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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE CONTOS DE FADA E ARTETERAPIA: UMA UNIÃO PARA O BEM DA CRIANÇA Thereza Christina Silva da Fonseca Telles Orientadora: Mª. Dina Lúcia Chaves Rocha Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

CONTOS DE FADA E ARTETERAPIA:

UMA UNIÃO PARA O BEM DA CRIANÇA

Thereza Christina Silva da Fonseca Telles

Orientadora: Mª. Dina Lúcia Chaves Rocha

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MESNDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO-SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

CONTOS DE FADA E ARTETERAPIA:

UMA UNIÃO PARA O BEM DA CRIANÇA

Apresentação de monografia à Universidade Cândido

Mendes, como requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Arteterapia em Educação e Saúde.

Por: Thereza Christina Telles.

Rio de Janeiro

2010

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EPÍGRAFE

“Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda.”

(Carl Gustav Jung)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Francisco e Darcy e ao terapeuta, José Nivaldo,

pelo estímulo às minhas buscas intelectuais.

5

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia ao meu marido Munir, in memorian, pelo apoio

que sempre me dedicou e pelo estímulo ao meu desenvolvimento pessoal e

profissional e à minha filha, Lavínia, companheira e primeira integrante das

minhas experiências arteterapêuticas com contos de fada.

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RESUMO

Este trabalho pretende compreender como os contos de fada, aliados aos

recursos de Arteterapia, podem contribuir para o processo sadio de

desenvolvimento humano, que se inicia na infância. Os contos de fada

constituem um tipo de literatura que contribui para o crescimento interno das

crianças, transmitindo a mensagem de que na vida atravessamos dificuldades,

mas se as enfrentamos, podemos sair vitoriosos. A partir da oferta de materiais

de fantasia, os contos sugerem às crianças, de forma simbólica, o significado

de toda luta para conseguir uma auto-realização na vida. Através dos recursos

de expressão artística em Arteterapia, as questões psicológicas relacionadas

ao crescimento despertadas pelos contos de fadas são aprofundadas e

trabalhadas, ampliando muito as possibilidades de contribuição dos contos

para o desenvolvimento das crianças. Desenho, pintura, colagem, modelagem,

música, dança e teatro são recursos a serem utilizados para conduzir a uma

reflexão sobre o sentido da leitura, permitindo um aprofundamento das

questões existenciais enfatizadas em cada conto e uma análise das

identificações.

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METODOLOGIA

Para responder à questão sobre a eficácia dos recursos de

expressão artística em Arteterapia em ampliar os resultados do trabalho com

contos de fada e as crianças foi realizada pesquisa bibliográfica em literatura

direcionada ao tema.

Partindo do referencial teórico da Psicologia Analítica de Carl Gustav

Jung, os principais autores utilizados na realização desta pesquisa foram

TATAR (2002); BETTELHEIM (1980); SILVA (2009) e MEDEIROS e BRANCO

(2008).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

OS CONTOS DE FADA E SUA UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA 11

CAPÍTULO II

OS RECURSOS DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA DA ARTETERAPIA 20

CAPÍTULO III

A ASSOCIAÇÃO DE CONTOS DE FADA E ARTETERAPIA 29

CONCLUSÃO 39

BIBLIOGRAFIA 40

ÍNDICE 43

9

INTRODUÇÃO

Os contos de fada abordam com seriedade questões existenciais

que habitam as mentes infantis. O medo do abandono, a ansiedade de

separação, a necessidade de ser amada, a busca da própria identidade, a

rivalidade fraterna e questões edípicas são algumas das encontradas. A

criança necessita de imagens de heróis isolados que conseguem conquistar

relações significativas com o mundo ao seu redor, de forma que possa adquirir

confiança interior para seguir seu caminho. Nos contos encontram-se

mensagens de otimismo, mostrando que vale a pena enfrentar estes problemas

do crescimento para alcançar uma vida plena e feliz.

Cada criança pode revelar quando um conto se torna mais

importante para ela por tocar suas questões fundamentais do momento. A

partir daí o conto adquire um valor terapêutico que precisa ser trabalhado para

beneficiar o desenvolvimento da criança. A utilização terapêutica dos contos de

fada é o tema do primeiro capítulo deste trabalho.

No segundo capítulo serão abordados os recursos da arteterapia,

considerando que a vivência pelas técnicas expressivas constitui o caminho do

desenvolvimento da psicoterapia. Desenho, pintura, colagem, modelagem,

música, dança e teatro são ferramentas preciosas no trabalho com seres

humanos e especialmente, com crianças.

A arteterapia e a psicologia analítica de Carl Gustav Jung

amplificam os símbolos encontrados nas atividades plásticas através dos

contos de fada. Os fenômenos internos psicológicos são apresentados de

forma simbólica nos conteúdos dos contos. A simbolização é o mecanismo

psicológico que transforma a energia psíquica, conduzindo ao desenvolvimento

da personalidade. Através da arteterapia é possível trabalhar o significado do

conto para cada pessoa individualmente, a partir das imagens coletivas dos

contos de fada. Buscando o simbólico nas produções artísticas, a arteterapia

atinge também o imaginário através dos contos. O terceiro capítulo vai

apresentar o trabalho da arteterapia com os contos de fadas.

10

Esta pesquisa pretende compreender de que forma os contos de

fada, inseridos em atividades arteterapêuticas, contribuem para o processo

sadio de desenvolvimento humano, que se inicia na infância. Desta forma,

torna-se possível demonstrar como os recursos de arteterapia podem

enriquecer ainda mais o trabalho terapêutico com esta forma de literatura e

arte.

Concluindo, as crianças que têm a oportunidade de trabalhar o

conteúdo de seus contos de fada favoritos com recursos de arteterapia têm seu

processo de amadurecimento facilitado.

11

CAPÍTULO I

OS CONTOS DE FADA E SUA UTILIZAÇÃO

TERAPÊUTICA

Nas últimas décadas, os contos de fada passaram a ser utilizados

por psicanalistas e psicólogos infantis como veículos terapêuticos, auxiliando

crianças e adultos a enfrentarem seus conflitos, refletindo sobre os dramas

encenados. “Cada texto se torna um instrumento facilitador, permitindo aos

leitores enfrentar medos e desembaraçar-se de sentimentos hostis e desejos

danosos” (TATAR, 2002, p.10). Entrando no mundo da fantasia e da

imaginação, crianças e adultos encontram um espaço seguro em que seus

medos são confrontados, dominados e banidos.

Os contos de fadas representam processos psíquicos do

inconsciente coletivo e refletem as estruturas da psique. Representam os

arquétipos e são eficazes na investigação do inconsciente. Como nos diz

Silveira:

Os contos de fada têm origem nas camadas profundas do inconsciente, comuns à psique de todos os seres humanos. Pertencem ao mundo arquetípico. Por isso seus temas reaparecem de maneira tão evidente e pura nos contos de países os mais distantes, em épocas as mais diferentes, com um mínimo de variações. Este é o motivo por que os contos de fada interessam à psicologia analítica. (SILVEIRA, 2000, p.105)

Portanto, o trabalho com a narrativa dos contos de fadas por si só já

é terapêutico, já que ilustram processos inconscientes, trazendo-os para a

consciência.

