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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Faculdade de Ciências Aplicação dos Números Complexos em Geometria Versão final após defesa Teresa da Conceição Mazissa Zinga Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Matemática para Professores (2.º ciclo de estudos) Orientador: Prof. Doutor Rui Miguel Nobre Martins Pacheco Covilhã, junho de 2018

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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Faculdade de Ciências

Aplicação dos Números Complexos em Geometria

Versão final após defesa

Teresa da Conceição Mazissa Zinga

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Matemática para Professores (2.º ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutor Rui Miguel Nobre Martins Pacheco

Covilhã, junho de 2018

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Números Complexos em Geometria

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Dedicatória

Aos meus filhos, Josué e Jesuina, por serem o âmago do meu esforço.

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Agradecimentos

A Deus pelo dom da vida e por estar sempre me guiando principalmente nestaformação. A direção da minha instituição labora, por me confiarem esta missãoe permitir que eu fizesse parte deste grupo. Aos meus professores do departa-mento de Matemática, da faculdade de ciências em especial o meu orientadorRui Miguel Nobre Martins Pacheco, pela enorme paciênacia e disponibilidade queteve em incetivar, ajudar e trabalhar incansavelmente neste projeto. Aos meuscolegas e amigos, em especial aqueles que mais perto de mim estiveram desdeo início a dar forças. Aos meu pais e irmãos que sempre estiveram presentes naminha formação, ao meu esposo Domingos Sumbo e aos meus filhos.

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Números Complexos em Geometria

Resumo

Os números complexos são muito importantes emMatemática. Commuita frequên-cia, eles têm tido uma abordagem puramente algébrica, deixando uma preo-cupação em como os mesmos podem ser aproveitados ou aplicados em outroscontextos. Neste trabalho, procuramos explorar esta aplicação dos númeroscomplexos em geometria plana.

Palavras-chave

Números Complexos, Geometria, Plano Euclidiano, Transformações Geométri-cas.

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Abstract

The complex numbers play a very important rule in mathematics. In high school,it is common to present complex numbers as a purely algebraic and abstract de-vice to solve quadratic and cubic equations. This approach forgets the geome-trical aspects of complex numbers and may cause the impression that they arenot really useful in other contexts. In this dissertation we will study differentapplications of complex numbers in plane geometry.

Keywords

Complex Numbers, Geometry, Euclidean Plane, Geometric Transformations.

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Conteúdo

Introdução 1

1 Álgebra e geometria dos números complexos 31.1 Forma algébrica de números complexos . . . . . . . . . . . . . . 31.2 Forma trigonométrica e polar dos números complexos . . . . . . 6

1.2.1 Raízes de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . 91.3 Interpretação geométrica das operações com números complexos 11

1.3.1 Soma de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . 111.3.2 Multiplicação de números complexos . . . . . . . . . . . 121.3.3 Conjugado de um número complexo . . . . . . . . . . . . 121.3.4 Inverso de um número complexo . . . . . . . . . . . . . . 13

1.4 Propriedades geométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131.4.1 Colinearidade, paralelismo e perpendicularidade . . . . . 131.4.2 Quadriláteros cíclicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151.4.3 Triângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171.4.4 Equação Cartesiana da reta . . . . . . . . . . . . . . . . 181.4.5 Equação da mediatriz de um segmento dado . . . . . . . . 181.4.6 Equação da reta perpendicular por um ponto . . . . . . . 191.4.7 Equação da circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . 191.4.8 Triângulos semelhantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

1.5 Pontos notáveis dos triângulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211.5.1 Ortocentro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211.5.2 Centróide . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231.5.3 Circuncentro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

1.6 Polígonos regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

2 Resolução de problemas geométricos no plano com números comple-xos 31

3 Inversões 433.1 Definição e propriedades das inversões . . . . . . . . . . . . . . 433.2 Teorema de Ptolomeu-Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473.3 Problemas com inversões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Bibliografia 51

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Introdução

Os números complexos são muito importantes emMatemática. Commuita frequên-cia, os números complexos têm tido uma abordagem puramente algébrica, dei-xando uma preocupação em como os mesmos podem ser aproveitados ou apli-cados em outros contextos.

Uma abordagem do plano euclidiano com números complexos dá resultados sig-nificativos na resolução de problemas geométricos. Neste trabalho, procuramosexplorar esta aplicação dos números complexos em geometria plana. O mesmoestá constituido por três capítulos.

No primeiro capítulo, veremos a definição algébrica, a representação trigono-métrica e polar de números complexos. Interpretamos geometricamente asoperações com números complexos (soma, multiplação, conjugado e inversode números complexos). Falamos das raízes da unidade imaginária, com umaabordagem nas raízes quadradas, cúbicas e quartas. Apresentamos a caracte-rização de alguns objetos e propriedades geométricas em termos de númeroscomplexos: colinearidade, paralelismo, perpendicularidade, quadriláteros cí-clicos, triângulos, equação cartesiana da reta, equações da mediatriz de umsegmento dado, reta perpendicular por um ponto, circunferência e triângulossemelhantes. Abordamos um pouco sobre os pontos notáveis dos triângulos, comenfoque no ortocentro, centróide e circuncentro. Temos uma abordagem sobreos polígonos regulares.

No capítulo seguinte aplicamos os conceitos e resultados desenvolvidos no capí-tulo anterior na resolução de alguns problemas geométricos. A lista de proble-mas que apresentamos podem ajudar um professor a elaborar diferentes ativida-des que permitam aos alunos um melhor entendimento da natureza dos númeroscomplexos e da sua utilidade. Finalmente, no último capítulo, trazemos umaabordagem da inversão numa circunferência no domínio dos números comple-xos.

Este trabalho foi muito influenciado pelo livro de Lang-shin Hahn [4] sobre apli-cações dos números complexos em geometria. No entanto, em muitas situaçõesprocurámos abordagens diferentes na apresentação de reultados, noutras apro-fundámos com mais detalhe a explicação dos mesmos e completámos com pro-blemas que encontrámos dispersos em outros textos. Para os fundamentos degeometria euclidiana necessários ao entendimento deste trabalho, sugerimos olivro de P. V. Araújo [1]. Outros livros da bibliografia contêm informação sobrea álgebra dos números complexos e a sua aplicação à análise matemática.

Na escrita deste trabalho fizémos uso do sistema Tex, o que facilitou a elabora-

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ção do texto, em conjunto com o programa de geometria dinâmica Geogebra,na elaboração das figuras.

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Capítulo 1

Álgebra e geometria dos números complexos

A partir do trabalho de Bombelli, no século XVI, os números complexos começa-ram a ser utilizados devido à sua utilidade para resolver equações do terceirograu. Mas, ao mesmo tempo, parecia óbvio que eles não podiam ter “existênciareal”. O símbolo

√−1 foi introduzido em 1629 por Albert Girard. Os termos

real e imaginário foram introduzidos pela primeira vez por René Descartes em1637. A expressão números complexos foi introduzida por Carl Friederich Gaussem 1832.Algumas questões realmente perturbadoras foram surgindo e não podiam ser ig-noradas. Além da extração de raízes quadradas de números negativos, tambémnos deparamos com uma extração de raízes cúbicas de números de naturezadesconhecida. Foi somente nos finais do século XVIII e início do século XIX, comos trabalhos de Wessel (um agrimensor norueguês), em 1798, e do matemáticosuíço Argand, em 1806, que os números complexos passaram a ser compreendi-dos de um novo ponto de vista: eles começaram então a ser interpretados comopontos (ou vetores) do plano e foram desvendados os significados geométricosdas suas operações de adição e multiplicação (translação, rotação e dilataçãono plano).

1.1 Forma algébrica de números complexos

Definição 1. O conjunto C dos números complexos é o conjunto R2 dos paresordenados de números reais com as operações que se seguem. Para quaisquera, b, a′, b′ ∈ R,

(a, b) + (a′, b′) = (a+ a′, b+ b′) (operação soma)

(a, b).(a′, b′) = (aa′ − bb′, ab′ + ba′) (operação produto)

Observa-se facilmente que as operações soma e produto são comutativas, istoé, para quaisquer (a, b), (a′, b′) ∈ C:

(a, b) + (a′, b′) = (a′, b′) + (a, b)

(a, b).(a′, b′) = (a′, b′).(a, b).

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Números Complexos em Geometria

Vejamos os seguintes exemplos:

1. (5, 4) + (3, 2) = (5 + 3, 4 + 2) = (8, 6).

2. (2, 1).(−1, 6) = (2(−1)− 1.6, 2.6 + 1.(−1)) = (−2− 6, 1− 6) = (−8, 11).

Para simplificar a notação, podemos identificar o número complexo (a, 0) ∈ Ccom o número real a. Definimos a unidade imaginária por i = (0, 1). Logo temosque:

C = {a+ bi : a, b ∈ R}.

Observemos que i2 = −1. De facto, i2 = (0, 1).(0, 1) = (−1, 0).Dado um número complexo z = a + bi, dizemos que a é a parte real de z e b

é a parte imaginária de z. Denotamos a = Re(z) e b = Im(z). O conjugado dez = a + bi é o número complexo z = a − bi. Se a parte real de z é zero, entãodizemos que z é um imaginário puro. O módulo de um número complexo z, quedenotamos por |z|, é a distância de z à origem do sistema de coordenadas. Peloteorema de Pitágoras, temos: |z| =

√a2 + b2.

Exemplo 1. Se z = 10 − 2i, então 10 = Re(z) e −2 = Im(z). Além disso,z = 10 + 2i e |z| =

√104.

