construcao dos numeros´ reais - mat.unb.br · se¸c˜ao 1. sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1...

31
Universidade de Bras´ ılia Departamento de Matem´ atica Constru¸ ao dos N´ umeros Reais elio W. Manzi Alvarenga

Upload: trinhhanh

Post on 20-Dec-2018

224 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

1

Universidade de BrasıliaDepartamento de Matematica

Construcao dos Numeros Reais

Celio W. Manzi Alvarenga

Page 2: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Sumario

1 Sequencias de numeros racionais 1

2 Pares de Cauchy 2

3 Um problema 4

4 Comparacao de pares de Cauchy 9

5 Adicao de pares de Cauchy 11

6 Multiplicacao de pares de Cauchy 12

7 Os numeros reais 147.1 Adicao de numeros reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157.2 Multiplicacao de numeros reais . . . . . . . . . . . . . . . . . 177.3 Os numeros reais e os numeros racionais . . . . . . . . . . . . 197.4 Interpretacao geometrica dos numeros reais . . . . . . . . . . . 207.5 Supremo e ınfimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Page 3: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 1. Sequencias de numeros racionais 1

1 Sequencias de numeros racionais

Sejam N o conjunto dos numeros naturais e Q o conjunto dos numerosracionais.

Uma funcao s : N → Q e chamada uma sequencia de numeros racionais.

Como exemplo, seja s : N → Q tal que para todo numero natural n,

s(n) =n

1 + n. Assim, s(0) = 0, s(1) = 1/2, s(2) = 2/3 , etc.

Seja s : N → Q uma sequencia de numeros racionais. Entao quando ne um numero natural, s(n) e um certo numero racional que tambem quetambem costuma ser indicado com esta notacao sn. Isto e, s(n) = sn e sn echamado o n-esimo termo da sequencia s.

E claro que sabendo quais sao todos os sn nos conhecemos completamentea nossa sequencia s. Por essa razao uma sequencia s : N → Q costuma serindicada com a notacao {sn |n ∈ N}, ou {sn}n∈N, ou simplesmente sn quandonao ha perigo de confusao.

Exemplo 1. Consideremos a sequencia f : N → Q tal que para todo numeronatural n, fn e a maior fracao que tem denominador 10n e nao ultrapassa1/3 . Desse modo, f0 = 0; f1 = 0, 3; f2 = 0, 33; etc.

Uma sequencia de numeros racionais sn e dita limitada quando existemdois numeros racionais p, q tais que para todo n ∈ N:

p 6 sn 6 q

A sequencia1

1 + ne limitada pois para todo numero n,

0 61

1 + n6 1

A sequencia n2 nao e limitada.

Uma sequencia an e dita crescente se, para todo numero natural j :

aj 6 aj+1

Como exemplo seja a : N → Q tal que para todo n, an e a maior fracaoque tem denominador 10n e nao ultrapassa 5/7 . O leitor pode mostrar que{an} e de fato crescente e tambem limitada, pois para todo n, 0 6 an < 5/7.

A sequencia bn e chamada decrescente se, para todo numero natural j :

Page 4: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 2. Pares de Cauchy 2

bj +1 6 bj

Por exemplo, seja {bn} a sequencia tal que para todo n, bn e a menorfracao que tem denominador 8n e e maior do que 1/3 . O leitor pode mostrarque {bn} e decrescente, e limitada, pois para todo numero naturaln, 1/3 < bn 6 1. Neste exemplo e facil ver que b0 = 1 ; b1 = 3/8 ;b2 = 22/82 ; b3 = 171/83 ; etc.

Exercıcios 2.

1) Mostre que a sequencia

{n

n + 1

∣∣∣ n ∈ N}

e crescente e limitada.

2) Mostre que a sequencia

{n + 2

n + 1

∣∣∣ n ∈ N}

e decrescente e limitada.

3) Para cada numero natural n, seja an a maior fracao que tem denomi-nador 7n e nao ultrapassa 3/8 , isto e an 6 3/8 < an + 1/7n . Mostre que{an} e uma sequencia crescente e limitada. (Sugestao: seja an = cn/7

n paratodo n ∈ N. Mostre que cn 6 7cn 6 cn+1 , e portanto an 6 an+1).

2 Pares de Cauchy

Ja encontramos em nossos estudos de Matematica problemas dos seguin-tes tipos:

1) Dado o numero natural n, achar as duas fracoes de denominador 10n,an e bn tais que

an <5

7;

5

7< bn e bn − an =

1

10n

2) Dado o numero natural m, achar as duas fracoes positivas cm e dm, dodenominador 10m tais que

c2m < 2 ; 2 < d 2

m e dm − cm =1

10m

etc.

No primeiro problema acima, quando o numero natural n vai “percor-rendo” o conjunto dos numeros naturais, as solucoes an formam uma se-quencia crescente {an} e as solucoes bn formam uma sequencia decrescente{bn}. E claro tambem que os termos an e bn, de mesmo ındice, vao ficandocada vez mais proximos a media em que o ındice n cresce, pois a diferencabn − an = 1/10n vai ficando pequena.

Page 5: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 2. Pares de Cauchy 3

O segundo problema acima tambem exibe um fenomeno parecido.

Os dois exemplos citados acima e muitos outros (que nao daremos agoramas encontraremos mais tarde) sugerem que examinemos com atencao estenovo tipo de “objeto matematico”: um par de sequencias de numeros raci-onais {an, bn} tais que {an} e crescente, {bn} e decrescente an 6 bn paratodo numero natural n e a diferenca bn − an vai se “aproximando de zero” amedida em que o ındice n cresce. Nao exigiremos, entretanto, que an ou bn

seja fracao de denominador 10n.

Esse novo tipo de objeto matematico, o nosso par de sequencias {an, bn}nas condicoes acima, nos chamaremos de par de Cauchy e iremos estudar naproxima secao.

Definicao 3. Dizemos que duas sequencias an e bn de numeros racionaisformam nessa ordem o par de Cauchy {an, bn} se as seguintes condicoesestao verificadas:

1) an e crescente, bn e decrescente;

2) Para todo n ∈ N : an 6 bn;

3) Dado qualquer numero racional ε > 0 existe um numero natural n0 talque para todo n > n0:

bn − an < ε

Exemplos 4.1) Seja r um numero racional. Para todo numero natural n,

seja an = bn = r. E facil ver que as tres condicoes acima estao satisfeitas eportanto {an, bn} e um par de Cauchy.

2) Para todo n ∈ N sejam an = − 1

n + 1e bn =

1

n + 1. E facil mostrar

que {an, bn} e um par de Cauchy.

Exercıcios 5.1) Seja {an, bn} um par de Cauchy. Mostre que {−bn, −an} e um par de

Cauchy.

2) Seja {cn, dn} um par de Cauchy tal que para todo n ∈ N, cn > 0.Mostre que {1/dn, 1/cn} e um par de Cauchy. (Sugestao: para verificara condicao (3) da definicao de par de Cauchy, observe que1

cn

− 1

dn

=dn − cn

cndn

6dn − cn

c20

).

3) Seja {en, fn} um par de Cauchy tal que para todo n ∈ N, fn < 0.Mostre que {1/fn, 1/en} e um par de Cauchy.