Ao contar histórias, o narrador faz uso do instrumento da voz e das linguagens não-verbais (gestos, espaço físico, olhar, músicas, cheiros, toque); e conta com audição, visão, olfato e tato, quando do ponto de vista do ouvinte. É um momento que efetiva uma vivência social que é ao mesmo tempo coletiva e individual, consciente e inconsciente, efetivando uma

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experiência de aprendizagem informal na vida dos ouvintes como também na do contador. (PIRES, 2009, p.4)

A associação da narrativa com as técnicas de arteterapia, como

será visto mais a frente, enriquece ainda mais o trabalho e possibilita a

expressão individual de cada sujeito com relação aos temas abordados nos

contos, dando cada um a sua interpretação pessoal ao conto escolhido.

1.1 A Origem dos Contos de Fadas

Segundo Tatar (2002) por mais que as estórias dos contos de fada

sejam apreciadas, acabam sendo abandonadas como pueris na vida adulta. No

entanto, a origem destes contos está numa cultura em que eram contados para

adultos. As preocupações e ambições que são retratadas se adequam às

angústias e desejos dos adultos. Os contos eram narrados sobretudo por

camponeses como entretenimento para o cotidiano. Entre os ouvintes

misturavam-se crianças e adultos, que passaram a ser afastados somente por

volta do século XIX, quando começou a ser criado o universo infantil que

conhecemos atualmente.

Esta literatura tem então o poder de construir o mundo infantil da

imaginação e de edificar o mundo adulto da realidade. “Modelaram códigos de

comportamento e trajetórias de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que nos

forneceram termos com que pensar sobre o que acontece em nosso mundo”

(TATAR, 2002, p.9). Desta forma, é possível concluir que “(...) tudo pode ser

dito às crianças, desde que numa linguagem conveniente, isto é, libertadora de

ansiedades e angústias e plena de imagens/símbolos que correspondam a seu

mundo de fantasia interior.” (NICOLELIS, 1995, p.41).

Os contos de fadas são recontados ao longo de muitas gerações

porque são conseqüência do conteúdo comum consciente e inconsciente de

diversas pessoas, sobre problemas humanos universais, além de

apresentarem soluções para estas questões.

Estes contos de tradição oral foram selecionados e escritos por

nomes como Charles Perrault, francês, que publicou em 1697 “Histórias ou

13

Contos do tempo passado, com moralidades” e “Contos da Mamãe Gansa”,

incluindo Cinderela, O Pequeno Polegar e Chapeuzinho Vermelho.

Transplantando contos populares de suas origens camponesas para uma cultura cortesã que valorizava uma forma literariamente estilizada e toques extravagantes, Perrault produziu um volume com um apelo popular sem precedentes. (TATAR, 2002, p.355)

Jacob e Wilhelm Grimm “queriam capturar a voz ‘pura’ do povo

alemão e preservar na página impressa a poesia oracular da gente comum”

(TATAR, 2002 p.350). Recolheram contos populares de regiões de língua

alemã e a obra “Contos da Infância e do Lar” foi publicada em dois volumes em

1812 e 1815, tornando-se fonte autorizada de contos de fadas para culturas

anglo-americanas e européias. Basearam-se em fontes orais e literárias para

compilar sua coletânea, que inclui a maioria dos contos clássicos, como João e

Maria, Branca de Neve, A Bela Adormecida e também Chapeuzinho Vermelho.

Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, francesa, publicou diversos

contos ainda no século XVIII, dentre os quais se encontra A Bela e a Fera, de

sua autoria. Hans Christian Andersen, dinamarquês, escritor de A Pequena

Sereia e O Patinho Feio, entre outros, destacou-se como autor das estórias e

não compilador, apesar de ter sido influenciado pelos contos de sua infância,

no século XIX. Peter Christen Asbjornsen e Jorgen Moe viajaram por toda a

Noruega colhendo estórias e publicaram os “Contos Populares Noruegueses”

em 1841. Influenciado pelos Grimm, Aleksandr Afanasev compilou e publicou

os Contos de Fadas Russos, em oito fascículos entre 1855 e 1867. Joseph

Jacobs, australiano, dedicou-se a compilar os contos britânicos e publicá-los no

final do século XIX, incluindo João e o pé de feijão e A História dos Três

Porquinhos.

A linguagem escrita surgiu com um código próprio mais formal e rigoroso que se distanciou da linguagem oral e adquiriu grande importância na nossa cultura e em outras civilizações humanas, mas o homem logo percebeu que a linguagem escrita aceita de bom grado a sua transposição para a oralidade, perdendo em rigor e ganhando em espontaneidade, vivacidade e persuasão. (PIRES, 2009, p.4)

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Portanto, os contadores de estórias da atualidade fazem um retorno

às origens dos contos de fadas, quando estes eram contados oralmente

através das gerações, sem a preocupação com a linguagem escrita.

1.2 Os Contos de Fada e as Crianças

Os contos de fada são considerados como obras de arte, as mais

acessíveis para as crianças e como acontece com toda grande arte, o

significado profundo dos contos varia de uma pessoa para outra e para uma

mesma pessoa em diferentes momentos de sua vida.

São formas educativas de entretenimento, ao mesmo tempo em que

esclarecem a criança sobre si mesma, favorecendo o desenvolvimento de sua

personalidade.

De acordo com Filho:

Por possibilitar o entendimento da vida pela transcendência do significado da realidade física do ser humano, o conto infantil proporciona à criança uma nova visão de sua própria situação, favorecendo a quebra de bloqueios emocionais. (FILHO, 2007, p.61)

Os contos de fadas são orientados para o futuro, portanto atuam

como guias para as crianças em seus caminhos de ultrapassagem de seus

desejos de dependência infantil, em busca de existências independentes.

Os contos de fadas representam o processo sadio de desenvolvimento humano, que começa com a resistência contra os pais e o medo de crescer e termina quando o jovem encontrou verdadeiramente a si mesmo, conquistou independência psicológica e maturidade moral e não encara mais o outro sexo como ameaçador ou demoníaco, mas é capaz de relacionar-se positivamente com ele. (BETTELHEIM, 1980, p.20)

As estórias permitem que os adultos abordem questões existenciais

com as crianças através do simbólico e do imaginário. Estas questões

envolvem desde temas relacionados ao Complexo de Édipo, passando pela

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busca pela própria identidade, a necessidade de ser amada até o medo do

abandono, a ansiedade de separação ou a rivalidade fraterna. Sempre

ilustrando um processo de crescimento interior pelo qual todos nós precisamos

passar.

De acordo com Bettelheim (1980), ao tratar de problemas humanos

universais, principalmente os que preocupam as crianças, os contos de fadas

se dirigem ao ego em germinação e encorajam seu desenvolvimento, enquanto

aliviam pressões pré-conscientes e inconscientes. Transmitem também a

mensagem de que a luta contra as adversidades da vida faz parte da existência

humana, mas se a pessoa enfrenta sem se intimidar, pode dominar obstáculos

e vencer.

O conto de fada projeta o alívio de pressões e oferece soluções para

problemas. Assumem também a função de iniciadores na sexualidade através

do tema do noivo animal. É possível concluir que é pelo amor que o ser

humano se diferencia do animal. A criança é levada a intuir que a sexualidade

animal pode ser boa e bela se transformada em amor, através da metáfora do

animal que se transforma em príncipe. Apesar da intenção original não ter sido

esta, já que os contos não eram dirigidos exclusivamente às crianças.

Cabe à criança revelar e determinar qual conto de fada é mais

importante a cada momento de sua vida. Sua resposta imediata mostra qual

conto deve ser trabalhado, a partir da reação emocional da criança ao que a

estória despertar em sua mente consciente e inconsciente. Vai depender do

estágio psicológico de desenvolvimento e dos problemas que mais a estiverem

pressionando no momento.