Podemos representar os números complexos no plano de Argand. Para um sis-tema de eixos cartesianos, identificamos o eixo horizontal com os números reaise o eixo vertical com os números imaginários puros, isto é, os números da formaai ∈ C, com a ∈ R, tal como é ilustrado na Figura 1.1.

Figura 1.1: Representação dos números complexos no plano de Argand.

Vejamos algumas propriedades dos números complexos.

Proposição 1. Consideremos z = a+ bi ∈ C. Então:

1. a = Re(z) = z+z2;

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Números Complexos em Geometria

2. b = Im(z) = z−z2i

;

3. z ∈ C é real se, e só se, z = z;

4. z é imaginário puro se, e só se, z = −z;

5. ¯z = z;

6. zz = a2 + b2 = |z|2;

7. |z| = |z|;

8. O inverso de z é dado por z−1 = z|z|2 ;

9. z−1 = z−1.

Demonstração. 1. Uma vez que

z + z = (a+ bi) + (a− bi) = 2a,

temosRe(z) = a =

z + z

2.

2. Uma vez quez − z = (a+ bi)− (a− bi) = 2bi,

temosIm(z) = b =

z − z

2i.

3. O número z é real precisamente quando Im(z) = 0. Do ponto 2. resulta queisto acontece se, e só se, z = z.4. O número z é imaginário puro precisamente quando Re(z) = 0. Do ponto 1.resulta que isto acontece se, e só se, z = −z.5. Temos

¯z = a+ bi = a− bi = a+ bi.

6. Temos

zz = (a+ bi)(a− bi) = a2 + b2 + abi− abi = a2 + b2 = |z|2.

7. Temos|z| =

√a2 + (−b)2 =

√a2 + b2 = |z|.

8. O inverso de z é o número z−1 que satisfaz zz−1 = 1. Como

zz

|z|2=

|z|2

|z|2= 1,

5

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Números Complexos em Geometria

concluímos que z−1 = z|z|2 .

9. Por um lado, temos

z−1 =z

|z|2=

a− bi

a2 + b2=

a

a2 + b2− b

a2 + b2i =

a

a2 + b2+

b

a2 + b2i.

Por outro lado, tendo em conta os ponto anteriores, temos

z−1 =¯z

|z|2=

z

|z|2=

a+ bi

a2 + b2=

a

a2 + b2+

b

a2 + b2i.

Logo z−1 = z−1.

Proposição 2. Dados dois números complexos z1 e z2, temos:

1. z1z2 = z1z2;

2. z1 + z2 = z1 + z2;

3. z1z2

= z1z2

para z2 = 0.

Demonstração. Escrevemos z1 = a+ bi e z2 = c+ di.1. Temos

z1z2 = (ac− bd) + (ad+ bc)i

= (ac− bd)− (ad+ bc)i = (a− bi)(c− di) = z1z2.

2. Temos

z1 + z2 = (a+ c) + (b+ d)i

= (a+ c)− (b+ d)i = (a− bi) + (c− di) = z1 + z2.

3. Pelo ponto 1 desta proposição e o ponto 9. da proposição 1, temos

z1z2

= z1z−12 = z1z

−12 =

z1z2.

Exemplo 2. Se z = 2 + i, então z−1 = (2−i)(4+1)

= (2−i)5

.

1.2 Forma trigonométrica e polar dos números complexos

Dado z ∈ C, podemos escrever z = r cos θ + r sin θ, com r ≥ 0 e θ ∈ R, onde r éo módulo de z e θ é um argumento de z.

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Números Complexos em Geometria

Figura 1.2: Módulo e argumento de um número complexo.

Tendo em conta a definição e a figura anterior, o argumento de um númerocomplexo z não é único. De facto, podemos escrever também

z = r cos(θ + 2kπ) + ir sin(θ + 2kπ),

para qualquer inteiro k. Assim:

Proposição 3. Se z1 = z2, então |z1| = |z2| e arg z1 − arg z2 = 2kπ, para algumk ∈ Z.

Da definição de argumento de um número complexo, resulta também o seguinteresultado.

Proposição 4. Se z = a+ bi ∈ C, então

arg z =

arctan b

ase a > 0

π2

se a = 0 e b > 0

− arctan ba

se a < 0

−π2

se a = 0 e b < 0

.

onde arctan denota uma qualquer inversa da função tangente.

Exemplo 3. Vamos determinar o módulo e o argumento do número complexoz = 1− i

√3. Pela fórmula |z| =

√a2 + b2 , temos:

|z| =√

12 + (−√3)2 =

√1 + 3 =

√4 = 2.

Como a > 0, então:

arg z = arctan(−√

3

1

)= arctan(−

√3) = −π

3.

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Números Complexos em Geometria

Definição 2. Se z = a+ bi ∈ C, então define-se a exponencial de z por

ez = ea(cos b+ i sin b)

.

Exemplo 4. Para z = a+ i.0 ∈ R temos:

ez = ea(cos 0 + i sin 0) = ea(1 + i.0) = ea,

ou seja, se z é um número real, esta definição coincide com a exponencial denúmeros reais já conhecida.

Exemplo 5. Para z = iπ, temos:

ez = eiπ = e0(cos π + i sin π) = 1(−1 + i0) = −1,

logo eiπ + 1 = 0. Esta igualdade é conhecida pela identidade mágica de Euler.

Usando as fórmulas para o seno e o cosseno da soma de ângulos, é possível provaro seguinte:

Proposição 5. Dados dois números complexos z, w ∈ C, temos ezew = ez+w.

Demonstração. Vamos escrever z = a + bi e w = c + di, com a, b, c e d ∈ R.Sabemos, pela definição, que ez = ea(cos b + i sin b) e ew = ec(cos d + i sin d).Assim,

ezew = ea(cos b+ i sin b)ec(cos d+ i sin d)

= ea+c(cos b cos d− sin b sin d+ i(cos b sin d+ sin b cos d)

)= ea+c

(cos(b+ d) + i sin(b+ d)

)= ea+c+i(b+d) = ez+w.

Definição 3. Dado z ∈ C com módulo r = |z| e argumento θ ∈ R, então podemosescrever z na sua forma polar: z = reiθ.

Exemplo 6. Se z = 1 + i , então |z| =√2 e arg z = arctan 1 = π

4, pelo que a

forma polar de z é z =√2ei

π4 .

Podemos ainda escrever a multiplicação, o inverso e a divisão de números com-plexos na forma polar. Se z1 = r1e

iθ1 e z2 = r2eiθ2, então

z1.z2 = r1eiθ1 .r2e

iθ2 = r1r2ei(θ1+θ2).

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Números Complexos em Geometria

Em particular, o inverso de um complexo z = reiθ é z−1 = r−1e−iθ. Temos assim

z1z2

=r1e

iθ1

r2eiθ2=

r1r2ei(θ1−θ2),

para z2 = 0.

Proposição 6. A exponencial de números complexos verifica as seguintes pro-priedades:

1. ez = ez;

2. 1ez

= e−z ;

3. (ez)k = ekz, com k ∈ Z;

4. e(z+i2kπ) = ez, com k ∈ Z;

5. zk = |z|k eikθ (fórmula de Moivre).

Demonstração. A demonstração de cada uma destas propriedades resulta dire-tamente da definição de exponencial de um número complexo e da Proposição5.

1.2.1 Raízes de números complexos

Sabemos que, dentro do conjunto dos números reais, não podemos extrair asraízes quadradas de números negativos. Tal é sempre possível fazer com núme-ros complexos, ou seja, para qualquer a+ bi ∈ C, existe z = x+ iy ∈ C tal quez2 = a+ bi. Com efeito, a equação z2 = a+ bi é equivalente ao sistema{

x2 − y2 = a

2xy = b.

Resolvendo o mesmo sistema, teremos que

x = ±

√√a2 + b2 + a

2

e

y = ±

√√a2 + b2 − a

2

Como√a2 + b2 + a > 0 e

√a2 + b2 − a > 0, então x e y são números reais. Já os

sinais dos radicais são escolhidos de maneira a que o produto xy tenha o mesmosinal de b.

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Números Complexos em Geometria

Deste modo, as raízes quadradas de z = a+ bi serão dadas por:

√a+ bi =

±(√√

a2+b+a2

+ i√√

a2+b−a2

), com b > 0

±(−

√√a2+b+a

2+ i

√√a2+b−a

2

), com b < 0

±√a, com b = 0, a > 0

±i√−a, com b = 0, a < 0

.

Podemos ver que todo número complexo não nulo possuí duas raízes quadradasdistintas. Em particular, podemos deduzir que toda equação do segundo grau,no conjunto dos números complexos, tem duas raízes, que podem ser iguais oudiferentes. As raízes de ax2 + bx+ c = 0, com a = 0, b e c complexos são dadaspor: x1 =

−b+√b2−4ac2a

e x2 =−b−

√b2−4ac2a

Para estudar as raízes de índice n de um complexo, com n > 2, é mais conve-niente utilizar a represenção polar dos números complexos. Qualquer númerocomplexo não nulo tem n raízes de índice n distintas, que formam os vérticesde um polígono regular de n lados centrado na origem. Obter as raízes n-ésimasda unidade imaginária implica determinar todos os números complexos que sãosoluções da equação zn − 1 = 0.

Temos que z0 = 1 é certamente uma das raízes desta equação. Por outro lado,sabemos pela identidade de Euler, que

e2kiπ = 1,

para todo k ∈ Z. Daí, utilizando a fórmula de Moivre, teremos:

(e

2πin

)n= ei2π = 1.