Page 6: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 3. Um problema 4

4) Sejam {an, bn}, {cn, dn} dois pares de Cauchy tais que para todo n ∈N, an > 0 e cn > 0. Mostre que {ancn, bndn} e um par de Cauchy (Sugestao:para verificar a condicao (3) da definicao de par de Cauchy, observe que

bndn − ancn = bndn − andn + andn − ancn

portanto

bndn − ancn 6 dn (bn − an) + an (dn − cn) 6 d0 (bn − an) + b0 (dn − cn))

5) Sejam {an, bn}, {cn, dn} dois pares de Cauchy. Mostre que{an + cn, bn + dn} e um par de Cauchy.

6) Sejam {an, bn} um par de Cauchy e n0 um numero natural. Defina assequencias a′n . b ′

n do seguinte modo:

b ′n = bn0 , a′n = an0 para n 6 n0

b ′n = bn, a′n = an para n > n0

Mostre que {a′n, b ′n} e um par de Cauchy

3 Um problema

Dado um par de Cauchy {an, bn}, vamos supor que exista um numeroracional r tal que para todo n ∈ N:

an 6 r 6 bn

Queremos saber se e possıvel existir um outro numero racional s, diferentede r, tal que para todo n ∈ N:

an 6 s 6 bn

Vamos mostrar que nao.

Se existisse um tal numero s, diferente de r, entao ou s > r ou s < r.

Vamos verificar que s nao pode ser maior do que r.

De fato, se s > r entao s − r > 0. De acordo com a condicao 3) dadefinicao de par de Cauchy, podemos tomar ε = s− r (veja pagina 3) e entaoexiste um numero natural n0 tal que para todo n > n0 acontece isto:

0 6 bn − an < ε

Page 7: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 3. Um problema 5

isto e (pois ε = s− r):bn − an < s− r

Logobn + r < s + an

Mas estamos supondo que an 6 s 6 bn para todo n ∈ N. Entao

bn + r < s + an 6 bn + an

e portantobn + r < bn + an

isto e,r < an

Isso e absurdo pois por hipotese an 6 r 6 bn para todo n.

A demonstracao de que s nao pode ser menor do que r e analoga aanterior, como o leitor pode observar.

Conclusao 6. Dado um par de Cauchy {an, bn}, se existir um numero ra-cional r tal que para todo n ∈ N acontece isto:

an 6 r 6 bn

entao r e o unico numero racional que esta assim relacionado com o par deCauchy {an, bn}. Por essa razao podemos introduzir a seguinte definicao.

Definicao 7. Dados o par de Cauchy {an, bn} e o numero racional r, nosdizemos que {an, bn} determina r se para todo n ∈ N acontece isto:

an 6 r 6 bn

O leitor a esta altura pode fazer a seguinte pergunta: dado um par deCauchy {cn, dn} sempre existe um numero racional s tal que {cn, dn} de-termina s no sentido da Definicao 7 acima?

A resposta a essa pergunta e: nem sempre.

E claro que o par de Cauchy

{2 +

−1

n + 1, 2 +

1

n + 1

}determina o nu-

mero 2, pois para todo n ∈ N:

2 +−1

n + 16 2 6 2 +

1

n + 1

Vamos agora dar exemplo de um par de Cauchy {an, bn} que nao deter-mina nenhum numero racional. As sequencias an e bn do par {an, bn} saodefinidas do seguinte modo: Para cada n ∈ N:

Page 8: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 3. Um problema 6

• an e a maior fracao de denominador 10n tal que a2n 6 2;

• bn e a menor fracao positiva do denominador 10n tal que b2n > 2.

E claro que para todo n bn − an = 1/10n . Logo, dado ε > 0, existe n0

tal que, para n > n0, 1/10n < ε, isto e, |bn − an| < ε. O leitor pode verificarque an e crescente e bn e decrescente. E claro que para todo n, an 6 bn. Logo{an, bn} e de fato um par de Cauchy.

Vamos entao verificar que nao existe nenhum numero racional tal que,para todo n ∈ N:

an 6 h 6 bn

De fato, se um tal numero racional h existisse deveria acontecer um destestres casos:

1 -o) h2 = 2;

2 -o) h2 < 2;

3 -o) h2 > 2.

Vamos mostrar que nenhum desses casos e possıvel.

1 -o) Nao existe nenhum numero racional h tal que h2 = 2. De fato, seexiste um tal h poderıamos escreve-lo h = p/q, onde p e q sao numerosnaturais primos entre si e q 6= 0. Entao viria: p2/q2 = 2 ∴ p2 = 2 q2.Logo p2 e par. Portanto p e par. Entao p2 e multiplo de 4 e como p2 = 2 q2

concluımos que q2 e multiplo de 2. Isso contraria o fato de que p e q saoprimos entre si e um particular nao podem ser ambos pares.

2 -o) Vamos mostrar que h2 < 2 tambem nao e possıvel:

Como bn = (bn − h) + h, entao [(bn − h) + h]2 = b2n > 2 (Por definicao de

bn, b2n > 2). Logo

(bn − h)2 + 2 h (bn − h) + h2 > 2

Como para todo n ∈ N, bn − an = 1/10n e an 6 h 6 bn, entao

0 < bn − h 6 bn − an

isto e,

0 < bn − h 61

10n

Page 9: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 3. Um problema 7

e entao temos

2 (bn − h) h 62h

10n

(bn − h)2 61

102n

Portanto

1

102n+

2h

10n+ h2 > (bn − h)2 + 2(bn − h)h + h2

(1)

= [(bn − h) + h]2 = b2n > 2

Dado o nosso numero racional positivo h, existe um numero natural n0

tal que

10n0 >1

hLogo, para todo n > n0, podemos escrever:

10n > 10n0 >1

h, isto e,

10n >1

h

ou

h >1

10n

e entao concluımos que para todo n > n0:

1

10nh >

1

10n· 1

10n=

1

102n

e assim, de acordo com o resultado (1) , obtemos:

1

10nh +

2

10nh + h2 >

1

102n+

2

10nh + h2 > 2

isto e,

3h

10n+ h2 > 2 (2)

para todo n > n0, n ∈ N.

Podemos concluir de (2) que

3h

10n> 2− h2

Page 10: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 3. Um problema 8

ou, visto ser 2− h2 > 0 :

3h

2− h2> 10n (3)

qualquer que seja n > n0.

Ora, (3) e absurdo pois dado o numero racional3h

2− h2> 0 sempre existe

um numero natural n maior do que n0 tal que

3h

2− h2< 10n

Esta pois mostrado que h2 nao pode ser menor do que 2.

3 -o) Deixamos a cargo do leitor mostrar que o terceiro caso, isto e, h2 > 2,tambem nao pode ocorrer (Sugestao: observe que an = (an − h) + h, a2

n < 2e mostre que a hipotese h2 > 2 conduz a absurdo).