Os adultos não devem explicar para as crianças porque determinado

conto se tornou importante para ela, o que quebraria o encantamento causado.

Trata-se de uma experiência subconsciente e deve permanecer assim até que

seja possível uma compreensão madura.

Os personagens dos contos de fada não são ambivalentes como os

indivíduos da realidade. A polarização domina a mente da criança e está

presente nos contos (é a vitória contra a derrota, o bem contra o mal, a

modéstia contra a vaidade, o sucesso contra o fracasso, a pobreza contra a

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riqueza), facilitando a decisão de quem a criança quer ser, a partir das

identificações e da diferenciação entre personagens bons e maus. Nestas

escolhas se baseará todo o desenvolvimento da personalidade da criança.

Nos casos em que há necessidade de acompanhamento

terapêutico, os contos de fada são uma ferramenta muito útil para o terapeuta

participar do mundo da criança e estabelecer uma linguagem comum em que

ambos possam se comunicar.

As crianças não têm recursos interiores para processar e digerir sozinhas seus sentimentos perturbadores. Elas precisam de ajuda. Quando a criança não expressa seus sentimentos dolorosos e inquietantes ela pode passar a ter comportamentos difíceis e provocadores ou até neuróticos. (...) Uma boa proposta é tratar os sentimentos da criança usando a história como principal recurso. Ajudar a criança a refletir sobre seus sentimentos problemáticos por meio da história e impedir que esses sentimentos se avolumem e se transformem numa terrível confusão interior. Em outras palavras, quando bem usadas, as histórias são uma parte vital da saúde do sistema digestivo emocional da criança. (SUNDERLAND apud PIRES, 2009, p.4 e 5).

No entanto, as sugestões aqui apresentada não são dirigidas

exclusivamente para a atuação terapêutica, podendo ser utilizadas em ateliê

livre e no âmbito educacional. Em casa ou na escola, onde haja espaço para a

criança se desenvolver e se expressar, estas vivências são apropriadas e

enriquecedoras.

1.3 O Contador de Histórias

Contar histórias é um meio de comunicação ancestral. Remonta à

Antiguidade greco-romana, quando os bardos transmitiam histórias, lendas e

poemas em forma de canções. Platão na “República” se referiu à importância

de contar contos e Aristóteles abordou o efeito catártico das histórias. Na Era

Medieval o contador de histórias estava presente nos castelos e povoados

rurais

(...) com o objetivo de compartilhar suas vivências e gerar em torno do grupo magnetizado por suas histórias uma proteção gerada pelo próprio encanto do momento e pela força do coletivo. As narrativas eram tecidas pela voz mágica do

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contador, ao redor de fogueiras ou lareiras que contribuíam para criar uma atmosfera de intensa magia. (www.infoescola.com/curiosidades/contadores-de-historias)

Além dos bardos, havia também os rapsodos, aedos, jograis,

trovadores, saltimbancos, menestréis e bufões que contavam histórias, muitas

vezes em forma de canções. Nas sociedades tribais primitivas o conhecimento

também era difundido através de contadores de histórias, sem falar no livro

sagrado da Bíblia, uma coletânea de histórias transmitidas através dos tempos.

É no fascínio de ler que nasce o de contar histórias. O contador

salva o mundo imaginário e abre espaço para o pensamento mágico. O elo da

comunicação passa a ser o tempo afetivo e não mais o cronológico.

Como nos diz Tatar (2002, p.13): “Muitas vezes é a experiência de

ler em voz alta ou recontar que produz as ressonâncias e reações mais

intensas (...). São os leitores destes contos de fadas que vão revigorá-los,

fazendo-os ressoar e crepitar com energia narrativa a cada novo recontar”.

Ainda de acordo com Tatar, Hans Christian Andersen tinha uma

forma particular de contar estórias:

Quer o conto fosse seu ou de outrem, a maneira de contar era inteiramente sua, e tão intensa que as crianças ficavam arrepiadas. Gostava, também, de dar rédea solta a seu humor, sua fala não tinha fim, ricamente adornada com as figuras de linguagem que as crianças conheciam bem, e com gestos condizentes com a situação. Até a frase mais seca ganhava vida. Não dizia “As crianças entraram na carruagem e partiram”, mas “Elas entraram na carruagem – ‘Adeus, papai! Adeus, mamãe!’ – o chicote estalou plec! plec! e lá se foram, depressa! À direita!” (COLLIN apud TATAR, 2002, p.13)

O contador de histórias está presente no imaginário da humanidade

como o arquétipo do Velho Sábio (ou Velha Sábia) que transmite as histórias

com toda a sua sabedoria. Charles Perrault inspirou-se nestas imagens para

dar título à sua coletânea “Contos da Mamãe Gansa”, além de incluir em cada

conto a “moral da estória” no final. Monteiro Lobato criou sua Dona Benta

também inspirado neste arquétipo. Era a avó que contava estórias para as

crianças, extraindo das experiências o aprendizado mais profundo.

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Trata-se de um personagem que muitas vezes faz parte da estória.

O Velho Sábio aparece como o arquétipo do espírito nos contos, envolto numa

aura de magia e mistério.

O Velho sempre aparece quando o herói se encontra numa situação desesperadora e sem saída, da qual só pode salvá-lo uma reflexão profunda ou uma idéia feliz, isto é, uma função espiritual ou um automatismo endopsíquico. Uma vez que o herói não pode resolver a situação por motivos externos ou internos, o conhecimento necessário que compense a carência, surge sob a forma de um pensamento personificado, isto é, do velho portador de bom conselho e ajuda. (JUNG, 2007, p. 214 e 215)

Portanto, o Velho Sábio entra nas estórias para prestar auxílio aos

heróis em apuros. E este auxílio vem na forma de reflexão e idéias para salvá-

los.

Muitas vezes pergunta o Velho, no conto de fadas, por que, quem, de onde vem, aonde vai, a fim de encaminhar a auto-reflexão e favorecer a reunião das forças morais e, mais frequentemente ainda, fornece os talismãs mágicos necessários, isto é, a possibilidade inesperada e improvável do êxito peculiar à personalidade unificada no bem e no mal. (JUNG, 2007, p.216 e 217)

Como personagem do conto de fadas e/ou como o contador de

histórias, o Velho Sábio (ou Velha Sábia) tem sempre um perfil que inclui

características como sabedoria e cultura, já que conhece uma variedade de

estórias para contar, com seus significados mais profundos para serem

traduzidos aos ouvintes.

O Velho representa, por um lado, o saber, o conhecimento, a reflexão, a sabedoria, a inteligência e a intuição e, por outro, também qualidades morais como benevolência e solicitude, as quais tornam explícito seu caráter “espiritual”. (JUNG, 2007, p. 218)

O contador não reproduz apenas as estórias, mas acompanha as

reações dos ouvintes, improvisando e ampliando os contos, dando ênfase a

determinados diálogos,

(...) tendo como principal instrumento a palavra, que detém o poder de transformar o comportamento humano, como é possível perceber na mensagem transmitida pelas 1001 Noites, onde as estórias se entretecem para manter Scherazade viva e livre, e ao mesmo tempo para curar o vizir, purificando seu coração do incessante desejo de vingança contra as mulheres. Aliás, no Oriente esta tradição de curar a psique através da narrativa de estórias é amplamente preservada pelos

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psicoterapeutas. (www.infoescola.com/curiosidades/contadores-de-historias)

Atualmente este ofício está em fase de profissionalização, deixando

de ser amador. Escolas, bibliotecas e centros culturais buscam pessoas

habilitadas para exercer esta função tão antiga. A prática de contar histórias

vem se beneficiando de normas e técnicas, mas a escolha de quais estórias

contar vai passar pela personalidade do contador. Uma história só pode ser

bem contada se o contador estiver envolvido. É a paixão que permite a

passagem. Portanto, a formação do contador de histórias inclui o

autoconhecimento, a observação do outro e a abertura do imaginário pelo

exercício de contar histórias com envolvimento, naturalidade e credibilidade.

