saltar dali. Foi preciso coragem, devo dizer. Eracomo se eu estivesse pulando em um abismo que fazia o mergulho que demos para forado navio parecer insignificante. Mas o caminho estava bem claro em minha mente, entoprendi a respirao e dei um passo adiante.

    Meu estmago tentou escapar pela minha garganta enquanto toda a Interzona giravanoventa graus em vrias direes ao mesmo tempo ento embaixo j no era maisembaixo. Flutuei entre as formas geomtricas que vagavam por ali indolentemente,passando ao lado do que parecia um armrio aberto por onde se entrevia uma portainterna que levava a uma maravilhosa paisagem banhada pelo sol, e continuei seguindo omapa na minha cabea em direo a um tipo de vrtice.

    Jay estava logo atrs de mim. No era um estado real de ausncia de peso surpreendentemente, considerando o que havia nossa volta , porque eu tinha lido emalgum lugar que tentar nadar em gravidade zero no o levava a parte alguma rapidamente;todos os movimentos eram neutralizados. Era preciso dar impulso apoiando com as mose os ps ou, melhor ainda, ter algum tipo de propulso.

    No tnhamos nenhuma dessas coisas, e ainda assim velejvamos bem, aparentementeimpelidos por nada mais do que retido inata. Mas comecei a ficar nervoso quando percebique nossa rota seguia para aquele redemoinho preguiosamente torvelinhante ou turbilhoou tornado ou qualquer que fosse o nome voc logo fica sem palavras na Interzona.

    Jay vinha logo atrs e, quando parei o que exigiu apenas que eu pisasse mentalmentenos freios , bateu de leve em mim.

    Qual o problema, Joey?

  • Esse o problema. Apontei para o funil giratrio, percebendo ento que eu no tinhaa mnima ideia do que aquilo era feito. O que no era surpresa; eu no sabia a composiode noventa por cento das coisas na Interzona. Matria escura, provavelmente issoexplicaria muita coisa. No ?

    Mas eu no ligava se era feito de pudim de tapioca. Eu no tinha a menor vontade demergulhar de cabea naquele funil. Deveria haver maneiras mais fceis de se chegar a Oz.

    Jay olhou para baixo no funil, que parecia se estender infinitamente l para dentro, asconvolues faiscando de vez em quando como se fossem raios.

    A sada por aqui? Eu... sim. sim. No havia sentido em tentar suavizar as coisas. S faltava ter uma

    grande placa ali em neon piscando SADA.Jay disse ento, com aquela voz enlouquecedoramente familiar: Algumas coisas so sempre iguais, no importa o mundo em que se esteja, garoto.

    Uma delas : a maneira mais rpida de sair de alguma coisa geralmente passandoatravs dela. E com isso ele passou flutuando por mim e mergulhou no vrtice.

    Ou caiu ou foi sugado; de um jeito ou de outro, foi bem rpido. Seu corpo pareceudiminuir de tamanho mais depressa do que deveria havia um aspecto estranho deperspectiva forada de que eu no gostava nem um pouco. E se fosse algum tipo desingularidade? Tudo o que restaria de Jay e de mim se eu o seguisse seria um rastroinfinito de partculas subatmicas, como um longo cordo de contas.

    Mas parecia que minha nica opo era ficar ali na malucolndia, e aquela no era umaalternativa real vivel. Jay havia salvado minha vida, e eu tinha que, pelo menos, tentarretribuir o favor.

    Respirei fundo o que quer que se chamasse de ar na Interzona e mergulhei.

  • CAPTULO SETE

    CA DE UM PEDAO cintilante de cu a uns dois metros do cho. Jay teve o bom senso derolar para fora do caminho quando aterrissou, e atingi o solo forte o bastante para ficarsem ar.

    Jay bateu nas minhas costas, para ter certeza de que minha traqueia no estavaobstruda, ento se sentou de pernas cruzadas ao meu lado e esperou. Depois de algunsminutos meus pulmes se lembraram de como funcionavam e voltaram ao trabalho, aindaque de m vontade.

    Jay esperou minha respirao se normalizar, ento me estendeu um pequeno cantil. Nosei onde ele o guardava traje espelhado ficava to justo que no parecia haver espaonem para uma caixa de fsforos. Olhei para o cantil meio desconfiado, depois o devolvi.

    Obrigado, mas no bebo.Ele no pegou o cantil. Agora pode ser uma boa hora para comear. H muita coisa que voc precisa saber, e

    algumas no sero nada fceis de ouvir. Ao ver que continuei no aceitando, ele disse: Estou falando srio, Joey. Voc ainda no teve tempo de absorver o choque; mas ele estvindo como se fosse um trem de carga e voc estivesse amarrado aos trilhos. Entouma ideia pareceu lhe ocorrer; ele se inclinou para a frente e me encarou por trs daquelamscara oval prateada sem imagem. Espere um minuto... voc acha que isso aqui temlcool?

    Quando assenti, ele caiu na risada. Pelo Arco, isso muito engraado. Joey, confie em mim... Esta coisa se parece com

    lcool tanto quanto a penicilina a uma poo mgica. Por que algum em s conscinciabeberia um veneno teratognico quando h tantas outras maneiras de produzir molculasetlicas que no tenham efeitos colaterais devastadores?

    Ele abriu o cantil, ergueu-o num brinde e tomou um gole. O que me fascinou foi ele noter tirado aquela mscara sem feies o lquido dourado fluiu atravs dela, passando poruma membrana transparente na metade inferior. Pareceu rodopiar sob a metade inferior deuma membrana transparente a bebida dourada se misturando com o que quer que fosseaquela coisa prateada em padres Rorschach e ento esvaneceu. Depois ele me entregouo cantil mais uma vez e, dessa vez, tomei um gole.

    Quando eu me aposentar, no se preocupem em me dar uma penso apenas medeixem ter uma pequena taberna em um mundo em algum lugar no meio da abertura doArco, com uma licena para vender essa coisa. O lquido aliviou minha garganta e acalmou

  • meu estmago to suavemente como se tivesse estado l a vida inteira, e dali irradiouuma sensao de relaxamento, fora e confiana por todo meu corpo, me fazendo sentircomo o ltimo filho de Krypton. Eu queria pular um prdio alto de um nico salto, fazermalabarismo com fuscas e propor uma teoria do campo unificado e ento passar paraalgo que fosse realmente desafiador. O que eu fiz foi passar o cantil de volta para Jay.

    Uau. Desce suave concordou Jay. Existe um mundo perto da fronteira da Hegemonia

    BRUX onde h um lago, e no lago, uma ilha, e nessa ilha, uma rvore. A cada sete anosessa rvore d frutos, e no EntreMundos considerada uma grande honra uma equipe serescolhida para Andar at l e voltar com cestas cheias de suas mas, que so oingrediente secreto deste pequeno tnico. Ele se levantou. Volto logo. Vou ali tirar guado joelho. Ento andou uns trinta metros mais ou menos e ficou de p de costas paramim.