Uma observacao final : acabamos de ver que dado um par de Cauchyarbitrario {an, bn} nem sempre podemos garantir a existencia de um numeroracional r que tenha a seguinte propriedade:

an 6 r 6 bn, ∀ n ∈ N

Sabemos tambem que quando um tal numero r existe, entao nao e possıvelexistir um outro numero s racional, diferente de r e que tambem satisfaca ascondicoes

an 6 s 6 bn

para todo n ∈ N. E essa a razao pela qual, quando an 6 r 6 bn para todon ∈ N, podemos dizer que o par de Cauchy {an, bn} determina o numeroracional r. Nesse caso seria facil obtermos um outro par de Cauchy, diferentede {an, bn} e que tambem determina o mesmo numero r. Com efeito, esuficiente tomarmos

a′n = an −1

n + 1

b ′n = bn +

1

n + 1

para todo n ∈ N. E claro que a′n 6= an, b ′n 6= bn e a′n 6 an 6 r 6 bn 6 b ′

n,isto e, a′n 6 r 6 b ′

n. O leitor pode verificar que {a′n, b ′n} e um par de Cauchy

e como a′n 6 r 6 b ′n, entao {a′n, b ′

n} determina o numero r.

Moral da historia : um par de Cauchy pode determinar no maximo umnumero racional. Mas um numero racional pode ser determinado por muitospares de Cauchy diferentes.

Page 11: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 4. Comparacao de pares de Cauchy 9

4 Comparacao de pares de Cauchy

Definicao 8. Dados dois pares de Cauchy {an, bn} e {cn, dn} nos dizemosque {an, bn} e estritamente menor do que {cn, dn}, e escrevemos {an, bn}< {cn, dn}, se existir algum ındice n0 ∈ N tal que

bn0 < cn0

Geometricamente a definicao acima significa isto: para n > n0 :

an0

an bn

bn0cn0

cn dn

dn0

−→

1

Definicao 9. Dado dois pares de Cauchy {an, bn} e {cn, dn}, quando{an, bn} < {cn, dn} nos dizemos que {cn, dn} e estritamente maior do que{an, bn} e escrevemos {cn, dn} > {an, bn}.

Observacao 10. Consideremos os dois pares de Cauchy {an, bn} e {cn, dn}tais que para todo n ∈ N, an = bn = 1 e cn = 1− 1

n + 1, dn = 1 +

1

n + 1.

E facil ver que {an, bn} nao e nem estritamente maior nem estritamentemenor do que {cn, dn}. O leitor observa que tanto {an, bn} como {cn, dn}determinam o mesmo numero racional 1.

Problema 11. Dados dois pares de Cauchy {an, bn}, {cn, dn}, suponhamosque existe um numero racional r tal que an 6 r 6 bn para todo n ∈ N (istoe, {an, bn} determina o numero r). Suponhamos ainda que {an, bn} nao enem estritamente maior nem estritamente menor do que {cn, dn}. Mostrarque {cn, dn} entao determina o mesmo numero racional r.

Solucao. Como {an, bn} nao e estritamente menor do que {cn, dn} po-demos afirmar que para todo n ∈ N :

cn 6 bn (4)

Como {an, bn} nao e estritamente maior do que {cn, dn}, concluımos quepara todo n ∈ N:

an 6 dn

Para provarmos que {cn, dn} determina r precisamos mostrar que paratodo n ∈ N temos: cn 6 r 6 dn.

Page 12: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 4. Comparacao de pares de Cauchy 10

Ora, se a afirmacao:

“Para todo n ∈ N, cn 6 r 6 dn”

fosse falsa, entao deveria existir um numero natural n0 tal que um dessesdois casos seguintes aconteceria:

1 -o) r < cn0 ;

2 -o) dn0 < r.

Vamos mostrar que (1 -o) nao pode ocorrer. De fato, se r < cn0 , entaocn0 − r > 0 e para todo n > n0, cn − r > cn0 − r > 0. Tomemos o numeroracional positivo cn0 − r. Como {an, bn} e um par de Cauchy, existe n1 > n0

tal que para todo n > n1 acontece isto:

bn − an < cn0 − r

Entao para todo n > n1 temos

bn − an < cn − r

pois cn0 − r 6 cn − r e bn − an < cn0 − r para n > n1. Entao concluımosque para n > n1 :

bn − cn < an − r (5)

Mas em virtude do resultado (4) concluımos que bn − cn > 0 e portanto oresultado (5) acima implica que

an − r > 0 para todo n > n1.

Isso contraria a hipotese de ser an 6 r para todo n ∈ N.

Deixamos a cargo do leitor mostrar que nao podemos ter dn0 < r paranenhum n0 ∈ N.

Assim fica demonstrado que se {an, bn} determina o numero racional r e{cn, dn} e um par de Cauchy que nao e nem estritamente maior nem estri-tamente menor do que {an, bn}, entao {cn, dn} determina o mesmo numeroracional r. M

O resultado acima serve de motivacao para a seguinte definicao:

Definicao 12. Dados dois pares de Cauchy {an, bn} e {cn, dn}, dizemosque {an, bn} e equivalente a {cn, dn} e escrevemos {an, bn} ∼ {cn, dn}se {an, bn} nao e nem estritamente maior nem estritamente menor que{cn, dn}.

Page 13: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 5. Adicao de pares de Cauchy 11

Deixamos a cargo do leitor mostrar as seguintes propriedades da relacao∼ introduzida acima. Para facilitar a escrita usaremos letras gregas paraindicar pares de Cauchy.

I) α ∼ α para todo par de Cauchy α;

II) α ∼ β =⇒ β ∼ α;

III) Se α ∼ β e β ∼ γ, entao α ∼ γ;

IV) Se α ∼ α ′, β ∼ β′ e α > β, entao α ′ > β′.

Sugestao: para demonstrar a propriedade III, suponha que ela nao sejaverdadeira e mostre que isso conduz a absurdo. Tome α = {an, bn},β = {cn, dn}, γ = {en, fn}. Entao se α nao e equivalente a γ, entao ou α > γou γ > α. Mostre que nenhum desses casos pode ocorrer.

Exercıcios 13.1) Sejam {an, bn} e {cn, dn} dois pares de Cauchy. Mostre que

{an, bn} ∼ {cn, dn} se e so se para todo n, an 6 dn e cn 6 bn.

2) Sejam r, s numeros racionais e {an, bn} um par de Cauchy que de-termina r, e {cn, dn} um par de Cauchy que determina s. Mostre que{an + cn, bn + dn} e um par de Cauchy que determina r + s.

3) Sejam r, s numeros racionais positivos, {an, bn} um par de Cauchy quedetermina r e {cn, dn} um par de Cauchy que determina s. Suponhamosque para todo n ∈ N, an > 0 e cn > 0. Mostre que {ancn, bndn} e um parde Cauchy que determina r . s e {1/bn, 1/an} e um par de Cauchy quedetermina 1/r.

4) Seja m um numero natural e {an, bn} um par de Cauchy. Considereas sequencias a′n, b ′

n definidas do seguinte modo:

b ′n = bm e a′n = am para n 6 m

b ′n = bn e a′n = an para n > m

Mostre que {a′n, b ′n} e um par de Cauchy equivalente a {an, bn}.