Estudando e se familiarizando com os contos, torna-se capaz de dar-lhes forma

e valorizar seus conteúdos.

Como a menina Wendy, levada para a Terra do Nunca por Peter

Pan, o eterno puer que não conseguia crescer por não ter memória, para

contar estórias e ser a guardiã da memória.

20

CAPÍTULO II

OS RECURSOS DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA EM

ARTETERAPIA

A arteterapia inclui toda forma de psicoterapia que utiliza como

mediação a expressão artística. As atividades expressivas como música,

teatro, dança e literatura, aliadas às das artes-plásticas (desenho, pintura,

modelagem, escultura, colagem, máscaras, marionetes) oferecem muitas

possibilidades de comunicação e de criatividade.

A aptidão humana de criar símbolos leva os indivíduos a transformar

inconscientemente objetos ou formas em símbolos e dar-lhes expressão na

religião e nas artes visuais. A expressão plástica facilita o acesso a conteúdos

interiorizados e simbólicos que são materializados concretamente.

Conforme Diniz (2000), a arte é instrumento essencial para o

desenvolvimento humano e possui efeito terapêutico, ajudando na revelação do

inconsciente. Através das produções artísticas o sujeito pode expressar

conteúdos traumáticos ou em conflito.

2.1 O que é Arteterapia?

A arteterapia é um caminho de autoconhecimento, na medida em

que expressamos nossos conteúdos mais profundos através da arte. O

discurso oral está associado aos trabalhos produzidos durante o processo, na

forma de reflexão e interiorização.

De acordo com Medeiros e Branco (2008), a arteterapia é um

processo terapêutico que se utiliza de técnicas plásticas para facilitar um

processo de expressão.

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A arteterapia utiliza os variados fazeres expressivos (dança, música,

teatro e literatura) unidos às artes plásticas (desenho, pintura, colagem,

modelagem, escultura, marionetes, máscaras) como possibilidades de

expressão e comunicação do potencial criativo de cada ser humano, potencial

este que é organizador e integrador da psique.

A expressão plástica proporciona o acesso a conteúdos simbólicos

mais interiorizados, possibilitando sua elaboração. Através da arte, o corpo, a

percepção, a emoção e a intuição do indivíduo podem se expressar, numa

atitude integrada.

De acordo com a Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro:

Arteterapia é o uso terapêutico da atividade artística no contexto de uma relação profissional por pessoas que experienciam doenças, traumas ou dificuldades na vida, assim como por pessoas que buscam desenvolvimento pessoal. Por meio do criar em arte e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar sua auto-estima, lidar melhor com sintomas, estresse e experiências traumáticas, desenvolver recursos físicos, cognitivos e emocionais e desfrutar do prazer vitalizador do fazer artístico. (www.aarj.com.br/htm/arteterapia.htm)

A arteterapia analisa principalmente o processo criativo do indivíduo

e não as obras em si isoladamente. Considera a arte com propriedades

curativas. É nos jogos e na arte que as crianças têm a oportunidade de

expressar seu processo criador, desde a primeira infância.

A atividade criadora consiste em todo ato de realização que produz algo novo como reflexo de sua observação do mundo exterior, de informações cerebrais ou do sentimento interno manifestado apenas no próprio ser humano. (MEDEIROS e BRANCO, 2008, p.24).

A arteterapia é bastante recente, enquanto campo unificado de

conceituação e de atuação. Seu início aconteceu na Europa, em final do século

XIX, quando psiquiatras utilizaram a arte como terapia, interessando-se pelas

produções plásticas de pacientes hospitalizados. A partir daí a arteterapia

começou a se desenvolver, sendo que no Brasil seu desenvolvimento se deu

na segunda metade do século XX.

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Jung em seus estudos e trabalho já incentivava seus pacientes a se

expressarem a partir das técnicas expressivas, por volta da década de 1920:

(...) cada um poderia fazê-lo de forma dramática, dialética, visual, acústica ou na forma de dança, pintura, desenho ou modelagem. O resultado desta técnica era toda uma série de produções artísticas complicadas cuja multiplicidade me deixou confuso durante anos, até que eu estivesse em condições de reconhecer que este método era a manifestação espontânea de um processo em si desconhecido, sustentado unicamente pela habilidade técnica do paciente, e ao qual, mais tarde, dei o nome de “processo de individuação”. (JUNG apud DINIZ, 2000, p.18 e 19).

2.2 Técnicas Expressivas em Arteterapia

A tinta é um material fluido e expansivo e a pintura expressa a

necessidade do indivíduo de deixar uma marca. Destina-se a criar

oportunidades de se extravasar vivências anímicas inconscientes. De acordo

com Pain & Jarreau (1996) a técnica da pintura apresenta três obstáculos da

representação à matéria, são eles: o limite das superfícies, o limite da

valoração das tonalidades e o limite das cores. Com relação à pintura a dedo,

“este é um tipo de material que põe o corpo da criança em contato direto com o

meio de expressão”. E ainda: “Enquanto suas mãos, numa agradável

sensação, deslizam através da tinta, seu corpo inteiro parece estar envolvido

na criação da figura”. (STANT, 1985, p.90).

Já o desenho se relaciona com a forma do objeto. Sendo que a

forma está relacionada ao movimento e à abstração enquanto a cor é

sensação, sensibilidade, intuição e emoção. O desenho favorece a relação de

intimidade. O lápis situa-se entre os materiais gráficos, trabalhando controle,

disciplina e ordenação.

A colagem é uma técnica que integra e organiza a psique. Trabalha

com imagens previamente existentes em vez de estimular que os sujeitos

produzam novas imagens pintando, desenhando ou modelando. É uma técnica

adequada para começo de um processo arteterapêutico ou para uma

abordagem direcionada da vivência com contos de fadas. Inclui ainda colagem

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com papéis cortados ou rasgados, colagem com tecidos e com outros materiais

diversificados, além dos mosaicos.

O mosaico é uma técnica para compor formas diversificadas a

partir de pedacinhos de materiais de diferentes texturas e cores. A imagem

surge a partir do agrupamento de pedacinhos (de plásticos, papel colorido,

pedrinhas coloridas, cerâmica, ladrilhos ou outros materiais). Ao longo do

tempo, esta técnica evoluiu do artesanato para a produção industrial, com

pastilhas, vidros, azulejos, entre outros materiais.

(...) a técnica da colagem é uma atividade de análise e síntese tal como o processo da linguagem que transforma palavras em sílabas e estas em letras, (de)significando o significado para reconstruí-lo em uma nova composição com novo significante. Desta forma, favorecendo o processo de aquisição da linguagem oral e escrita, reproduzindo, de maneira análoga, as transformações pelas quais a linguagem ganha a significação por meio do significante. (MEDEIROS e BRANCO, 2008, p.51).

A construção de murais pode unir as três técnicas anteriores

(pintura, desenho e colagem) em uma única produção do grupo. “O termo

mural é usado para designar uma expressão de uma ou mais pessoas, usando

uma ou mais variedades de comunicação artística, baseada em experiências,

idéias ou imaginação do criador ou criadores” (STANT, 1985, p.100).