Assim, as raízes n-ésimas da unidade imaginária serão dadas por:

zk = e2kiπn ,

com k ∈ {0, 1, 2, ..., n − 1}. Pondo w = z1, vemos que zk = wk, isto é, as raízesn-ésimas da unidade imaginária serão dadas por 1, w, w2, . . . , wn−1.

Exemplo 7. Passaremos a apresentar os casos das raízes n-ésimas para n = 2,n = 3 e n = 4, para melhor percepção deste conteúdo.

1. Para n = 2, temos que a equação z2 − 1 = 0 terá duas raízes distintas: −1

e 1.

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Números Complexos em Geometria

2. Para n = 3, as três raízes da equação z3 − 1 = 0 serão dadas por:

z0 = 1

z1 = ei2π3 = −1

2+ i

√3

2;

z2 = ei4π3 = −1

2− i

√3

2.

3. Para n = 4, as raízes da equação z4 − 1 = 0 serão dadas por:

z0 = 1;

z1 = eiπ2 = i;

z2 = eiπ = −1;

z3 = ei3π2 = −i.

1.3 Interpretação geométrica das operações com números com-

plexos

Nesta secção trataremos da soma, multiplicação, conjugado e inverso de nú-meros complexos, com as suas representações geométricas, utlizando conceitoscomo os de rotação e reflexão.

1.3.1 Soma de números complexos

O vetor correspondente à soma de dois números complexos é a soma dos veto-res correspondentes a esses números. Logo, o vetor correspondente a z + w édeterminado pela lei do paralelogramo, como representado na Figura 1.3.

Figura 1.3: Soma de números complexo.

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Números Complexos em Geometria

1.3.2 Multiplicação de números complexos

Se w = |w| eiα e z = |z| eiθ , então.

w.z = |w| |z| ei(α+θ).

Assim, a multiplicação por w = |w| eiα corresponde a uma rotação de um ânguloα em torno da origem O seguida de uma homotetia de coeficiente |w| e centroem O. Se |w| > 1, a homotetia é uma dilatação; se |w| < 1, a homotetia é umacontração.

Figura 1.4: Multiplicação de números complexos.

1.3.3 Conjugado de um número complexo

Dado um número complexo z = a + bi , o seu conjugado é dado por z = a − bi.Logo a operação de conjugação corresponde à reflexão no eixo horizontal.

Figura 1.5: Conjugado de um número complexo.

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Números Complexos em Geometria

1.3.4 Inverso de um número complexo

Dado um ponto Q no plano e uma circunferência C(O, r) de centro em O, oinverso de Q relativamente a C(O, r) é o único ponto Q′ sobre a semireta OQ,

com origem em O, que verifica

|OQ| |OQ′| = r2

Figura 1.6: Inverso de Q relativamente à circunferência C(O, r).

Se z = |z| eiθ, então

z−1 =1

|z| e−iθ=

eiθ

|z|.

Uma vez que o argumento de z−1 coincide com o argumento de z, o ponto cor-respondente a z−1 está na semireta Oz. Por outro lado, |z| |z−1| = 1. Logo z−1 éo inverso de z relativamente a circunferência de raio 1 centrada na origem.

No Capítulo 3, estudaremos este conceito com mais detalhe.

1.4 Propriedades geométricas

Apresentamos de seguida a caracterização de alguns objetos e propriedadesgeométricas em termos de números complexos que nos serão úteis na resoluçãodos problemas do capítulos seguinte.

1.4.1 Colinearidade, paralelismo e perpendicularidade

Proposição 7. Dados quatro pontos distintos a, b, c, d ∈ C, as retas ab e cd têma mesma direção se e só se b−a

d−c∈ R.

13

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Números Complexos em Geometria

Demonstração. A reta ab tem a mesma direção da reta cd se e só se os vetores−→ab e

−→cd forem proporcionais, isto é, se e só se existe uma constante real λ ∈ R

tal que−→ab = λ

−→cd.

Figura 1.7: As retas ab e cd têm a mesma direção.

Uma vez que−→ab = b− a e

−→cd = d− c, temos

λ =b− a

d− c∈ R

Proposição 8. Dados quatro pontos distintos a, b, c, d ∈ C, as retas ab e cd sãoperpendiculares (denotamos ab ⊥ cd) se e só se b−a

d−cé imaginário puro.

Demonstração. As retas ab e cd são perpendiculares se e só se os vetores−→ab e

−→bc

forem perpendiculares. Isto acontece precisamente quando um dos vetores éobtido a partir do outro através de uma rotação de 90◦ seguida de multiplicaçãopor um escalar real de forma a igualar os seus comprimentos. Ou seja, os vetores−→ab e

−→bc são perpendiculares se e só se

−→ab = λi

−→cd para algum λ ∈ R, uma vez

que, tal como já tínhamos observado, a multiplicação por i corresponde a umarotação de 90◦.

Tendo em conta que−→ab = b − a e

−→cd = d − c, a igualdade

−→ab = iλ

−→cd verifica-se

para algum λ ∈ R se e só se b−ad−c

é imaginário.

Exemplo 8. Sejam a = 2− i, b = 1 + 3i, c = −1 + 4i e d = 3 + 6i. Temos

b− a

d− c=

(1 + 3i)− (2− i)

(3 + 6i)− (−1 + 4i)=

1− 4i

−4− 2i=

1

5+

9

10i,

onde multiplicámos e dividimos pelo conjugado do denominador de forma aobter a última igualdade. Como b−a

d−cnão é um imaginário, a reta ab não é

perpendicular a cd.

14

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Números Complexos em Geometria

Figura 1.8: As retas ab e cd são perpendiculares.

Proposição 9. Três pontos distintos a, b, c são colineares se e só se a−bb−c

∈ R.

Demonstração. É um caso particular da Proposição 7, bastando apenas observarque a, b, c são colineares se e só se os vetores

−→ab e

−→bc forem proporcionais entre

si.

Exemplo 9. Consideremos os números a = 5+ 7i, b = −6 + 2i e c = 3+ i. Então:

a− b

b− c=

(5 + 7i)− (−6 + 2i)

(−6 + 2i)− (3 + i)=

11 + 5i

−9 + i= −(47 + 28i)

41.

Logo a, b, c não são colineares.

Exemplo 10. Sejam a = 1 + 2i, b = −i e c = −1− 4i

a− b

b− c=

(1 + 2i)− (−i)

(−i)− (−1− 4i)=

1 + 3i

1 + 3i= 1

Logo a, b, c são colineares.

1.4.2 Quadriláteros cíclicos

Recorde-se que um polígono diz-se cíclico se os seus vértices estiverem sobreuma mesma circunferência.

Proposição 10. Consideremos um quadrilátero convexo com vértices consecuti-vos a, b, c, d ∈ C. Então o quadrilátero é cíclico se e só se (a−b)(c−d)

(c−b)(a−d)é um número

real negativo.

15

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Números Complexos em Geometria

Figura 1.9: Quadrilátero convexo com vértices consecutivos a, b, c, d.

Demonstração. Pelo teorema do arco capaz1, sabemos que um quadrilátero écíclico se e só se os pares de ângulos internos opostos somam π, isto é, relati-vamente à figura 1.10, α + γ = π e β + δ = π. Temos também

−→bc = λ1e

iβ−→ba−→da = λ2e

iδ−→dc,

com λ1, λ2 reais positivos. Logo

c− b = λ1eiβ(a− b) a− d = λ2e

iδ(c− d).

Multiplicando as duas equações, obtemos

(c− b)(a− d) = λ1λ2ei(β+δ)(a− b)(c− d).

Desta igualdade tiramos a conclusão pretendida. De facto, se o quadrilátero forcíclico, então β + δ = π e, uma vez que eiπ = −1, temos que (a−b)(c−d)

(c−b)(a−d)é real

e negativo. Por outro lado, se (a−b)(c−d)(c−b)(a−d)

é real e negativo, então, como λ1, λ2

são reais positivos, temos necessariamente ei(β+δ) = −1, ou seja, β + δ = π e,consequentemente, uma vez que a soma dos ângulos internos de um quadriláteroé 2π, temos também α + γ = π. Logo o quadrilátero é cíclico.

Exemplo 11. Consideremos os pontos

a = 2i, b =√2 +

√2i, c = 2, d = −2i.

1A amplitude de um ângulo inscrito numa circunferência é igual a metade da amplitude do arco por elesubtendido.

16

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Números Complexos em Geometria

Temos então(a− b)(c− d)

(c− b)(a− d)=

1−√2

2−√2< 0,

logo a, b, c, d são os vértices de um quadrilátero cíclico. Na realidade, trata-sede um quadrilátero inscrito na circunferência de raio r = 2 centrado na origem.

1.4.3 Triângulos

Um triângulo diz-se orientado se for dada uma ordem para os seus vértices: sea ordem for no sentido anti-horário, a orientação é positiva; se a ordem forno sentido horário, a orientação é negativa. Dois ou mais triângulos possuem amesma orientação se ambos forem horários ou anti-horários. Possuem orienta-ção distinta se um for horário e outro anti-horário.

Proposição 11. Seja a, b e c três pontos. Então, a área (com sinal) do triângulo∆abc é dada por

i

4

∣∣∣∣∣∣∣a a 1

b b 1

c c 1

∣∣∣∣∣∣∣ . (1.1)

Em particular, a, b e c são colineares se e só se o determinante se anula.

Demonstração. Escrevemos a = a1 + ia2, b = b1 + ib2 e c = c1 + ic2. Então

i

4

∣∣∣∣∣∣∣a a 1

b b 1

c c 1

∣∣∣∣∣∣∣ =i

4(ab− ab+ bc− bc+ ca− ac)

=1

2(−a2b1 + a1b2 − b2c1 + b1c2 − c2a1 + c1a2).