5 Adicao de pares de Cauchy

Dados dois pares de Cauchy α = {an, bn} e β = {cn, dn}, podemosformar o par de Cauchy {an + cn, bn + dn}, que chamaremos de soma dospares de Cauchy α e β e escreveremos:

{an, bn} + {cn, dn} = {an + cn, bn + dn}

Page 14: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 6. Multiplicacao de pares de Cauchy 12

Vamos indicar com O o par de Cauchy {en, fn} tal que en = fn = 0 paratodo n ∈ N. Dado o par de Cauchy α = {an, bn}, podemos formar o par deCauchy −α = {−bn,−an}, que chamaremos de simetrico de α.

O leitor pode verificar que sao validas as seguintes propriedades, onde asletras gregas indicam pares de Cauchy:

1) α ∼ α ′ e β ∼ β′ =⇒ α + β ∼ α ′ + β′;

2) α ∼ α ′ =⇒ −α ∼ −α ′;

3) α+ O = α;

4) α+(−α) ∼ O (Observe que nao temos igualdade, e sim equivalencia);

5) α + β = β + α;

6) (α + β) + γ = α + (β + γ);

7) α > β =⇒ α + γ > β + γ para todo par de Cauchy γ.

6 Multiplicacao de pares de Cauchy

Ja sabemos que quando {an, bn} e {cn, dn} sao pares de Cauchy taisque para todo n ∈ N an > 0 e cn > 0, entao {ancn, bndn} tambem eum par de Cauchy. Se alem disso {an, bn} determinar o numero racionalpositivo r e {cn, dn} determinar o numero racional positivo s, entao e facilmostrar que {ancn, bndn} determina o numero r . s. Em vista disso e naturalque coloquemos a seguinte definicao:

Definicao 14. Se α = {an, bn} e β = {cn, dn} sao pares de Cauchy taisque para todo n ∈ N, an > 0 e cn > 0 entao chamamos de produto de αpor β o par de Cauchy {ancn, bndn} e escrevemos:

{an, bn} × {cn, dn} = {ancn, bndn}

Antes de prosseguirmos, vamos resolver o seguinte exercıcio:

Exercıcio 15. Seja {an, bn} um par de Cauchy estritamente maior que opar de Cauchy 0 (veja pagina 12). Entao existe um par de Cauchy {a′n, b ′

n}tal que {an, bn} ∼ {a′n, b ′

n} e a′n > 0 para todo n ∈ N.

Solucao. Como {an, bn} > 0, entao existe um ındice n0 ∈ N tal quean0 > 0. Para todo n > n0 teremos an > 0. Consideremos as seguintessequencias a′n, b ′

n:

Page 15: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 6. Multiplicacao de pares de Cauchy 13

b ′n = bn0 e a′n = an0 para n 6 n0

b ′n = bn e a′n = an para n > n0

O leitor pode verificar que {a′n, b ′n} e um par de Cauchy equivalente a

{an, bn} e tal que para todo n ∈ N, a′n > 0. M

Vamos escolher, no exemplo acima, o ındice n0 de tal modo que an0 seja oprimeiro termo maior do que zero na sequencia an (isto e, an0 > 0 e aj 6 0para j < n0). Diremos entao que {a′n, b ′

n} e o par de Cauchy associado a{an, bn}.

Definicao 16. Sejam {an, bn}, {cn, dn} pares de Cauchy estritamente mai-ores do que 0. Seja {a′n, b ′

n} o par associado a {an, bn} e {c ′n, d ′

n} o parassociado a {cn, dn}. (Sabemos entao que a′n > 0 e c ′

n > 0 para todo n e{an, bn} ∼ {a′n, b ′

n}, {cn, dn} × {c ′n, d ′

n}, colocamos por definicao:

{an, bn} × {cn, dn} = {a′nc ′n, b ′

nd′n})

Exercıcios 17. As letras gregas indicam pares de Cauchy estritamente mai-ores do que 0. Mostre que:

1) α× β = β × α

2) (α× β)× γ = α× (β × γ)

3) α ∼ α ′, β ∼ β′ =⇒ α× β ∼ α ′ × β′

4) Seja 1 o par de Cauchy {en, fn} tal que en = fn = 1 para todo n. Sejaα um par de Cauchy estritamente positivo. Verifique que

α× 1 ∼ α

5) Seja α = {an, bn} um par de Cauchy tal que an > 0 para todo n, econsideremos o par de Cauchy α−1 = { 1/ bn , 1/an}. Mostre queα × α−1 ∼ 1. O par α−1 e chamado o inverso de α.

6) Sejam α e β dois pares de Cauchy estritamente maiores do que 0 eseja α ′ o par de Cauchy associado a α, e β′ o par de Cauchy associado a β.Mostre que

α ∼ β =⇒ (α ′)−1 ∼ (β′)−1

(isto e, se dois pares de Cauchy estritamente maiores do que 0 sao equiva-lentes, entao os inversos de seus respectivos associados tambem sao equiva-lentes).

Page 16: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Os numeros reais 14

7 Os numeros reais

Seja Q o conjunto dos numeros racionais. Sabemos que Q×Q e o conjuntodos pares ordenados de numeros racionais, isto e:

Q×Q = {(a, b) | a ∈ Q e b ∈ Q}

Ora, as funcoes f : N → Q × Q formam um conjunto que podemoschamar de A.

Que e um elemento de A? Um elemento de A e umafuncao f : N → Q × Q que pode ser pensada como um par de sequenciasde numeros racionais {an, bn}. Em particular um par de Cauchy pertence aA, isto e, os pares de Cauchy formam um subconjunto de A. Seja entao ∆ oconjunto dos pares de Cauchy e ja sabemos que ∆ ⊂ A.

Dado um par de Cauchy α, vamos junta num conjunto α∗ todos os paresde Cauchy equivalentes a α. Isto e,

α∗ = {α ′ ∈ ∆ |α ′ ∼ α}

Diremos que α∗ e o numero real determinado pelo par de Cauchy α. O parde Cauchy α e entao chamado um representante do numero real α∗.

Vamos mostrar que dois pares de Cauchy equivalentes determinam omesmo numero real, isto e:

Proposicao 18. α ∼ β =⇒ α∗ = β∗.

Demonstracao. Como α∗ e β∗ sao subconjuntos de ∆, para provarmosque α∗ = β∗ temos que mostrar que α∗ ⊂ β∗ e β∗ ⊂ α∗.

Por definicao temos:

α∗ = {α ′ ∈ ∆ |α ′ ∼ α}β∗ = {β′ ∈ ∆ | β′ ∼ β}

e por hipotese sabemos que α ∼ β. Entao β ∈ α∗, pois β ∼ α. Dado β′ ∈ β∗,temos β′ ∼ β e como β ∼ α, temos β′ ∼ α, isto e β′ ∈ α∗. Portanto todoelemento de β∗ e tambem elemento de α∗, isto e β∗ ⊂ α∗. De modo analogopodemos mostrar que α∗ ⊂ β∗ e assim fica provado que

α ∼ β =⇒ α∗ = β∗ �

Vamos chamar de R o conjunto de todos os numeros reais.