A técnica da modelagem “apela diretamente ao corpo: às

sensações transmitidas pela extremidade dos dedos, à modulação da pressão

e tensão muscular, à diferenciação profunda dos gestos, ao maior

compromisso de toda a postura e da dinâmica do corpo que modela.” (PAIN &

JARREAU, 1996, p.124). É a atividade de um corpo que faz outro corpo. Dá à

criança a oportunidade de explorar as possibilidades de modelagem em altura,

largura e relevo, executando um trabalho tridimensional. “O barro oferece à

criança a oportunidade de ver a diferença entre as formas” (STANT, 1985,

p.75).

A argila é símbolo de nascimento, vida e morte, além de se

relacionar à nossa história transmitindo informações através de seus registros.

Segundo Medeiros e Branco (2008), a argila recebe suma importância no

processo terapêutico, sendo um material de fácil manuseio e boa maleabilidade

24

plástica, facilitando a expressão artística. Trata-se de um material indicado para

relato da memória, criatividade e expressividade humanas. Estimula os

sentidos e permite a criação de imagens tridimensionais a partir das

experiências vividas.

Durante a modelagem a argila costuma ressecar, sendo preciso

utilizar água para dar liga. A modelagem é feita com os dedos, o ajuste com as

goivas e o corte da argila pode ser feito com fio de nylon.

A milenar arte da cerâmica atravessa séculos e séculos da historia da civilização e resiste a muitos modismos, sendo cultuada hoje como uma expressiva forma de arte plástica. Mais do que uma simples atividade técnica e artística, trabalhar com cerâmica é descobrir o efeito terapêutico que a argila tem sobre o corpo e a alma. (MEDEIROS e BRANCO, 2008, p. 75).

Além da argila, a modelagem em arteterapia pode ser realizada com

massa de modelar, mais resistente entre as massas e não endurece como a

argila, com massa biscuit, que também possui a característica de permanência

da argila ou com massa caseira, mais flexível, porém não permanente, já que

estraga com o tempo. As massas trabalham a flexibilidade e a versatilidade do

indivíduo. No entanto, a argila é considerada um material nobre, que não pode

ser comparado às massas de modelar, e atua como um suporte para os afetos

de quem modela.

A experiência com a argila provoca o emergir de emoções, sendo recipiente de projeções para as experiências com o mundo circundante, favorecedora de descargas emocionais, atuando também como produtora de efeitos calmantes. (MEDEIROS e BRANCO, 2008, p.86).

No entanto, a técnica da escultura também pode ser executada em

superfícies rígidas, como a pedra pome ou a parafina (velas). Estes materiais

costumam ser oferecidos à “pessoas que apresentam resistência e inabilidade

nas suas relações pessoais e que tenham dificuldade em mostrar sua

fragilidade por meio da rigidez aparente” (MEDEIROS e BRANCO, 2008,

p.115). A escultura vai trabalhar a estruturação e a construção ao acrescentar e

o desapego ao retirar partes do material, liberando agressividade. “Esse gesto

25

de extrair – de dentro de alguma coisa – aquilo que é um projeto pessoal

interior, faz com que o indivíduo externalize sentimentos fortes, como os de

paixão ou raiva, por exemplo.” (MEDEIROS e BRANCO, 2008, p.115).

A confecção de marionetes necessita sobretudo da definição de um

projeto a ser representado, o que pode ser bastante interessante no trabalho

com contos de fadas. É preciso estabelecer os objetivos do projeto, que podem

variar da representação dramática apresentada a uma platéia ou somente entre

os sujeitos do grupo. De qualquer forma, a comunicação verbal é incentivada,

seja com a platéia, com os outros integrantes do grupo ou com o arteterapeuta.

O questionamento dos participantes é estimulado desde a fabricação dos

personagens e do cenário até a expressão dada ao personagem durante a

encenação. A marionete permite à criança expressar angústias no plano

simbólico.

A técnica de utilização do teatro de bonecos tem como objetivo dar um aspecto terapêutico à dramatização, situando-se entre a terapia do grupo e a apresentação de um espetáculo final, pois todo o processo, desde a escuta da história até a realização da dramatização, faz parte da situação de cura proposta. (...) A técnica do teatro de bonecos favorece a harmoniosa participação daqueles que sofrem com bloqueios e inibições, bem como daqueles que se sentem incapazes de criar e ainda dos que possuem dificuldades na expressão pelo corpo e pela voz, pois ela atua no processo de elaboração simbólica. (MEDEIROS e BRANCO, 2008, p.99 e 100).

As máscaras, assim como as marionetes, também são um recurso

para a encenação teatral. Trata-se de um objeto que serve para ocultar o rosto

de quem o coloca, deixando-lhe a possibilidade de enxergar. Na encenação os

sujeitos participam com seus corpos, diferente da marionete em que os corpos

dos participantes não estão em cena.

Outra opção é a encenação teatral propriamente dita, com o grupo

participando como atores. “A origem do teatro está na magia, nos rituais de

fertilidade, no instinto humano de representar aquilo que se deseja que

aconteça na realidade” (MEDEIROS e BRANCO, 2008, p.89). O teatro

terapêutico possibilita o desenvolvimento da linguagem verbal e corporal.

“Cada atividade dramática abre um leque para outras atividades que vão se

encadeando e construindo caminhos que levam ao desenvolvimento da

26

criança” (SILVA, 2009, p.118). “A intenção não é a valorização de um

espetáculo e, sim, o desenvolvimento de todo o processo, onde a criança

utilizará a fantasia para possibilitar a representação de um mundo imaginário”

(SILVA, 2009, p.116).

Considerando que o mundo imaginário da criança está influenciado

pela realidade do adulto, em que a criança “faz de conta” que está imitando as

ações adultas e, desta forma, descobre como se sente o adulto nas diversas

situações. O teatro, portanto, é um meio ideal para reproduzir este “faz de

conta”, permitindo a experimentação de diferentes papéis.

Como diz a frase “a arte imita a vida”, o teatro espelha a vida como ela é, com todos os matizes do trágico e do cômico. E, por isso, provoca catarse, descarga emocional, alívio e enlevo. O teatro é, também, um laboratório de vida; no palco, pode-se experimentar diferentes formas de viver, de ser. Podemos inverter a frase anterior: “a vida imita arte”, porque o teatro recria a vida. (VALE 2000, apud FILHO, 2007, p.53).

O teatro é um processo intuitivo que resulta em vocação

espontânea. O mergulho intuitivo pela dramatização é a base do Processo de

Individuação, conceito elaborado por Carl Gustav Jung para definir o processo

de tornar-se quem se é durante a vida.

O processo de individuação é, na verdade, mais que um simples acordo entre a semente inata da totalidade e as circunstâncias externas que constituem o seu destino. Sua experiência subjetiva sugere a intervenção ativa e criadora de alguma força suprapessoal. (FRANZ in JUNG, 1964, p.162).

A música facilita a expressão dos sentimentos e é um poderoso

auxiliar no processo arteterapêutico. Atua como instrumento para eclosão de

memórias, significados e emoções, além de incentivar o movimento corporal

nos casos apropriados. Nos trabalhos com contos de fada, a música apropriada

pode induzir a um relaxamento antes de a estória ser contada, para que o

conto seja mais bem recebido. Como também podem ser criadas melodias e/ou

letras pelos sujeitos, a partir do conto trabalhado.