Por outro lado, sabemos que a área de um paralegramo é dada pela norma doproduto externo entre os vetores que o geram. Assim, a área do triângulo △abc

é dada pela norma do vetor−→ab×−→ac

2, pelo que a área com sinal do mesmo triângulo

é dada por

1

2

∣∣∣∣∣ b1 − a1 b2 − a2

c1 − a1 c2 − a2

∣∣∣∣∣ = 1

2

((b1 − a1)(c2 − a2)− (b2 − a2)(c1 − a1)

)=

1

2(−a2b1 + a1b2 − b2c1 + b1c2 − c2a1 + c1a2),

o que conclui a demonstração da proposição.

17

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Números Complexos em Geometria

Observemos que se o triângulo for orientado no sentido anti-horário, a área serápositiva. Se o triângulo for orientado no sentido horário, a área será negativa.

1.4.4 Equação Cartesiana da reta

Proposição 12. Dados dois pontos distintos a e b, um ponto z pertence à retaab se, e só se, ∣∣∣∣∣∣∣

a a 1

b b 1

z z 1

∣∣∣∣∣∣∣ = 0. (1.2)

Demonstração. Três pontos a, b e z são colineares se, e só se, a área do triângulo△abz é nula. Assim, tendo em conta a Proposição 11, um ponto z pertence àreta ab se, e só se, verifica a igualdade (1.2), ou seja:

z(a− b) + z(b− a) = ab− ab. (1.3)

Exercício 1. Mostre que a equação da reta que passa pelo ponto z0 e é paralelaà reta de equação αz + αz + β = 0 é dada por

z − z0 = −α

α(z − z0).

1.4.5 Equação da mediatriz de um segmento dado

Proposição 13. Dados dois pontos distintos a e b, a equação da mediatriz dosegmento ab é dada por:

z(b− a) + z(b− a) = |b|2 − |a|2 . (1.4)

Demonstração. O ponto médio a+b2

pertence obviamente à mediatriz do seg-mento ab. Outro ponto desta mediatriz pode ser obtido considerando a trans-lação do ponto médio pelo vetor perpendicular a ab dado por i a−b

2, ou seja, o

pontoa+ b

2+ i

a− b

2.

Assim, um ponto z pertence à mediatriz se, e só se,∣∣∣∣∣∣∣a+b2

a+b2

1a+b2

+ i(a−b2) a+b

2− i(a−b

2) 1

z z 1

∣∣∣∣∣∣∣ = 0,

18

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Números Complexos em Geometria

o que é equivalente a escrever

zib− a

2+ zi

b− a

2+

i

2(aa− bb) = 0.

Dividindo por i2e lembrando que aa = |a|2 e bb = |b|2, resulta a equação (1.4).

1.4.6 Equação da reta perpendicular por um ponto

Vamos ver de seguida um caso mais geral.

Proposição 14. A equação da reta perpendicular à reta z1z2 que passa por z3 édada por

z − z3z2 − z1

+z − z3z2 − z1

= 0. (1.5)

Demonstração. Seja z um ponto arbitrário da reta perpendicular a z1z2 que passapor z3. Então, pela Proposição 8, z−z3

z2−z1é um imaginário puro. Logo, vale a

equação (1.5).

1.4.7 Equação da circunferência

Proposição 15. A equação

zz + az + bz + c = 0

define uma circunferência se, e só se, b = a, c é real e c < aa. Neste caso, acircunferência tem centro em −a e raio

√aa− c.

Demonstração. A equação de uma circunferência de centro em z0 e raio r édada por |z − z0|2 = r2. Mas,

|z − z0|2 = r2 ⇔ (z − z0)(z − z0) = r2 ⇔ zz − z0z − z0z + z0z0 − r2 = 0.

O resultado sai imediatamente se fizermos

a = −z0, b = −z0, c = z0z0 − r2.

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1.4.8 Triângulos semelhantes

Lema 1. Dados três pontos z1, z2 e z3, o ângulo ∠z2z1z3 tem medida

θ = argz3 − z1z2 − z1

.

Demonstração. A medida do ângulo ∠z2z1z3 é dada por

θ = α′ − α = arg(z3 − z1)− arg(z2 − z1).

Figura 1.10: Quadrilátero convexo com vértices consecutivos a, b, c, d.

Por outro lado,

z3 − z1z2 − z1

=|z3 − z1|eiarg(z3−z1)

|z2 − z1|eiarg(z2−z1)=

|z3 − z1||z2 − z1|

ei(arg(z3−z1)−arg(z2−z1)).

Daqui tiramos que

argz3 − z1z2 − z1

= arg(z3 − z1)− arg(z2 − z1) = θ.

Proposição 16. Os triângulos △z1z2z3 e △w1w2w3 são semelhentes e com amesma orientação (escrevemos △z1z2z3 ∼ig △w1w2w3) se e só se

z2 − z1z3 − z2

=w2 − w1

w3 − w2

∣∣∣∣∣∣∣z1 ω1 1

z2 ω2 1

z3 ω3 1

∣∣∣∣∣∣∣ = 0. (1.6)

Demonstração. Usando o critério de semelhança LAL 2 e o lema anterior, ve-mos que △z1z2z3 ∼ig △w1w2w3 se, e só se, as duas igualdades seguintes forem

2Critério de semehança LAL: se, em dois triângulos, ângulos iguais subtenderem lados proporcionais,então esses triângulos são semelhantes.

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Números Complexos em Geometria

satisfeitas: ∣∣∣∣z2 − z1z3 − z1

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ω2 − ω1

ω3 − ω1

∣∣∣∣ , argz2 − z1z3 − z1

= argω2 − ω1

ω3 − ω1

Uma vez que dois números complexos são iguais precisamente quando tiveremo mesmo módulo e o mesmo argumento, concluímos que △z1z2z3 ∼ig △w1w2w3

se, e só se, valer a igualdade (1.6).

Proposição 17. Os triângulos △z1z2z3 e △w1w2w3 são semelhentes e com a ori-entação oposta (escrevemos △z1z2z3 ∼op △w1w2w3) se e só se

z2 − z1z3 − z2

=w2 − w1

w3 − w2

∣∣∣∣∣∣∣z1 w1 1

z2 w2 1

z3 w3 1

∣∣∣∣∣∣∣ = 0. (1.7)

Demonstração. Suponha-se que temos dois triângulos △z1z2z3 e △w1w2w3 comorientações opostas. Recorde-se que a reflexão de um ponto w em relação aoeixo dos números reais é dada por w. Por outro lado, a reflexão é uma isometriaque inverte a orientação. Assim, os triângulos△z1z2z3 e△w1w2w3 têm a mesmaorientação. O enunciado resulta então de aplicar a proposição 16 a estes doistriângulos.

1.5 Pontos notáveis dos triângulos

Nesta secção, estaremos resolvendo alguns problemas geométricos relacionadosaos triângulos, com resolução no plano complexo. Cabe-nos ainda falar sobre oortocentro, centroíde e circuncentro de um triângulo.

1.5.1 Ortocentro

Comecemos por recordar que o ortocentro de um triângulo é o ponto de inter-seção das alturas do triângulo.

Proposição 18. Seja △abc um triângulo inscrito na circunferência unitária cen-trada na origem. Então o seu ortocentro H é dado por

H = a+ b+ c.

Demonstração. Sejam os pontos a, b e c ∈ C. As alturas do triângulo △abc são

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as retas X = a+ ti(c− b), t ∈ RX = b+ si(a− c), s ∈ RX = c+ µi(b− a), µ ∈ R

.

Figura 1.11: Ortocentro do triângulo inscrito na circunferência unitária.

Por outro lado, sabemos que os vértices do triângulo estão sobre a circunferênciade raio r = 1 e centro na origem, que denotamos por S1. Em particular, temos:

a =1

a, b =

1

b, c =

1

c. (1.8)

Encontremos o ponto de intersecção das alturas por a e b. Igualando as respeti-vas equações paramétricas e tomando o seu conjugado, obtemos o sistema:{

a+ it(c− b) = b+ si(a− c)

a− it(c− b) = b− si(a− c).

Tendo em conta as igualdades (1.8), daqui resulta que{a+ it(c− b) = b+ si(a− c)1a− it(1

c− 1

b) = 1

b− si( 1

a− 1

c)

{a+ it(c− b) = b+ si(a− c)cba+ it(c− b) = c− si( cb

a− b)

.

Subtraíndo a primeira equação pela segunda teremos

a− cb

a= b− c+ si(a− c) + si(

cb

a− b).

Daqui tiramos

s =a2 − cb− ba+ ca

i(a2 − ca+ cb− ab).

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Números Complexos em Geometria

Logo, o ortocentro H vem dado por

H = b+ si(a− c) = b+(a2 − cb− ba+ ca)

a2 − ca+ cb− ab(a− c)

= b+a(a+ c)− b(a+ c)

a− b= a+ b+ c,

como queríamos provar.

Observação 1. No caso geral, com a, b, c ∈ C, o ortocentro do triângulo △abc

não é necessariamente dado por a+ b+ c. Com efeito, consideremos

a = i, b = 1 + i, c = −2. (1.9)

O ortocentro H deste triângulo está, por definição, sobre a altura por a, istoé, a reta de equação paramétrica

X = a+ λi(b− c), λ ∈ R.

Substituindo nesta equação a, b e c por (1.9), e supondo que o ponto a + b + c

está sobre esta altura, temos

i+ λi(3 + i) = −1 + 2i.

Logo

λ =−1 + i

3i− 1=

(−1 + i)(−3i− 1)

(3i− 1)(−3i− 1)=

2i+ 4

10=

2

5+

1

5i.