Page 17: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Adicao de numeros reais 15

Definicao 19. Sejam α∗ e β∗ dois numeros reais. Dizemos que α∗ e estri-tamente maior do que β∗ e escrevemos α∗ > β∗ se para todo α ′ ∈ α∗ e todoβ′ ∈ β∗ acontece isto: α ′ > β′ (isto e, o par de Cauchy α ′ e estritamentemaior que o par de Cauchy β′).

O leitor pode verificar que e valido o seguinte resultado:

Proposicao 20. Dados dois numeros reais α∗ e β∗ entao acontece um e umso dos seguintes casos:

1 -o) α∗ = β∗ ;

2 -o) α∗ > β∗ ;

3 -o) β∗ > α∗.

Exercıcio 21. Sejam α, β dois pares de Cauchy tais que α > β. Mostreque α∗ > β∗, isto e, se α ′ ∈ β∗ e β′ ∈ β∗ entao α ′ > β′.

7.1 Adicao de numeros reais

Sejam α∗, β∗ dois numeros reais. Seja α ′ ∈ β∗ um representante de α∗,e β′ ∈ β∗ um representante de β∗, como α ′ e β′ sao pares de Cauchy nospodemos formar o par de Cauchy α ′ + β′, e depois tomamos o numero realdeterminado por α ′ + β′. Com essas notacoes:

Definicao 22. α∗ + β∗ = (α ′ + β′ )∗

Observacao 23. A soma de dois numeros reais esta bem definida, poisse em lugar de α ′ ∈ α∗ tivessemos tomado α ′′ ∈ α∗ e em lugar deβ′ ∈ β∗ escolhessemos β′′ ∈ β∗, terıamos (conforme exercıcio da pagina12): α ′ + β′ ∼ α ′′ + β′′ como dois pares de Cauchy equivalentes determinamo mesmo numero real (veja Proposicao 18). Temos:

(α ′ + β′ )∗ = (α ′′ + β′′)∗

Observacao 24. A razao pela qual passamos dos pares de Cauchy aosnumeros reais e que desse modo conseguimos substituir a relacao ∼ de equi-valencia entre pares de Cauchy pela relacao de igualdade entre numeros reais.Intuitivamente dois pares de Cauchy equivalentes {an, bn} e {a′n, b ′

n} taisque an 6= a′n ou bn 6= b ′

n nao devem apenas por causa dessa circunstanciaser considerados diferentes pois, sendo equivalentes, determinam o mesmo“numero”, conforme vimos em exemplos anteriores a proposito de numerosracionais. (Por exemplo, os pares de Cauchy {an, bn} e {a′n, b ′

n} tais quean = bn = 0 e a′n = −1/(n + 1), b ′

n = 1/(n + 1) determinam o numero 0).

Page 18: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Adicao de numeros reais 16

Proposicao 25. Sejam α∗, β∗ e γ∗ numeros reais. Entao:

α∗ > β∗ ⇒ α∗ + γ∗ > β∗ + γ∗

Demonstracao. exercıcio

Definicao 26. Seja r um numero racional e consideremos o par de Cauchyr = {an, bn} tal que para todo n natural, an = bn = r. O numero realdeterminado pelo par de Cauchy r sera escrito r∗.

Seja α∗ um numero real. Vamos mostrar que a equacao

α∗ + x∗ = 0

tem no maximo uma solucao.

De fato, suponhamos que x∗1 e x∗2 fossem dois numeros reais diferentese tais que

α∗ + x∗1 = 0∗

α∗ + x∗2 = 0∗

Como x∗1 6= x∗2, em virtude da Proposicao 20 podemos admitir por exemploque x∗1 > x∗2. Ora, a Proposicao 25 acima garante-nos que

x∗1 > x∗2 ⇒ x∗1 + α∗ > x∗2 + α∗

e assim vemos que se x∗1 +α = 0∗, entao 0∗ > x∗2 +α∗ isto e, x∗2 nao e solucaoda equacao dada. Portanto a equacao acima tem no maximo uma solucao.

O leitor pode verificar sem dificuldade que, se {an, bn} e um par de Cau-chy representante de α∗, entao o par de Cauchy {−bn, −an} tem a seguintepropriedade:

{an, bn} + {−bn, −an} ∼ 0

Desse modo, chamando de −α∗ o numero real determinado pelo par de Cau-chy {−bn, −an}, temos

α∗ + (−α∗) = 0∗

Fica pois mostrada a seguinte

Proposicao 27. Dado o numero real α∗, a equacao α∗ + x∗ = 0∗ temuma unica solucao. Essa solucao e indicada com a notacao −α∗. Isto e,α∗ + (−α∗) = 0∗.

A adicao de numeros reais tem propriedades semelhantes as da adicaode numeros racionais. Isto e, sendo α∗, β∗, γ∗ numeros reais o leitor podeverificar que sao validas as seguintes propriedades:

Page 19: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Multiplicacao de numeros reais 17

α∗ + β∗ = β∗ + α∗

(α∗ + β∗ ) + γ∗ = α∗ + (β∗ + γ∗ )

α∗ + 0∗ = α∗

Para todo α∗ real existe um numero real −α∗ tal que

α∗ + (−α∗) = 0∗

7.2 Multiplicacao de numeros reais

A pagina 12 tratamos da multiplicacao de dois pares de Cauchy estri-tamente maiores de que 0. Vamos agora usar os resultados la obtidos paradiscutirmos agora a multiplicacao de numeros reais.

Definicao 28. Sejam α∗ e β∗ dois numeros reais estritamente maiores doque 0∗. Sejam {an, bn} um par de Cauchy representante de α∗ e {cn, dn}um par de Cauchy representante de β∗. Entao esses dois pares de Cauchysao ambos estritamente maiores do que 0. De acordo com a definicao dadana pagina 12 podemos considerar o produto desses dois pares deCauchy {an, bn} · {cn, dn} que vamos chamar de γ. Entao, por definicao,α∗ · β∗ = γ∗.

Observacao 29. Suponhamos que {an, bn} e {a′n, b ′n} sejam dois pares de

Cauchy equivalentes que determinam o numero real estritamente maior doque 0∗, α∗. Sejam {cn, dn} e {c ′

n, d ′n} dois pares de Cauchy equivalentes que

determinam o numero real estritamente maior do que 0∗, β∗. Entao, conformeo exercıcio 3 da pagina 11, {an, bn} · {cn, dn} ∼ {a′n, b ′

n} · {c ′n, d ′

n}. Assimsendo, temos

({an, bn} · {cn, dn})∗ = ({a′n, b ′n} · {c ′

n, d ′n})∗

Isso mostra que quando α∗, β∗ sao dois numeros reais estritamente maiores doque 0∗, entao o produto α∗ · β∗ definido acima esta de fato bem definido e naodepende de como escolhemos um representante para α∗ e outro representantepara β∗ a fim de, a partir deles, determinarmos α∗ · β∗.

Para completarmos a definicao do produto de dois numeros reais, preci-samos tratar dos casos em que ao menos um dos fatores nao e um numeroreal estritamente maior do que 0∗.

Definicao 30. Seja α∗ um numero real qualquer. Entao colocamos:

α∗ · 0∗ = 0∗

Page 20: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Multiplicacao de numeros reais 18

Observacao 31. Suponhamos que α∗ seja um numero real estritamentemenor do que 0∗. Entao o leitor pode verificar que −α∗ e um numero realestritamente maior do que 0∗.