A música facilita o processo criativo individual com as atividades

plásticas. É percebida por uma área cerebral (tálamo) que capta estímulos

sensoriais e emocionais, sem passar pelos centros cerebrais relacionados com

27

a razão e a inteligência. “A música é feita do material mais estimulante e

poderoso conhecido entre os processos perceptivos. A música opera sobre a

faculdade emocional humana com mais intensidade e rapidez do que qualquer

outro ato” (SCHOEN apud OLIVIER, 2008, p.71).

Existe, no entanto, a musicoterapia, atividade independente da

arteterapia, definida pela Federação Mundial de Musicoterapia como

a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, em um processo para facilitar e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. (OLIVIER, 2008, p.65)

E que pode ser associada à arteterapia em intervenções multidisciplinares.

A dança facilita a expressão individual e possibilita a inter-relação

dos conteúdos internos da psique. No dançar primitivo, os movimentos se

harmonizam plenamente com o corpo, já que obedecem a um ritmo interno. As

batidas do tambor apenas orientam este ritmo natural interior. Com base neste

tipo de dança é que foi criada a terapia pela dança, na década de 1940, “com o

objetivo de alcançar, pelo movimento espontâneo, a plenitude da expressão

corporal humana”. (FILHO, 2007, p.68)

Veículo das necessidades humanas, a expressão não verbal é o importante instrumento da dançaterapia, revelando-se em formas primitivas de movimentos corporais ainda isentas da censura sócio-racional do cotidiano, e funcionando como meio de libertação da expressividade individual. (ANDRADE, 2000, apud FILHO, 2007, p.68 e 69).

Com relação à dança e à expressão corporal em arteterapia, o

importante é a descontração que os movimentos corporais provocam, através

de seqüências de movimentos fundamentais para um bom relaxamento e

coordenação motora.

A literatura também está presente na arteterapia. No teatro

(dramaturgia é arte literária), na música (a poesia das letras quando se vai

além do som instrumental), nos contos de fadas, entre outras formas de

28

literatura, como a poesia e a escrita criativa. A literatura utiliza a palavra, ou

seja, a linguagem mais familiar aos seres humanos. É a arte de criar pela

palavra.

Na arteterapia, palavras e imagens podem ser associadas, não

importando em qual destas está o ponto de partida. A imagem pode dar origem

à palavra ou a palavra pode dar origem à imagem. Como nas sugestões

encontradas no capítulo três, em que atividades arteterapêuticas são propostas

a partir da leitura de contos de fadas.

A contribuição terapêutica da arte está mais que comprovada. Pode

ser através da forma (desenho, pintura e escultura), da palavra (literatura), do

som (música), do movimento (dança) ou da dramatização (teatro). A arte

permite ao indivíduo expressar a totalidade de seu ser.

A arte é uma expressão do ser humano e, como tal, uma forma de comunicação e de linguagem simbólica, é um produto da intuição e da observação, do inconsciente e do consciente, da emoção e do conhecimento, do talento e da técnica, da criatividade. Acolher e utilizar as modalidades de expressões artísticas dentro de um processo psicoterápico vem enriquecer a possibilidade de um conhecimento profundo e, conseqüentemente, uma maior compreensão da pessoa a ser auxiliada. (CARVALHO, 2000, apud FILHO, 2007, p.44).

29

CAPÍTULO III

A ASSOCIAÇÃO DE CONTOS DE FADA E

ARTETERAPIA

Os contos de fada contribuem para o desenvolvimento do potencial

criativo e intelectual dos seres humanos, além de colocar os indivíduos em

contato com suas próprias emoções, facilitando a solução de problemas.

As histórias devem agir como sementes, previamente analisadas e selecionadas. Boas sementes, em solos devidamente adubados, brotarão flores e frutos saudáveis e fortes. Assim é nosso inconsciente (solo) que recebe a história (semente) que germina e brota imagens inconscientes projetadas para a transformação e o crescimento pessoal. (MEDEIROS e BRANCO, 2008, p.34).

Desta forma, as histórias são escolhidas de acordo com o tipo de

conteúdo a ser trabalhado nas vivências realizadas em seguida. Ainda de

acordo com Medeiros e Branco (2008, p.36) “os contos de fadas são os

medicamentos certos para promover a criação das imagens libertadoras do

inconsciente”.

No trabalho com crianças, bem como com alguns adultos, a

possibilidade de interiorização e de reflexão para comunicar o que foi produzido

nas atividades plásticas é limitada. De acordo com Medeiros e Branco (2008), a

expressão plástica pode ser um meio de ascender à comunicação verbal ou a

única maneira de estabelecer uma comunicação. Entre estes estágios, há

níveis possíveis de expressão verbal, a partir do desenvolvimento dos sujeitos.

O pensamento que constrói a imagem passa à ação que vai ao seu encontro

num diálogo, que permite o desenvolvimento da expressão como meio de

comunicação.

Na Psicologia Analítica de Jung e na arteterapia, os contos de fadas são utilizados na amplificação dos símbolos despertados pelas atividades

30

plásticas propostas. “Podemos observar ainda a sua utilização como meio

sensibilizador para propostas de vivências arteterapêuticas”. (SILVA, 2009,

p.22) “O analista que se utiliza de vivências, percebe que as fronteiras entre o

mundo imaginário e o mundo concreto são mais facilmente transponíveis”.

(BYINGTON apud DINIZ, 2000, p.20).

Para que o arteterapeuta possa tornar mais manifestos os conteúdos latentes nos símbolos, poderá lançar mão de recursos como associações livres, desenho, pintura, modelagem, esculturas, expressões corporais, psicodrama, música, interação entre técnica plástica e o verbal (desenhando o símbolo e escrevendo palavras que o explicitem), fazendo uma poesia com o símbolo. E outros recursos como armar um brinquedo, fantasia dirigida, caixa de areia; e tantas outras variações de técnicas criativas, verbais, plásticas, corporais, dramáticas, musicais, quantas sejam necessárias a cada paciente. Para isso é necessário que o arteterapeuta tenha amplo conhecimento do emprego de técnicas expressivas: corporais, musicais, plásticas, literárias e dramáticas. A arteterapia é uma atividade terapêutica que constitui-se em um desafio permanente à criatividade. (DINIZ, 2000, p.22).

Desta forma, a associação de contos de fadas e arteterapia pode

proporcionar resultados muito eficazes no trabalho com crianças, adultos ou

idosos. Sendo que nas crianças acontece a influência no processo de

desenvolvimento infantil, permitindo a representação do mundo imaginário.

A utilização destas obras como recurso no desenvolvimento do trabalho de arteterapia é certamente um dinamizador, facilitador dos potenciais criativos e da busca do material simbólico existente na psique do ser humano. A possibilidade ilimitada do uso dessas ferramentas é um território fértil para novas experiências dos profissionais da arteterapia. (SILVA, 2009, p.88)

3.1 A Linguagem dos Contos de Fada

Os contos de fada ilustram nossas questões existenciais, sendo a

linguagem ideal para atingir as crianças.

O conto de fadas é a cartilha onde a criança aprende a ler sua mente na linguagem das imagens, a única linguagem que permite a compreensão antes de conseguirmos a maturidade intelectual. A criança precisa ser exposta a essa linguagem e deve aprender a prestar atenção a ela, se deseja chegar a dominar sua alma. (BETTELHEIM, 1980, p.197)

31

As imagens que acompanham os contos de fadas possuem uma

força estética que exerce um domínio emocional sobre os leitores. No trabalho

com crianças, as ilustrações têm importância fundamental para que percebam

visualmente o que está sendo contado.