Como λ é complexo, concluímos que a + b + c não pode pertencer à altura pora.

1.5.2 Centróide

Recorde-se que o centróide de um triângulo é o ponto de interseção das medi-anas.

Proposição 19. Seja △abc um triângulo qualquer. Então o seu centróide P édado por

P =a+ b+ c

3. (1.10)

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Números Complexos em Geometria

Demonstração. As medianas do triângulo△abc são dadas parametricamente porX = a+ λ( b+c

2− a), λ ∈ R

X = b+ k(a+c2

− b), k ∈ RX = c+ µ( b+a

2− c), µ ∈ R

.

Provaremos que as três retas passam por a+b+c3

. Tomando a mediana por a, temosde verificar que, para algum λ,

a+ λ(b+ c

2− a

)=

a+ b+ c

3.

Daqui tiramos que

λ =2(−2a+ b+ c)

3(−2a+ b+ c)=

2

3,

o que significa que a+b+c3

pertence à mediana por a, uma vez que λ é real.

Do mesmo modo, podemos verificar que a+b+c3

pertence às outras duas medianas,com s, k = 2

3. Assim, o centróide P do triângulo é dado por (1.10).

1.5.3 Circuncentro

As mediatrizes de um dado triângulo encontram-se num só ponto, designadopor circuncentro. De seguida iremos escrever o circuncentro em termos dosrespetivos vértices.

Proposição 20. O circuncentro do triângulo △abc é dado por

x =|a|2 (c− b) + |b|2 (a− c) + |c|2 (b− a)

ac− ac+ ba− ab+ cb− bc. (1.11)

Demonstração. Tendo em conta a equação cartesiana da mediatriz (1.4), o cir-cuncentro x do triângulo △abc verifica as seguintes igualdades:{

x(b− a) + x(b− a) = |b|2 − |a|2

x(c− a) + x(c− a) = |c|2 − |a|2.

Assim sendo, isolamos x para obter:

x =|b|2 − |a|2 − (b− a)x

b− a

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Números Complexos em Geometria

Substituindo na segunda equação do sistema, ficamos com

(c− a)x+ (c− a)|b|2 − |a|2 − (b− a)x

b− a= |c|2 − |a|2

⇔ x{c− a− (b− a)(c− a)

b− a

}= |c|2 − |a|2 − c− a

b− a{|b|2 − |a|2}

⇔ x{(c− a)(b− a)− (b− a)(c− a)

b− a

}= |c|2 − |a|2 − c− a

b− a(|b|2 − |a|2)

⇔ x =|a|2 (c− b) + |b|2 (a− c) + |c|2 (b− a)

ac− ac+ ba− ab+ cb− bc

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Números Complexos em Geometria

1.6 Polígonos regulares

Nesta secção vamos obter uma caracterização algébrica para polígonos regula-res. Começaremos tomando em consideração alguns resultados para triângulosequiláteros e quadrados, que nos levarão a perceber melhor o casos mais gerais.

Definição 4. Um polígono convexo a0, a1, a2, ..., an−1, com os vértices orientadosno sentido anti-horário, diz-se regular se os lados forem iguais e estiver inscritonuma circunferência.

Assim sendo prestemos atenção ao lema que se segue, pois será útil para ademonstração de algumas proposições.

Lema 2. Dado k ∈ N, seja w = e2πik . Então

1 + w + w2 + . . .+ wk−1 = 0.

Demonstração. Recorde-se que a soma dos k primeiros termos de uma sucessãogeométrica xj = x0r

j de razão r é dada por

k−1∑j=0

xj = x01− rk

1− r.

Fazendo r = w e x0 = 1, obtemos a seguinte igualdade

1 + w + w2 + . . .+ wk−1 =k−1∑j=0

wj =1− wk

1− w.

Sabendo que wk = 1, concluimos que 1 + w + w2 + ...+ wk−1 = 0

Proposição 21. Um triângulo em C, com os vértices a, b e c tomados no sentidoanti-horário, é equilátero se e só se a+ wb+ w2c = 0, com w = e

2πi3 .

Demonstração. Suponhamos que o triângulo é equilátero. Então, o vetor −→ac éobtido por rotação de ângulo 2π

3do vetor

−→cb.

Assimc− a = w(b− c) ⇔ a+ wb− (1 + w)c = 0.

Mas, pelo lema anterior, temos w2 = −(1 + w). Logo a+ wb+ w2c = 0.

Reciprocamente, se a + wb + w2c = 0, então podemos reverter todos os passosdo procedimento anterior, para obter −→ac = w

−→cb. Assim, pelo critério LAL, o

triângulo △abc é necessariamente equilátero.

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Números Complexos em Geometria

Figura 1.12: Triângulo equilátero.

Proposição 22. Se a,b,c e d são vértices de um quadrado, no sentido anti-horário, então

a+ bw + cw2 + dw3 = 0, (1.12)

com w = e2πi4 .

Demonstração. Temos w = i, w2 = −1 e w3 = −i. Por outro lado, sabemos que−→db e −→ca são perpendiculares. Logo

Figura 1.13: As diagonais de um quadrado são perpendiculares.

−→ca = −i−→db ⇔ a− c = −i(b− d)

⇔ a+ ib− c− id = 0

⇔ a+ wb+ w2c+ w3d = 0.

Observação 2. O recíproco deste resultado não é válido. Por exemplo, os pon-tos

a = 0, b = 2− 3i, c = 4, d = 2 + i

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Números Complexos em Geometria

verificam a igualdade (1.12)mas o quadrilátero com vértices a, b, c e d não é umquadrado. Mais geralmente, para qualquer quadrilátero em que as diagonaisse cruzem perpendicularmente e tenham igual comprimento, como ilustradona figura 1.14, os seus vértices verificam (1.12), uma vez que na demonstraçãoapresentada apenas se usou este facto.

Figura 1.14: Quadrilátero com diagonais iguais e perpendiculares.

Proposição 23. Se a0, a1, a2, a3, ..., an−1 são vértices de um polígono regular, nosentido anti-horário, então

a0 + a1w + a2w2 + a3w

3 + ...+ an−1wn−1 = 0, (1.13)

com w = e2πni.

Demonstração. Seja P o centro de simetria do polígono. Uma vez que, o vérticeaj é obtido por uma rotação, no sentido anti-horário e com ângulo 2πj

n, a partir

do vértice a0, temos

(a1 − P ) = w(a0 − P )

(a2 − P ) = w2(a0 − P )...(an−1 − P ) = wn−1(a0 − P )

a0 = a0w0 − Pw0 + P

a1 = a0w − Pw + P

a2 = a0w2 − Pw2 + P

...an−1 = a0w

n−1 − Pwn−1 + P

. (1.14)

28

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Números Complexos em Geometria

Assim,

n−1∑i=0

aiwi =

n−1∑i=0

(a0wi − Pwi + P )wi

=n−1∑i=0

(a0(wi)2 − P (wi)2 + Pwi)

=n−1∑i=0

a0w2i −

n−1∑i=0

Pw2i +n−1∑i=0

Pwi

= a0

n−1∑i=0

w2i − P

n−1∑i=0

w2i + Pn−1∑i=0

wi

Tal como no lema 2, temos que

n−1∑i=0

w2i =n−1∑i=0

(w2)i = 0

logon−1∑i=0

aiwi = 0.

Proposição 24. Se a0, a1, ..., an−1 é um polígono regular, o centro da sua circun-ferência circunscrita C è dado por

P =n−1∑i=0

ain. (1.15)

Demonstração. Tomando a soma das n igualdades do segundo sistema de (1.14),e tendo em conta o lema 2, obtemos

n−1∑i=0

ai = a0

n−1∑i=0

ωi − P

n−1∑i=0

ωi + nP = nP,

de onde tiramos a igualdade (1.15).

29

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Números Complexos em Geometria

30

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Números Complexos em Geometria

Capítulo 2

Resolução de problemas geométricos no planocom números complexos

Nesta secção, mostraremos como os números complexos desempenham um pa-pel importante na interpretação e resolução de problemas geométricos, par-tindo de alguns resultados já provados anteriormente.

Problema 1. É dado um quadrado ABCD com centro em O. Sejam P o pontomédio do segmento BO eQ o ponto médio de CD. Prove que o triângulo△APQ

é rectângulo e isósceles.

Figura 2.1: Representação do Problema 1.

Resolução. Consideremos o ponto O como a origem do plano complexo. Vamosusar a Proposição 8 para provar que o triângulo é retângulo. Podemos tomar ascoordenadas dos pontos A, B, C e D respetivamente, como a, −ai, −a e ai. Etendo em conta que P = −ai

2e Q = −a+ai

2, temos

PA

PQ=

1 + i2

−1+i2

+ i2

=2 + i

−1 + 2i=

−(−1 + 2i)i

−1 + 2i= −i.

Uma vez que PAPQ

é um imaginário puro, temos PA ⊥ PQ; e, portanto, △APQ é

retângulo. Por outro lado, como PA = −iPQ, o vetor−→PA é obtido por rotação

de 90º, no sentido negativo, do vetor−→PQ, logo o comprimento do lado PA é

igual ao comprimento do lado PQ, ou seja, o triângulo △APQ é isósceles.

31

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Números Complexos em Geometria

Problema 2. Sobre os lados ab e bc do triângulo △abc, desenhe-se quadradoscom centros em d e e, respetivamente, tais que os pontos c e d estejam domesmo lado da reta ab e os pontos a e e, estejam em lados opostos da reta bc.Provar que o ângulo entre as retas ac e de mede 45º.

Figura 2.2: Representação do Problema 2.