Definicao 32. Sejam α∗ e β∗ dois numeros reais tais que α∗ e estritamentemenor do que 0∗ e β∗ e estritamente maior do que 0∗. Entao colocamos

α∗ · β∗ = −((−α∗) · β∗ )

Definicao 33. Sejam α∗ e β∗ dois numeros reais estritamente menores doque 0∗. Entao colocamos

α∗ · β∗ = (−α∗) · (−β∗)

Observacao 34. Com as quatro definicoes estudadas acima, o produto dedois numeros reais fica definido em todos os casos possıveis. O leitor podeverificar que a multiplicacao de numeros reais tem propriedades semelhantesas da multiplicacao de numeros racionais:

1 -o) α∗ · β∗ = β∗ · α∗;

2 -o) (α∗ · β∗ ) · γ∗ = α∗ · (β∗ · γ∗);

3 -o) α∗ · (β∗ + γ∗) = α∗ · β∗ + α∗ · γ∗;

4 -o) α∗ · 0∗ = 0∗;

5 -o) α∗ · β∗ = 0∗ ⇐⇒ α∗ = 0∗ ou β∗ = 0∗;

6 -o) α∗ · 1∗ = α∗;

7 -o) Se α∗ < β∗ e γ∗ > 0∗ entao α∗ · γ∗ < β∗ · γ∗;

8 -o) Se α∗, β∗ sao numeros reais e α∗ 6= 0∗ entao existe um unico numeroreal γ∗ tal que

α∗ · γ∗ = β∗

Tal numero real γ∗ e indicado com a notacao γ∗ =β∗

α∗ .

Page 21: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Os numeros reais e os numeros racionais 19

7.3 Os numeros reais e os numeros racionais

Proposicao 35. Sejam α∗ um numero real e d um numero racional positivo.Entao existem numeros racionais r e s tais que r < s, s − r < d e r∗ <α∗ < s∗ (Para a definicao de r∗ veja a pagina 16).

Demonstracao. Dado o numero real α∗, seja {a′n, b ′n} um par de Cauchy

representante de α∗. E facil conseguirmos um outro par de Cauchy {an, bn},equivalente a {a′n, b ′

n}, tal que a sequencia an seja estritamente crescente (istoe, aj < aj +1 para j ∈ N) e bn seja estritamente decrescente (isto e, bj +1 < bj

para j ∈ N). Como {an, bn} e um par de Cauchy, dado o nosso numeroracional d > 0 existe n0 tal que para n > n0, acontece isto: bn − an < d. Emparticular, temos bn0 − an0 < d. Tomemos r = an0 e s = bn0 . Entao r < s,s− r < d, e como r < {an, bn} < s , entao

r∗ < α∗ < s �

Observacao 36. Na proposicao acima, se tivermos α∗ > 0∗ conseguimosum numero racional r tal que 0∗ < r∗ < α∗.

Exercıcios 37.

1) Sejam α∗, β∗ dois numeros reais tais que α∗ < β∗. Mostre que existeum numero racional q tal que α∗ < q∗ < β∗.

2) Sejam α∗, β∗ dois numeros reais estritamente positivos.Mostre queexiste um numero natural n tal que α∗ < n · β∗.

3) Mostre que nao existe nenhum numero racional h tal que h2 = 3.

4) Mostre que existe um numero real positivo α∗ tal que α∗2 = 3 (Su-gestao: de um par de Cauchy que represente o α∗ pedido).

Vamos agora considerar a funcao ϕ : Q → R que a cada numero racionalr associa o numero real r∗ (veja pagina 16). Quais sao as propriedades dafuncao ϕ? O leitor pode verificar facilmente que para todo a, b, ∈ Q:

1 -a) ϕ(a + b) = ϕ(a) + ϕ(b)

isto e, (a + b)∗ = a∗ + b∗;

2 -a) ϕ(a · b) = ϕ(a) · ϕ(b)

isto e, (a · b)∗ = a∗ · b∗;

3 -a) Se a < b entao ϕ(a) < ϕ(b)

isto e, a < b =⇒ a∗ < b∗;

Page 22: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Interpretacao geometrica dos numeros reais 20

4 -a) Vamos agora considerar a imagem Q∗ em R do conjunto Q atraves dafuncao ϕ. Isto e, Q∗ = ϕ(Q) ⊂ R.

O conjunto Q∗ e por assim dizer uma copia do conjunto Q pois em Q∗

operamos com os elementos de Q∗ da mesma maneira como operamos comos elementos de Q. A (3 -a) propriedade acima nos mostra que se a, b ∈ Qe a 6= b entao a∗ 6= b∗. Podemos entao tratar os elementos de Q∗ como sefossem numeros racionais. E nesse sentido que podemos dizer que os numerosracionais Q formam um subconjunto dos numeros reais.

A proposicao 35 pode agora ser vista deste modo: dado um numero realα∗ e um numero racional d > 0, sempre existem numeros racionais r e s cujadistancia a α∗ e menor do que d, tais que r∗ < α∗ < s∗.

7.4 Interpretacao geometrica dos numeros reais

Sobre uma reta marcamos dois pontos distintos O, U , escolhemos comosentido positivo de percurso da reta o que vai de O para U :

O U P

−→

1

Em seguida, dado um numero racional p qualquer, marcamos na reta acimao ponto P de tal modo que a medida algebrica do segmento OP feita coma unidade OU seja expressa pelo numero dado p. (Assim, se p > O, entaoo ponto P se ache a direita de O, e se p < O, o ponto P esta a esquerdade O). Assim a cada numero racional p podemos associar um ponto bemdeterminado, P , de nossa reta. Se chamassemos de Q o conjunto de todosos pontos de nossa reta que sao correspondentes de numeros racionais, entaoaconteceria o seguinte: ha pontos na nossa reta que nao pertencem a Q! Istoe, existem em nossa reta acima, pontos I que nao sao correspondentes denenhum numero racional, pois o segmento OI nao pode ser medido alge-bricamente com o segmento OU de maneira que a medida seja um numeroracional.

Dado o numero real α∗, suponhamos que {an, bn} seja um par de Cau-chy representante de α∗. Os termos an, bn sao numeros racionais. Vamosentao, para cada n ∈ N, achar os pontos An e Bn correspondentes a an e bn,respectivamente. Pois bem, existe na reta um e um so ponto A tal que paratodo n, A pertence ao segmento de extremidades An e Bn:E natural entao associarmos o numero real α ao ponto A acima descrito.Com isso acontece o seguinte: cada ponto da reta e o correspondente de um

Page 23: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Interpretacao geometrica dos numeros reais 21

A1 A2 An A Bn B2 B1

1

unico numero real e cada numero real pode ser representado na nossa retaatraves de um unico ponto.