A linguagem das imagens utilizada nos contos de fada é simbólica:

A linguagem simbólica é aquela por meio da qual exprimimos experiências interiores como se fossem experiências sensoriais, como se fosse algo que estivéssemos fazendo ou que fosse feito com relação a nós no mundo dos objetos. A linguagem simbólica é uma língua onde o mundo exterior é um símbolo do mundo interior, um símbolo de nossas almas e de nossas mentes. (FROMM, 1962, p.18)

A linguagem simbólica é encontrada em todas as culturas, sendo

que alguns símbolos diferem em significado nas diferentes culturas:

O significado particular de um símbolo em um dado lugar só pode ser determinado levando-se em conta todo o contexto em que o símbolo aparece, e em função das experiências predominantes de quem emprega aquele símbolo. (FROMM, 1962, p.23)

Daí se conclui que a interpretação e o impacto do conto podem

variar nas diferentes culturas e, até mesmo, para diferentes indivíduos.

Dependendo da leitura simbólica que cada um fizer da estória. Ainda que esta

leitura possa se dar somente a nível inconsciente.

Os contos trazem temores do desconhecido que as pessoas

precisam enfrentar durante a vida. O medo de situações inexplicáveis.

A palavra “fada” vem do latim “fatum” que significa destino,

fatalidade e todos os seus derivados, como fábula, falar, fado

etc. A ela são atribuídos poderes de interferir benéfica ou

maleficamente no destino do homem. (MEDEIROS e BRANCO,

2008, p.29).

O processo narrado nos contos é vivido através da fantasia

(imaginário) vivenciada por personagens mágicos, onde cada ação, diálogo e

diferentes elementos da estória, têm um significado que atua no inconsciente.

32

Através da linguagem simbólica, os contos abordam temas variados

(amor, medo, carências, perdas, buscas, autoconhecimento, solidão ou o

encontro consigo mesmo) e proporcionam a ligação entre consciente (o

universo da experiência concreta vivenciado no conto) e inconsciente (o

universo mágico, simbólico e fantástico).

Neste universo mágico, cada elemento simbólico significa algo,

como bruxas e monstros (nossos temores e incapacidades personificados,

contra os quais precisamos lutar), animais solícitos e fadas (nossas

capacidades e possibilidades desconhecidas), herói ou heroína (portadores da

ação, são o alvo principal das projeções de leitores e ouvintes), entre outros.

As estórias fantásticas não despertariam interesse se não

ensinassem sobre a vida dos povos e dos seres humanos, reunindo nossas

preocupações e problemas.

A narração fantástica materializa e traduz desejos como a

transformação do universo em formas que são impossíveis na realidade, como

ficar invisível, mudar de tamanho ou compartilhar da vida animal. A essência do

fantástico está em uma interpenetração do real e do onírico. No entanto, o

fantástico está enraizado no cotidiano. Sua fonte é a experiência com

personagens conhecidos e acontecimentos vividos.

O fantástico seria o irreal no sentido estético daquilo que é apenas imaginável; o que não é visível aos olhos de todos, que não existe para todos, mas que é criado pela imaginação, pela fantasia de um espírito. (HELD, 1980, p.24 e 25)

O trabalho com contos de fada através dos recursos arteterapêuticos

conduz a uma reflexão sobre o sentido da leitura, permitindo um

aprofundamento e análise das identificações. Como toda grande arte, o

significado mais profundo do conto é diferente para a pessoa em diferentes

momentos da vida, e de uma pessoa para outra.

Os temas abordados, como a ansiedade de separação ou o medo

de morrer de fome, não estão restritos a um período particular de

desenvolvimento. São medos que podem ocorrer inconscientemente em

qualquer idade. O necessário é deixar o conto de fada falar ao inconsciente e

33

aliviar suas ansiedades. No conteúdo dos contos, os fenômenos internos

psicológicos recebem corpo em forma simbólica. O processo psíquico

desenvolve seu dinamismo através de imagens simbólicas, sendo o símbolo

um transformador de energia psíquica, agrupando processos inconscientes e

os trazendo para a consciência.

Sendo estimulado a ultrapassar a superfície por si próprio, cada leitor

pode encontrar significados pessoais variados nos contos, tornando-os mais

significativos ao lê-los para as crianças. Os contos induzem uma passagem

natural da realidade para o imaginário, oferecendo respostas a questões

complexas através de imagens e símbolos.

3.2 A Linguagem das Crianças

Para o desenvolvimento da linguagem das crianças é necessário

que elas possam falar e se expressar através dos jogos, das brincadeiras e da

arte. Falar sobre os trabalhos produzidos é um excelente exercício para o uso

da linguagem, em que a criança precisa se comunicar a partir das imagens

criadas por ela mesma.

Os elementos do conto que as crianças demonstrarem não conhecer

podem ser trabalhados na forma de objetos ou figuras trazidos pelo facilitador,

de modo que as crianças descrevam o que vêm e aprendam a nomear os

elementos, ampliando seu vocabulário.

Jean Piaget (in Bock, Furtado e Teixeira, 2001), foi um psicólogo e

biólogo suíço que considerou o desenvolvimento mental como uma construção

contínua, caracterizada pelo aparecimento gradativo de estruturas mentais até

alcançar um equilíbrio superior da inteligência, vida afetiva e relações sociais.

Dividiu os períodos do desenvolvimento humano a partir do aparecimento de

novas qualidades do pensamento e situou o aparecimento da linguagem no

período Pré-Operatório (entre dois e sete anos). Sendo esta a maior aquisição

deste período, causando modificações nos aspectos intelectual, afetivo e social

da criança, que começa a exteriorizar sua vida interior e a se comunicar com os

outros indivíduos. A partir daí o desenvolvimento do pensamento se acelera.

34

A linguagem social da criança inclui gestos, movimento e mímica,

além das palavras. O conto de fadas, com sua linguagem simbólica, fala com o

imaginário das crianças, estimulando-as a desenvolver fantasias.

Segundo Medeiros e Branco (2008), as fantasias são reconstruções

de elementos da realidade que se reorganizam e se modificam através da

imaginação, trazendo com elas o afeto. Portanto, a fantasia desperta

sentimentos reais para quem a vivencia.

A criança dá vida ao que toca, desde objetos inanimados às plantas

e animais. É o animismo infantil. Na procura de si mesma, sentindo-se

inferiorizada por ser pequena, desejando ser adulto e ser ‘outro’, projeta-se

com prazer sobre o herói ou heroína dos contos de fada. É a necessidade

infantil de escapar de si mesma pela ficção. Através do brinquedo simbólico, a

criança, em pleno imaginário, fala com animais e com objetos. São brincadeiras

clássicas, em que a criança prepara-se para seus papéis futuros. Esta entrada

na linguagem do universo fantástico se inicia na mais tenra idade:

Quando a criança pequena, mergulhada num banho de linguagem adulta, descobre os sons e, pouco a pouco, se apropria deles, indo do simples ao complexo, suas primeiras experiências – especialmente com as sílabas – adquirem a forma, como todas as suas atividades, ao mesmo tempo de aprendizagem, de exercícios, de brincadeira: o bebê “arrulha”, vocaliza as sílabas, repete-as indefinidamente, conta-as para si. (HELD, 1980, p.196 e 197)

A criança gosta de criar palavras e de criar seres a partir das

palavras, onde atinge o fantástico. “A linguagem, antes da intervenção

normativa adulta (...) é recebida como misteriosa, multiforme, plástica. Material

para formar, deformar, construir, reconstruir, indefinidamente.” (HELD, 1980,

p.198) Este contato com a língua é mais livre de convenções do que na idade

adulta e está submerso na riqueza do imaginário da criança.