Resolução. Tendo em conta que |ec| = |eb| e como ec ⊥ eb, temos b−e = (c−e)i,logo

e =b− ci

1− i.

Do mesmo modo, podemos deduzir que

d =b− ai

1− i.

O ângulo formado entre as retas ac e de é igual a:

argc− a

e− d= arg

c− ab−ci1−i

− b−ai1−i

= arg(c− a)(1− i)

b− ci− b+ ai

= arg1− i

−i

= arg(1 + i) =π

4.

Problema 3. Sobre cada lado de um quadrilátero arbitrário é construído umquadrado exterior. Prove que os segmentos da reta juntando os centros dosquadrados opostos são perpendiculares e têm o mesmo comprimento.

32

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Números Complexos em Geometria

Figura 2.3: Representação geométrica do Problema 3.

Resolução. Provaremos que−−→FH e

−−→EG são perpendiculares e de igual compri-

mento. Identificamos o plano euclidiano com o plano dos números complexose cada ponto é representado pela letra minúscula correspondente. Seja M oponto médio do lado AB. Então, o vetor

−−→ME é obtido através de uma rotação

de 90 no sentido negativo do vetor−→AB2. Logo,

E = M +−−→ME =

b+ a− i(b− a)

2

Do mesmo modo

F =c+ b− i(c− b)

2;G =

c+ d− i(d− c)

2;H =

d+ a− i(a− d)

2.

Comecemos por encontrar o vetor−−→FH :

−−→FH =

(d+ a)

2− i(a− d)

2− (c+ b)

2+

i(c− b)

2

=(d+ a− c− b)

2− i(a− d+ b− c)

2.

Vamos encontrar−−→EG :

−−→EG =

(c+ d)

2− i(d− c)

2− (b+ a)

2+

i(b− a)

2

=(c+ d− b− a)

2− i(d− c− b+ a)

2= −i

−−→FH.

Como i corresponde a uma rotação de 90◦,−−→FH e

−−→EG são perpendiculares e têm

o mesmo comprimento.

33

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Números Complexos em Geometria

Problema 4. Um tesouro está escondido numa ilha. Nessa ilha, existem apenasduas árvores, uma palmeira P e um coqueiro C . Partindo do ponto D em quedesembarcar, conte os seus passos com muito cuidado. Quando chegar à pal-meira, vire 90 graus à direita e caminhe, sempre em linha reta, exatamente omesmo número de passos que tinha dado do ponto de desembarque até a pal-meira. Enterre aí uma estaca S1. Volte ao ponto de desembarque, caminhe nadireção do coqueiro, conte os seus passos, vire 90 graus à esquerda e caminheexatamente o mesmo número de passos que tinha dado desde o ponto de de-sembarque até ao coqueiro. Enterre aí a segunda estaca S2. O tesouro estáescondido a meio caminho entre as estacas S1 e S2. Quais são as coordenadasdo tesouro?

Figura 2.4: Representação geométrica do Problema 4.

Resolução. Queremos encontrar as coordenadas do tesouro. As coordenadas doponto de desembarque são dadas por

D = a+ bi.

O ponto onde a primeira estaca é colocada é dado por S1 = P +−−→PS1. Observe-

se que−−→PS1 é obtido de

−−→DP por uma rotação de 90◦ no sentido anti-horário, ou

seja,−−→PS1 = i

−−→DP . Como

−−→DP = P −D = −1− (a+ bi) = (−1− a)− bi,

temos−−→PS1 = e−iπ

2−−→DP = −i

((−1− a)− bi

)= i(1 + a)− b.

34

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Números Complexos em Geometria

Logo,S1 = P +

−−→PS1 = −1 + i(1 + a)− b = −(1 + b) + i(1 + a)

O ponto onde a segunda estaca é colocada é dado por S2 = C+−−→CS2. Observe-se

que−−→CS2 é obtido de

−−→DC por uma rotação de 90◦ no sentido horário, ou seja,

−−→CS2 = −i

−−→DC. Como

−−→DC = C −D = 1− (a+ bi) = (1− a)− bi,

temos−−→CS2 = ei

π2−−→DC = i

((1− a)− bi

)= i(1− a) + b.

Logo,S2 = C +

−−→CS2 = 1 + i(1− a) + b = (1 + b) + i(1− a).

Tendo os valores das coordenadas de S1 e S2 , então podemos encontrar o pontomédio Pm. Para tal, temos de somar S1 e S2 e dividir por 2, ou seja:

Pm =S1 + S2

2=

−1− b+ i+ ai+ 1 + b+ i− ai

2=

2

2i = i.

Portanto, o ponto médio entre S1 e S2 é o imaginário i. E as coordenadas dotesouro são dadas por (0, 1).

Problema 5. Dado um triângulo△ABC, são construídos sobre os lados AC e BC

dois triângulos retângulos isósceles, △ACE e △CBD, rectângulos em E e D,

respetivamente. Prove que o triângulo △DEM também é isósceles e retânguloem M, onde M é o ponto médio do lado AB.

Figura 2.5: Representação geométrica do Problema 5.

35

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Números Complexos em Geometria

Resolução. Vamos mostrar que−−→ME e

−−→MD são perpendiculares e de igual com-

primento. Identificamos o plano euclidiano com o plano dos números complexose cada ponto é representado pela letra minúscula correspondente. Observe-seque o vetor

−−→CD é obtido através de uma rotação de 45◦ do vetor

−−→CB seguida

de uma contração de razão 1√2(de facto, como o triângulo isósceles △CBD é

retângulo em D, pelo teorema de Pitágoras temos |CB| =√2 |CD|). Assim,

D = c+ eiπ4b− c√

2= c+

(√2

2+ i

√2

2

)b− c√2

= c+(12+

i

2

)(b− c).

Logo,

−−→MD = c+

(12+

i

2

)(b−c)−

(a+ b

2

)=

(c+

b

2− c

2− a

2− b

2

)+ i

b− c

2=

c− a

2+ i

b− c

2.

Do mesmo modo,

E = c+ e−iπ4(a− c)√

2= c+

(a− c)√2

(√2

2− i

√2

2

)= c+

(12− i

1

2

)(a− c).

Logo,

−−→EM =

a+ b

2− c−

(12− i

2

)(a− c) =

a+ b

2− c− a

2+

c

2+

i(a− c)

2

=b− c

2+

i(a− c)

2= −i

((c− a)

2+ i

(b− c)

2

).

Assim,−−→ME = i

−−→MD, ou seja, como i corresponde a uma rotação de 90◦ ,

−−→ME e

−−→MD são perpendiculares e têm o mesmo comprimento.

Problema 6. Sobre cada lado de um triângulo arbitrário, desenhe um triân-gulo equilátero. Provar que os centróides (baricentros) desses três triângulosequiláteros são os vértices de um quarto triângulo equilátero (este resultado éconhecido por Teorema de Napoleão).

Resolução. Seja △a1a2a3 o triângulo inicial, e temos que △w1a3a2, △a3w2a1 e△a2a1w3 são os triângulos construidos sobre os lados do triângulo inicial△a1a2a3.Denotemos por b1, b2 e b3 os centróides desses triângulos equiláteros, respetiva-mente, isto é,

b1 =w1 + a3 + a2

3b2 =

a3 + w2 + a13

b3 =a2 + a1 + w3

3.

36

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Números Complexos em Geometria

Figura 2.6: Teorema de Napoleão.

Sabemos pela Proposição 21 que

w1 + wa3 + w2a2 = 0;

a3 + ww2 + w2a1 = 0;

a2 + wa1 + w2w3 = 0,

Utlizamos a mesma proposição para provar que △b1b2b3 também é equilátero:

b1 + wb2 + w2b3 =1

3{(w1 + a3 + a2) + w(a3 + w2 + a1) + w2(a2 + a1 + w3)}

=1

3{(w1 + wa3 + w2a2) + (a3 + ww2 + w2a1) + (a2 + wa1 + w2w3) = 0,

logo o triângulo △b1b2b3 é equilátero.

Problema 7. Seja △ABC um triângulo isósceles com AB = AC. Seja P umponto no lado BC. Sejam ainda X um ponto no lado AB e Y um ponto no ladoAC tais que

PX ∥ AC e PY ∥ AB.

Seja T o ponto médio do arco entre B e C contido na circunferência por A, Be C. Provar que PT ⊥ XY .

Resolução. Temos P = B + t1(C −B)

X = B + t2(A−B)

Y = C + t3(A− C)

para certos t1, t2, t3 ∈ R. Assim,

−−→PX = X − P = t2(A−B)− t1(C −B) = (t2 − t1)(A−B)− t1(C − A).

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Números Complexos em Geometria

Figura 2.7: Representação do Problema 7.

Logo, para que PX seja paralela a AC é necessário que t2 = t1. Do mesmomodo, como

−→PY = Y −P = C −B + t3(A−C)− t1(C −B) = (1− t1 − t3)(C −B) + t3(A−B),

para que PY seja paralela a AB é necessário que t3 = 1− t1.Então { −−→

PX = −t1(C − A)−→PY = (1− t1)(A−B)

,

logo−−→XY = (1− 2t1)A+ (t1 − 1)B + t1C.

Temos agora que encontrar T . Sem perda de generalidade, podemos supôr queA = ic, B = 1 e C = −1. Aplicando a fórmula (1.11), vemos que o circuncentroO do triângulo é dado por

O =i

2(c− 1

c).

EntãoT = A+ 2

−→AO = − i

c.

Agora que já temos P , T , X e Y , passaremos a provar pela Proposição 8 quePT e XY são perpendiculares. Assim;

P − T

Y −X=

1− 2t1 +ic

(1− 2t1)ic− 1=

1

ic,

onde multiplicámos e dividimos por ic de forma a obter a última igualdade.