A proposicao 35 significa geometricamente que perto de cada ponto Aque representa um numero real α∗ e sempre possıvel encontrar pontos R eS tais que A pertence ao segmento de extremos R e S, e R e S sao pontoscorrespondentes a numeros racionais:

R

A

S

1

Exercıcio 38. Sejam α∗n uma sequencia crescente de numeros reais, e β∗

n

uma sequencia decrescente de numeros reais tais que para todo n ∈ N,α∗

n 6 β∗n. Mostre que se p, q sao dois numeros naturais quaisquer, entao

α∗p 6 β∗

q .

Proposicao 39. Sejam α∗ um numero real e {rn, sn} um par de Cauchyque determina o numero real ρ∗. Suponhamos que para todo n ∈ N, α∗ < s∗n.Entao α∗ 6 ρ∗.

Demonstracao. Seja {an, bn} um par de Cauchy representante do nu-mero real α∗. Precisamos mostrar que {an, bn} nao e estritamente maior doque {rn, sn}.

Que aconteceria se {an, bn} fosse estritamente maior do que {rn, sn}?Entao existiria um numero natural n0 tal que

sn0 < an0 (6)

Seja {en, fn} o par de Cauchy tal que para todo n ∈ N, en = fn = sn0 .Entao, em virtude de (6), terıamos:

{en, fn} < {an, bn} (7)

Mas {en, fn} determina o numero real s∗n0e {an, bn} determina o numero

real α∗. Logo, (7) implica que

s∗n0< α∗

e isso contraria a hipotese de ser α∗ < s∗n para todo n ∈ N. �

Page 24: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Interpretacao geometrica dos numeros reais 22

Exercıcio 40. Sejam β∗ um numero real e {rn, sn} um par de Cauchy quedetermina o numero real ρ∗. Suponhamos que para todo n ∈ N, r∗n < β∗.Mostre que entao ρ∗ 6 β∗.

Observacao 41. O leitor deve notar na proposicao 42 seguinte que assequencias α∗

n, β∗n de numeros reais que la consideramos tem propriedades

semelhantes as das sequencias de numeros racionais que entram na formacaode um par de Cauchy.

Proposicao 42. Sejam α∗n, β∗

n duas sequencias de numeros reais tais que

1 -o) α∗n e crescente e β∗

n e decrescente;

2 -o) α∗n 6 β∗

n para todo n ∈ N;

3 -o) Dado qualquer numero real positivo ε, existe um numero natural n0

(que pode depender de ε) tal que para todo n > n0

β∗n − α∗

n < ε

Entao existe um e um so numero real ρ∗ tal que α∗n 6 ρ∗ 6 β∗

n paratodo n ∈ N.

Observacao 43. Quando estudamos pares de Cauchy {an, bn}, onde an, bn

eram numeros racionais, vimos que nem sempre existia um numero racionalr tal que an 6 r 6 bn para todo n ∈ N. Na proposicao 42 acima estamosconsiderando pares de Cauchy {α∗

n, β∗n}, onde agora α∗

n, β∗n sao numeros reais.

A proposicao 42 entao afirma que nesse caso sempre existe um numero realρ∗ tal que α∗

n 6 ρ∗ 6 β∗n para todo n ∈ N.

Demonstracao. (da Proposicao 42)Primeiramente vamos exibir um numero real ρ∗ que tem a propriedade enun-ciada na proposicao 42, isto e,

α∗n 6 ρ∗ 6 β∗

n para todo n ∈ N.

Para apresentarmos ρ∗ basta que demos um par de Cauchy {rn, sn}, repre-sentante de ρ∗. O par de Cauchy {rn, sn} e construıdo definindo as sequenciasrn, sn por inducao do seguinte modo:

Para n = 0, tomamos como r0 um numero racional menor do que α∗0 e

tal que α∗0 − r0 < 1;

Page 25: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Interpretacao geometrica dos numeros reais 23

Suponhamos que ja foram definidos os termos rn para n = 0, 1, . . . , p ,de maneira que r0 < r1 < . . . < rp,

rn < α∗n

e

α∗n − rn <

1

n + 1

, para n = 0, . . . , p

Vamos entao definir o termo seguinte, rp+1:

Como α∗ 6 α∗p+1 e rp < α∗

p , podemos tomar um numero racional rp+1 talque

rp < rp+1 < α∗p+1

α∗p+1 − r∗p+1 <

1

p + 2

Esta pois completamente definida a sequencia rn e podemos lembrar outravez quais sao suas propriedades:

• rn e crescente;

• rn < α∗n para todo n ∈ N;

• α∗n − rn <

1

n + 1para todo n ∈ N.

De modo parecido podemos definir a sequencia sn de maneira tal que

• sn e decrescente;

• β∗n < sn para todo n ∈ N;

• sn − β∗n <

1

n + 1para todo n ∈ N.

rn

αn βn

sn

1

Afirmamos que {rn, sn} e um par de Cauchy. E claro que rn 6 sn para todon, pois rn < αn 6 βn < sn. Pela definicao de rn e sn, vemos que rn e crescentee sn e decrescente. Falta apenas verificarmos a 3 -a condicao da definicao de

Page 26: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Interpretacao geometrica dos numeros reais 24

um par de Cauchy. Isto e, precisamos mostrar que dado qualquer numeroracional d > 0, existe n0 ∈ N tal que para n > n0,

sn − rn < d

Ora, dado o nosso d > 0, conseguimos um n1 natural tal que para n > n1

β∗n − α∗

n <d

3

(usando a nossa hipotese 3 sobre as sequencias α∗n e β∗

n).

Agora tomamos n0 > n1 tal que

1

n0 + 1<

d

3

E claro que para n > n0, teremos1

n + 1<

d

3. Finalmente, observamos que

sn − rn = sn − β∗n + β∗

n − α∗n − α∗

n − rn

portanto

sn − rn = (sn − β∗n) + (β∗

n − α∗n) + (α∗

n − rn)

<1

n + 1+ (β∗

n − α∗n) +

1

n + 1

Assim, para n > n0, temos

sn − rn <d

3+

d

3+

d

3= d

O par de Cauchy {rn, sn} determina o numero real ρ∗.

E facil ver que (conforme exercıcio da pagina 21) dados dois numerosnaturais p, q quaisquer,

α∗p < s∗q (8)

Usando a proposicao 39, concluımos de (8) que

α∗p 6 ρ∗

para todo numero natural p. De modo analogo podemos mostrar que ρ∗ 6 β∗p

para todo p ∈ N.

Deixamos a cargo do leitor mostrar que nao pode existir um outro numeroreal σ∗, diferente de ρ∗, tal que

α∗n 6 σ ∗ 6 β∗

n

para todo n ∈ N. �

Page 27: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Supremo e ınfimo 25

7.5 Supremo e ınfimo

Daqui por diante os numeros reais serao indicados quase sempre comletras latinas minusculas e eventualmente com letras gregas minusculas, massem o asterisco (∗).Definicao 44. Seja A um conjunto nao vazio de numeros reais. Dizemosque A e superiormente limitado se existe algum numero real M tal que paratodo a ∈ A, a 6 M .

Definicao 45. Seja A um conjunto nao vazio e superiormente limitado denumeros reais. Dizemos que o numero real s e o supremo de A se estaosatisfeitas as duas seguintes condicoes:

1 -a) a 6 s, ∀ a ∈ A;

2 -a) Se r e um numero real tal que a 6 r para todo a ∈ A, entao s 6 r.