Problema 8. As retas l1, l2 e l3 são paralelas, com l2 entre l1 e l3. A distânciaentre l1 e l2 é a; a distância entre l2 e l3 é b. Expressar a área de um triângulo

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Números Complexos em Geometria

equilátero que tenha os três vértices sobre cada uma das três retas paralelasem termos de a e b.

Resolução. Sem perda de generalidade, podemos supôr que uma das retas coin-cide com o eixo real.

Figura 2.8: Triângulo equilátero sobre retas paralelas.

De acordo com a figura anterior, fixamos um vértice em ai e outro vértice sobreo eixo real, em t. O terceiro vértice denotamos por z. Sabemos pela Proposição21 que

z + aiω + tω2 = 0,

com

ω = e2πi3 = cos 120◦ + i sin 120◦ = − sin 30◦ + i cos 30◦ =

−1

2+ i

√3

2

e

ω2 = −1

2− i

√3

2.

Assim,

z = −aiω − tω2

= −ai(−1

2+ i

√3

2

)− t

(−1

2− i

√3

2

)=

a√3

2+

t

2+ i(

a

2+

√3

2t)

=1

2(t+ a

√3) +

i

2(a+

√3t)

Como z está na reta l3, então Im z = a+ b, e daí procuramos o valor de t:

1

2(a+

√3t) = a+ b ⇒ t =

a+ 2b√3

.

Seja d o lado do triângulo. Então

d2 = (t− ai)(t+ ai) =4

3(a2 + ab+ b2)

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Números Complexos em Geometria

Finalmente, podemos calcular a área do triângulo:

A =lado × altura

2=

1

2d2 sin 60◦ =

√3

3(a2 + ab+ b2).

Problema 9. Dado um triângulo qualquer △ABC, a circunferência que passapelos pés das alturas passa também pelos pontos médios dos lados e pelos pontosmédios dos segmentos AH, BH e CH, onde H é o ortocentro do triângulo.

Figura 2.9: Círcunferência dos nove pontos.

Resolução. Sem perda de generalidade, supomos que a circunferência circuns-crita no triângulo △ABC é unitária e centrada na origem. Os pontos A, B e C

são representados no plano complexo pelas letras minúsculas a, b e c, respeti-vamente, com |a| = |b| = |c| = 1.Comecemos por encontrar o centro da circunferência C que passa pelos pontosmédios do triângulo: MA = b+c

2, MB = a+c

2e MC = a+b

2. Esta circunferência tem

centro no pontoδ

2=

a+ b+ c

2

e raio r = 12. Com efeito, temos:

|MA − δ

2| =

∣∣∣∣b+ c

2− a+ b+ c

2

∣∣∣∣ = ∣∣∣a2

∣∣∣ = 1

2;

|MB − δ

2| =

∣∣∣∣a+ c

2− a+ b+ c

2

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ b2∣∣∣∣ = 1

2;

|MC − δ

2| =

∣∣∣∣a+ b

2− a+ b+ c

2

∣∣∣∣ = ∣∣∣ c2

∣∣∣ = 1

2.

Vamos achar a distância de δ2aos pontos médios Ha, Hb e Hc dos segmentos que

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Números Complexos em Geometria

unem H, o ortocentro, aos vértices a, b e c, respetivamente.

|Ha −δ

2| =

∣∣∣∣a+ δ

2− δ

2

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣a+ δ − δ

2

∣∣∣∣ = 1

2;

|Hb −δ

2| =

∣∣∣∣b+ δ

2− δ

2

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣b+ δ − δ

2

∣∣∣∣ = 1

2;

|Hc −δ

2| =

∣∣∣∣c+ δ

2− δ

2

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣c+ δ − δ

2

∣∣∣∣ = 1

2.

Logo, os pontos médios Ha, Hb e Hc pertencem também à circunferência C.

Logo passaremos a encontrar a distância de δ2para os pés das alturas do triângulo

△abc. A reta bc tem equação paramétrica x = b + t(c − b), com t ∈ R. Tendoem conta a equação (1.5) da reta perpendicular a uma reta dada por um pontodado, o pé da altura por a vai ser dado pelo sistema{

x = b+ t(c− b)x−ac−b

+ x−ac−b

= 0.

Assim, recordando que z = 1zquando z pertence à circunferência unitária com

centro na origem, vamos ter

b+ t(c− b)− a

c− b+

b+ t(c− b)− a

c− b= 0

⇔ b+ t(c− b)− a

c− b+

1b+ t(1

c− 1

b)− 1

a1c− 1

b

= 0

⇔ b+ t(c− b)− a

c− b+

c+ t(b− c)− bca

b− c= 0

⇔b− c+ 2t(c− b)− a+ bc

a

c− b= 0

⇔ t =a2 − bc

2a(c− b)+

1

2.

Consequentemente, o pé da altura por a é dado por

x = b+( a2 − bc

2a(c− b)+

1

2

)(c− b) =

b+ c

2+

a2 − bc

2a.

Podemos finalmente encontrar distância de x ao centro δ2:∣∣∣∣x− δ

2

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ cb2a∣∣∣∣ = |c| |b|

2 |a|=

1

2,

uma vez que |a| = |b| = |c| = 1. Assim, a circunferência C passa pelo pé da alturapor a. De forma análoga, podemos ver que C também passa pelos pés das alturas

41

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Números Complexos em Geometria

por b e por c.

Terminamos este capítulo com algumas sugestões de exercícios sobre o tema emque temos vindo a trabalhar.

Exercício 2. Mostre que a reta que une os pontos médios dos dois lados paralelosde um trapézio passa pelo ponto de intersecção das retas que contêm os outrosdois lados e também pelo ponto de intersecção das diagonais.

Exercício 3. Dado um triângulo △ABC e um ponto D, sejam H, T e M os pésdas perpendiculares de D aos lados BC, CA e AB, respetivamente. Então, ospontos H, T e M são colineares se, e só se, D está na circunferência circuns-crita do triângulo △ABC. Este resultado é conhecido por Teorema da Reta deSimson1.

Exercício 4. Mostre que, em qualquer quadrilátero convexo, os pontos médiosdos lados são os vértices de um paralelogramo.

1Robert Simson(1687–1768) foi um matemático escocês que publicou diversas edições críticas e comen-tadas sobre as obras dos antigos geómetras.

42

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Números Complexos em Geometria

Capítulo 3

Inversões

Começaremos por aprofundar o conceito de inversão em relação a uma circun-ferência e suas propriedades com base no uso dos números complexos. Comoprimeiro exemplo de aplicação das inversões, estudaremos uma demonstraçãodo Teorema de Ptolomeu-Euler sobre quadriláteros cíclicos e terminaremos comcom a resolução de alguns problemas que envolvem também a aplicação de in-versões.

3.1 Definição e propriedades das inversões

Já sabemos que a inversão na circunferência C := C(A, r) de centro em A e raior é a aplicação que envia cada ponto X = A no único ponto X ′ na semireta AX

tal que |AX||AX ′| = r2.

Proposição 25. A inversão relativamente a C é a aplicação IC : C \ {A} → Cdada por

IC(z) =r2

z − a+ a.

Demonstração. Temos que provar que z′ = r2

z−a+ a satisfaz as seguintes condi-

ções:

1. |z′ − a||z − a| = r2;

2. z′ pertence à semireta de origem em a por z, isto é, z′ é da forma z′ =

a+ λ(z − a), com λ > 0.

Temos

|z′ − a|2|z − a|2 =∣∣∣ r2

z − a

∣∣∣2|z − a|2 = r2

z − a

r2

z − a(z − a)(z − a) = r4,

logo |z′ − a||z − a| = r2.Por outro lado,

z′ =r2

z − a+ a =

r2

|z − a|2(z − a) + a.

Logo z′ = a+ λ(z − a), com λ = r2

|z−a|2 > 0.

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Números Complexos em Geometria

Observação 3. Dada uma circunferência de centro em A, a inversão IC : C \{A} → C \ {A} é uma involução, ou seja, IC é a transformação inversa delaprópria.

Vejamos como uma inversão atua sobre retas e circunferências.

Proposição 26. Seja C uma circunferência de centro P e raio r. A inversão IC

transforma:

1. uma circunferência que passa por P numa reta que não passa por P .

2. uma circunferência que não passa por P numa circunferência que nãopassa por P .

3. uma reta que não passa por P numa circunferência que passa por P .

4. uma reta que passa por P numa reta que passa por P .

Demonstração. Podemos supôr que P é a origem do referencial. Então a inver-são IC é dada por

IC(z) =r2

z

e, além disso,C = {z ∈ C : zz = r2}.

Consideremos uma circunferência C1 de centro em α e raio s, isto é,

C1 = {z ∈ C : (z − α)(z − α) = s2}.

Começamos por supor que C1 não passa pela origem e que α = 0. Então,

z ∈ C1 ⇔ (z − α)(z − α) = s2

⇔( 1

α− 1

z

)( 1

α− 1

z

)=

s2

zzαα

⇔( 1

zz− s2

zzαα

)− 1

zα− 1

zα+

1

αα= 0

⇔1− s2

αα

zz− 1

zα− 1

zα+

1

αα= 0

⇔ 1

zz− 1

z(α− s2

α)− 1

z(α− s2

α)+

1

αα− s2= 0

⇔(1z− 1

α− s2

α

)(1z− 1

α− s2

α

)− 1

(α− s2

α)(α− s2

α)+

1

αα− s2= 0

⇔(r2z

− r2

α− s2

α

)(r2z

− r2

α− s2

α

)=

r4αα

(αα− s2)2− r4

αα− s2.

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Números Complexos em Geometria

Assim, pondo w = r2

z= IC(z), temos que z ∈ C1 se, e só se,

(w − β)(w − β) = R2

comβ =

r2

α− s2

α

, R2 =s2r4

(αα− s2)2.

Assim, no caso em que C1 não passa pela origem e α = 0, IC(C1) é uma circunfe-rência de centro em β e raio R.

No caso em que C1 não passa pela origem e α = 0, temos

z ∈ C1 ⇔ zz = s2 ⇔ 1

zz=

1

s2⇔ r2

z

r2

z=

r4

s2.

Pondo w = r2

z= IC(z), temos que z ∈ C1 se, e só se,

ww =r4

s2.

Ou seja, IC(C1) é uma circunferência de centro na origem e raio r2

s.

Daqui concluímos que uma inversão transforma uma circunferência que nãopassa pelo centro de inversão numa circunferência que não passa pelo centrode inversão.

Supomos agora que C1 passa pela origem (necessariamente, α = 0 e s2 = αα).Então,

z ∈ C1 \ {P} ⇔ (z − α)(z − α) = s2

⇔( 1

α− 1

z

)( 1

α− 1

z

)=

1

zz

⇔ − 1

zα− 1

zα+

1

αα= 0 ⇔ α

r2

z+ α

r2

z= r2.

Mais uma vez, pondo w = r2

z= IC(z), temos que z ∈ C1 \ {P} se e só se

αw + αw = r2,

que é a equação de uma reta que não passa pela origem.

Finalmente, seja R uma reta que passa pela origem, cuja equação será neces-sariamente da forma

αz + αz = 0.

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Números Complexos em Geometria

Temos,

z ∈ R \ {P} ⇔ αz + αz = 0 ⇔ αr2

z+ α

r2

z= 0.

Logo, IC(R \ {P}) = R \ {P}.

Observe-se que, se C é uma circunferência de centro z0 (não necessariamente aorigem) e raio r e C1 tiver centro em α e raio s, então o centro de IC(C1) é dadopor

β =r2(α− z0)

|α− z0|2 − s2+ z0. (3.1)

Exemplo 12. Consideremos duas circunferências C e E que se intersetam emdois pontos distintos, A e B. Suponha-se que o centro P de C está sobre E.Como E passa pelo centro de C, C∗ = IC(E) é uma reta. Por outro lado, comoa inversão IC fixa os pontos que estão sobre C, temos IC(A) = A e IC(B) = B.Logo C∗ é a reta definida por A e B.

Proposição 27. Dadas duas circunferências distintas C1 e C2, temos:

1. se C1 e C2 não se intersetam, existe uma inversão que transforma C1 e C2em circuferências concêntricas;

2. se C1 e C2 intersetam-se, existe uma inversão que transforma C1 e C2 emretas;

Demonstração. Sem perda de generalidade, podemos supôr que C1 tem centroem α1 = 0 e raio s1 e C2 tem centro em α2 ∈ R e raio s2. Queremos encontraruma circunferência C de centro em x e raio r de modo a que IC(C1) e IC(C2)sejam concêntricas. Obviamente, x também terá que estar sobre o eixo real.Assim, tendo em conta (3.1), temos de resolver a equação

x

x2 − s21=

x− α2

(x− α2)2 − s22,

que é equivalente à equação de segundo grau

α2x2 + x(s22 − s21 − α2

2) + α2s21 = 0.

Logo

x =s21 − s22 + α2

2 ±√(s21 − s22 + α2

2)2 − 4s21α

22

2α2

. (3.2)

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Números Complexos em Geometria

Daqui concluimos que, se

(s21 − s22 + α22)

2 − 4s21α22 > 0, (3.3)

então a equação tem solução. Mas a condição (3.3) é precisamente a condiçãopara que as duas circunferências não se intersetem. Logo, se este for o caso,a inversão em qualquer cinrcunferência de centro em x transforma C1 e C2 emcircuferências concêntricas.Se C1 e C2 intersetam-se, podemos tomar uma circunferência C de centro numdos pontos de interseção e temos obviamente que a inversão IC transforma C1 eC2 em retas.

3.2 Teorema de Ptolomeu-Euler

Começamos com o seguinte lema, que nos diz como as inversões tranformamdistâncias.

Lema 3. Suponhamos que P ∗ e Q∗ são inversos dos pontos P e Q, respetiva-mente, em relação à circunferência C com o centro na origem O e raio r. Então,

|P ∗Q∗| = r2|PQ||OP ||OQ|

, |PQ| = r2|P ∗Q∗||OP ∗|OQ∗|

.

Demonstração. Por definição de inversão, temos

|OP ||OP ∗| = r2, |OQ||OQ∗| = r2.

Logo, dividindo as duas igualdades, temos

|OP ∗||OQ∗|

=|OQ||OP |

.

Pelo critério LAL de semelhança de triângulos, temos que△OP ∗Q∗ e△OQP sãosemelhantes.Assim,

|P ∗Q∗||QP |

=|OP ∗||OQ|

=r2

|OP ||OQ|.

Logo

|P ∗Q∗||OP ||OQ| = r2|QP | ⇔ |P ∗Q∗| = r2|QP ||OP ||OQ|

.

A segunda igualdade resulta da primeira pelo facto da inversão ser uma involu-ção.

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Números Complexos em Geometria

Figura 3.1: △OP ∗Q∗ ∼ △OQP .

Teorema 1 (Teorema de Ptolomeu-Euler). Para quatro pontos arbitrários A, B,C e D, vale a igualdade

|AB||CD|+ |BC||DA| ≥ |AC||BD|

se, e só se, A, B, C e D, forem cocíclicos (estão sobre uma mesma circunfe-rência).

Demonstração. Consideremos uma inversão tendo D como o centro. Pela desi-gualdade triangular, temos que

|A∗B∗|+ |B∗C∗| ≥ |A∗C∗|, (3.4)

e vale a igualdade se, e só se, A∗, B∗ e C∗ forem colineares. Observe-se que,para que A∗, B∗ e C∗ sejam colineares, é necessário e suficiente que a circun-ferência circunscrita a A, B e C passe também por D, o centro de inversão,tendo em conta a Proposição 26Pelo lema anterior, em termos de A, B, C e D, a condição (3.4) é equivalentea

r2|AB||AD||BD|

+r2|BC|

|BD||CD|≥ r2|AC|

|AD||CD|

Ou seja,|AB||CD|+ |BC||DA| ≥ |AC||BD|

e, pelo que observámos, a igualdade vale se e só se A, B, C e D são cocíclicos.

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Números Complexos em Geometria

3.3 Problemas com inversões

Problema 10. Considere um triângulo △ABC, e seja C uma circunferência porA e B, e seja D outra circunferência por A e C, que se intersetam perpendi-cularmente. Qual é o lugar geométrico do outro ponto X de intersecção de Ccom D?

Figura 3.2: Representação do Problema 10.

Resolução. Vamos considerar uma inversão relativamente a uma circunferênciaE com centro em A. Por meio desta inversão: a circunferência C é transformadana reta C∗ definida pelos pontos de interseção de C e E; a circunferência D étransformada na reta D∗ definida pelos pontos de interseção de D e E.

Figura 3.3: Ação de IE sobre a figura 3.2.

Como consequência do teorema do arco capaz, sabemos que o lugar geométricodos pontos X∗ (os inversos de X) tais que ∠C∗X∗B∗ é um ângulo de 90º é acircunferência F de diâmetro B∗C∗. Assim, se o ângulo ∠C∗AB∗ não for reto(isto é, A /∈ F), o lugar geométrico dos pontos X = IE(X) é a circunferência

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Números Complexos em Geometria

IE(F), que passa por C e B. Se o ângulo ∠C∗AB∗ for reto (isto é, A ∈ F), olugar geométrico dos pontos X = IE(X

∗) é a reta IE(F), que passa por C e B.

Problema 11. Seja C uma circunferência no interior da circunferência D. Cons-trua-se uma sequência de circunferências de acordo com o seguinte procedi-mento: C1 é uma circunferência simultaneamente tangente a C e D, não con-tendo C; C2 uma circunferência simultaneamente tangente a C, D e C1, nãocontendo nenhuma das circunferências anteriores; C3 uma circunferência simul-taneamente tangente a C, D e C2, não contendo nenhuma das circunferênciasanteriores; e assim sucessivamente. Provar que o menor número n para o qualCn interseta C1 e o facto do anel de circunferências ser fechado (isto é, Cn étangente a C1) não dependem da circunferência C1 de partida considerada.

Figura 3.4: Um anel fechado com n = 8.

Resolução. Basta aplicar uma inversão de modo a que C∗ e D∗ sejam concêntri-cas, situação em que o resultado é trivial.

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Números Complexos em Geometria

Bibliografia

[1] P. V. Araújo, Curso de Geometria. Gradiva. 1998.

[2] L. Barreira, Análise Complexa e Equações Diferenciais. IST Press, pg. 5–13,setembro 2009.

[3] P. M. Girão, Introdução à Análise Complexa, Séries de Fourier e EquaçõesDiferenciais. IST Press. pg. 5–10, julho 2014.

[4] Lang-shin Hahn, Complex numbers and Geometry, The Mathematical Asso-ciation of America, 1994.

[5] J. Sebastião, Compêndio de Matemática, Volume 1. GEP, pg. 59–73, marçode 1975.

[6] J. Sebastião, Compêndio de Matemática, Volume 2. GEP, pg.142–143, ou-tubro de 1975.

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