Observacao 46. A segunda condicao acima na definicao de supremo nosdiz que entre todos os numeros reais que “majoram” o conjunto A, o numeros e o menor.

Exemplo 47. Seja A = {x ∈ R |x < 1}. Vamos mostrar que o supremo deA e 1. De fato, pela propria definicao de A,

a < 1, ∀ a ∈ A

Suponhamos que o numero real r seja tal que a 6 r, ∀ a ∈ A. Vamosmostrar que 1 6 r. De fato, em caso contrario terıamos r < 1. Ora, onumero x = (r + 1)/ 2 e maior do que r e menor do que 1. Portanto r naosatisfaz a condicao de ser maior ou igual a qualquer elemento de A. Ficaassim mostrado que o supremo de A e de fato 1.

Definicao 48. Seja A um conjunto nao vazio e inferiormente limitado denumeros reais. Entao o numero real m e chamado o maximo de A se estaosatisfeitas as duas seguintes condicoes:

1 -a) m ∈ A;

2 -a) a 6 m, ∀ a ∈ A.

Observacao 49. E claro que se um conjunto A tem maximo m, entao me tambem o supremo de A. O conjunto A = {x ∈ R |x < 1} tem supremofinal a 1, mas nao tem maximo, pois 1 /∈ A.

Page 28: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Supremo e ınfimo 26

Exercıcios 50. Ache o supremo dos seguintes conjuntos:

B = {x ∈ R | 7x + 1 < 4x + 5}

F =

{y ∈ R

∣∣∣ 1

y + 1< 0

}Proposicao 51. Seja A um conjunto nao vazio e superiormente limitado denumeros reais. Entao existe um numero real σ tal que σ e o supremo de A.

Demonstracao. Se o conjunto A tiver um maximo m, entao e claro quem tambem e o supremo de A.

Vamos entao supor que o nosso conjunto A nao tem maximo e vamosprovar que existe o supremo de A.

Constituiremos duas sequencias rn, sn de numeros reais de modo que

1 -o) rn e crescente, sn e decrescente;

2 -o) para todo n ∈ N, rn < sn;

3 -o) dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que para n > n0, sn − rn < ε;

4 -o) para cada n ∈ N, a 6 sn, ∀ a ∈ A;

5 -o) para cada n ∈ N, existem elementos a ∈ A tais que

rn < a < sn

As sequencias rn e sn sao definidas por inducao do seguinte modo:

Como A e nao vazio e superiormente limitado podemos considerar doisnumeros reais, r0 e s0 tais que

r0 ∈ A (pois A 6= ∅)

a < s0, ∀ a ∈ A (pois A: superiormente limitado)

Consideremos o numero real

m1 =r0 + s0

2

r0 n1 s0

1

Dois casos sao possıveis (visto A nao ter maximo, por hipotese)

1 -o) a < m1, ∀ a ∈ A;

Page 29: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Supremo e ınfimo 27

2 -o) ∃ a ∈ A tal que m1 < a.

No primeiro caso tomamos:

r1 = r0 e s1 = m1

No segundo caso tomamos:

r1 = m1 e s1 = s0

Suponhamos que ja foram escolhidos os numeros reais rn, sn

para n = 0, . . . , p de maneira tal que

1 -o) rn 6 rn+1 < sn+1 6 sn para n = 0, . . . , p− 1

2 -o) a < sn ∀ a ∈ A, n = 0, . . . , p

3 -o) Para cada n = 0, . . . , p, existe a ∈ A tal que

rn < a < sn

4 -o) sn − rn =s0 − r0

2n

Vamos entao dizer como tomar os termos seguintes rp+1 e sp+1:

rp m1 sp

1

Consideramos o numero real mp+1 = (sp + rp)/2 . Entao (pela hipotesede A nao ter maximo) sao possıveis dois casos:

1 -o) a < mp+1, ∀ a ∈ A;

2 -o) existem a ∈ A tais que mp+1 < a.

No primeiro caso definimos

rp+1 = rp e sp+1 = mp+1

No segundo caso definimos,

rp+1 = mp+1 e sp+1 = sp

O leitor pode verificar que as sequencias rn e sn satisfazem as 5 propri-edades enunciadas no comeco desta demonstracao, isto e, a pagina 26. Emparticular as tres primeiras propriedades implicam, pela proposicao 42, queas sequencias rn e sn determinam um numero real σ tal que para todo n ∈ N:

rn < σ < sn

Page 30: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Supremo e ınfimo 28

Vamos mostrar que σ e o supremo de A:

1 -o) a 6 σ, ∀ a ∈ A

De fato, suponhamos que isso nao fosse verdade. Entao existiria umelemento x ∈ A tal que σ < x.

σ x

1

Como x−σ > 0, podemos achar um numero natural n0 tal que sn0−rn0 < ε,isto e, sn0 − rn0 < x − σ. Mas isso e absurdo pois rn0 < σ e x < sn0

(Observe que sn0 − rn0 < x− σ ⇔ σ− rn0 < x− sn0 . Como rn0 < σ, entaoσ − rn0 > 0. Como x < sn0 , entao x− sn0 < 0. Um numero negativo naopode ser maior que um positivo). Esta entao mostrado que para todo a ∈ A:

a 6 σ

2 -o) Se ρ e um numero real tal que a 6 ρ, ∀ a ∈ A, entao σ 6 ρ.

Em outras palavras, precisamos mostrar que qualquer numero real menordo que ρ e superado por algum elemento de A.

De fato, dado δ > 0, consideremos numero real σ − δ. Podemos acharum numero natural n0 tal que sn0 − rn0 < δ como σ < sn0 , temosσ − rn0 < δ. Portanto como rn0 < σ, temos σ − δ < rn0 < σ. Ora, comoexistem elementos a ∈ A tais que rn0 < a < sn0 , concluımos que existemnumeros a ∈ A tais que

σ − δ < a

Entao σ − δ nao e maior ou igual a qualquer elemento de A. Como δ > 0e arbitrario concluımos que se ρ > a, ∀ a ∈ A, entao δ > σ. Isto e, σ e osupremo de A. �

Definicao 52. Um subconjunto nao vazio de numeros reais, B, e inferior-mente limitado se existe um numero real m tal que m 6 b, ∀ b ∈ B.

Definicao 53. Seja B um subconjunto nao vazio e superiormente limitadode numeros reais. O numero real f e o ınfimo de B se as duas condicoesseguintes estao verificadas:

1 -a) f 6 b, ∀ b ∈ B;

2 -a) Se g 6 b, ∀ b ∈ B, entao g 6 f .

Deixamos a cargo de leitor a demonstracao da seguinte proposicao:

Page 31: Construcao dos Numeros´ Reais - mat.unb.br · Se¸c˜ao 1. Sequ¨ˆencias de numeros´ racionais 1 1 Sequ¨ˆencias de num´ eros racionais Sejam N o conjunto dos numero´ s naturais

Secao 7. Supremo e ınfimo 29

Proposicao 54. Seja B ⊂ R um subconjunto nao vazio e inferiormentelimitado de numeros reais. Entao existe um numero real f tal que f e oınfimo de B.