Se a criança se deixa geralmente envolver, se desfruta do prazer da palavra para si mesma, é porque subsiste nela, bem além do período de aprendizagem da linguagem, o gosto e a procura por palavras ainda desconhecidas, o sonho com as outras línguas: retomada de palavras conhecidas para fazê-las significar “outra coisa”, ou invenção de palavras totalmente novas, devaneio da imaginação sobre as “linguagens” possíveis dos animais, ou sobre outras linguagens humanas impossíveis. (HELD, 1980, p.209)

35

3.3 Sugestões Arteterapêuticas com Contos de Fada

Após a seleção do conto de fadas a ser narrado para determinado

grupo ou indivíduo, este é contado aos ouvintes. O significado do conto para

determinadas pessoas pode ser gerado pela encenação deste, que pode

propiciar prazeres catárticos, dependendo da interpretação que o leitor fizer da

obra. Esta permite que cada um reaja de uma maneira particular ao conto, sem

que a lição moral contida na estória se sobreponha ao significado do conto

para cada um.

Em seguida, os sentimentos e reações causados são trabalhados

pelo arteterapeuta através da utilização das técnicas:

• Colagem:

Com papel (A3, A4, ofício, cartolina, papel cartão ou pardo); seleção

de imagens relacionadas ao tema do conto de fadas (busca da identidade,

rivalidade fraterna, Complexo de Édipo, medo do abandono, entre outros); cola;

tesoura. Cada sujeito escolhe, dentre as imagens selecionadas previamente

pelo arteterapeuta, aquelas que chamarem mais a sua atenção e cola no papel,

cobrindo-o por inteiro. Em seguida falamos sobre as colagens produzidas.

• Mosaico:

Desenhar em papel ou outra superfície (madeira, gesso ou cimento)

uma imagem que sintetize a estória contada. Em seguida, preencher cada

parte do desenho colando pedacinhos de material (papel colorido, plástico

colorido, pedrinhas, etc.) nas diferentes cores, até surgir a imagem. Para

finalizar, aplicar rejunte ou solução de cal, areia e óleo para preencher os

espaços vazios (no caso de pedacinhos de papel não é necessário).

• Desenho e Pintura:

Com papel (é interessante variar os tamanhos e formatos do papel,

além da textura e da cor também); giz de cera; lápis de cor; hidrocor e/ou

tintas. Cada sujeito vai desenhar e/ou pintar inspirado pelo tema do conto de

fada que acabou de ouvir. A escolha da parte da estória que será representada

é individual e livre. Em seguida falamos sobre os trabalhos produzidos (O que

as crianças enxergam no desenho ou pintura? Isto é desenvolvimento da

36

linguagem. Quantos tons de determinada cor podem ser vistos? Isto é

aritmética. Que estória pode-se contar a partir das imagens produzidas? Isto é

escrita criativa.).

• Mural:

Pendurar na parede um grande pedaço de papel onde as crianças

possam expressar suas impressões individuais do conto de fadas trabalhado,

numa produção coletiva, onde alguns desenham, outros pintam ou fazem

colagem. As crianças podem criar diretamente no papel grande ou executar

seus trabalhos em papéis menores que depois serão colados no maior, a partir

de uma montagem.

• Massinha de Modelar ou Massa Biscuit:

Após a leitura do conto, os sujeitos vão modelar na massinha a cena

da estória que mais chamou sua atenção. Em seguida, cada um descreve a

cena que escolheu para modelar e o arteterapeuta questiona se gostariam de

modificar alguma parte da estória. A partir das modelagens individuais, o grupo

pode criar uma nova estória.

• Pintura a Dedo:

Com papel (A3, A4, ofício, cartolina ou 40 quilos) e tinta para pintura

a dedo, cada sujeito molha os dedos em diferentes cores de tinta e pinta

deslizando os dedos no papel. A pintura será dirigida pelas imagens mentais

relacionadas ao conto de fadas que acabaram de ouvir. A produção é livre. Em

seguida falamos sobre as pinturas realizadas.

• Modelagem com Argila:

Com um pedaço de argila cada sujeito vai modelar livremente depois

de ouvir o conto, expressando a emoção que a estória houver despertado com

a criação de uma forma. No final, os trabalhos são agrupados e, a partir destes,

cria-se uma única estória, com um tema central encontrado pelo grupo, através

das imagens criadas.

• Marionetes:

Após a leitura do conto de fadas o grupo decide montar um

espetáculo de marionetes para representar o conto escolhido, podendo

37

inclusive realizar modificações na estória se assim decidirem. Os participantes

confeccionam as marionetes, escolhendo entre a plana (confeccionadas com

cartolina e palito de churrasquinho), fantoches (que podem ser confeccionados

inclusive com meias decoradas), marionete de vara (que podem ser

confeccionadas com tubos de rolos de papel higiênico com bola de isopor

colada para a cabeça e palito de churrasquinho espetado no isopor) ou outra

técnica de fabricação. Em seguida criam o cenário e finalmente as falas dos

personagens. A encenação pode ser feita para uma platéia ou entre o grupo de

sujeitos e os arteterapeutas.

• Máscaras:

Como na sugestão anterior, o grupo pode montar uma encenação da

estória, a partir da confecção de máscaras dos personagens do conto e de

outros que decidam inserir no contexto da estória. As máscaras podem ser

confeccionadas com pratos de papelão decorados pelas crianças, com elástico

ou fita preso nas laterais. Ou com sacos de papel, com o espaço dos olhos

recortado e o rosto desenhado.

• Expressão Corporal / Dança:

Após uma seqüência de relaxamento, incluindo movimentos de

espreguiçarem-se, sentindo cada parte do corpo sendo alongada e relaxada,

as crianças podem movimentar-se pelo espaço representando com mímicas

um dos personagens do conto, de preferência aquele com quem mais se

identificaram.

• Música:

Criar trilha sonora para o conto de fadas escolhendo trechos de

músicas para cada parte da estória, gravando um cd com a seqüência musical.

Posteriormente, o contador de estórias relê o conto com a trilha sonora

incluída. É preciso marcar o tempo da leitura para sincronizar com o tempo de

cada música gravada.

O grupo pode ainda criar a letra de uma canção para o conto de fada

escolhido. Cada um diz uma frase, como se estivessem recontando a estória e

a facilitadora anota a composição. Em seguida, criam um ritmo para a canção.

38

A confecção de instrumentos musicais também enriquece o trabalho.

São chocalhos de garrafas plásticas com grãos de feijão, tambores de lata

(lado da tampa plástica) com as baquetas de wari bashi (“talher” de comida

oriental), bateria também de latas (lado do alumínio) com as baquetas de wari

bashi, e outros instrumentos confeccionados com criatividade.

39

CONCLUSÃO

Sendo os contos de fada um tipo de literatura que contribui para o

crescimento interno das crianças, já que demonstram em linguagem simbólica

o significado da luta pela auto-realização na vida, as crianças que encontram a

oportunidade de trabalhar os conteúdos dos contos através das técnicas de

arteterapia têm seu amadurecimento facilitado. A simbolização transforma a

energia psíquica, promovendo o desenvolvimento da personalidade.

A união dos contos de fada com os recursos da arteterapia permite

um maior aprofundamento do conteúdo das estórias no trabalho com crianças.

Questões relativas ao crescimento psicológico, como ansiedade de separação,

rivalidade fraterna, busca da identidade, medo do abandono, entre outras, são

trabalhadas com as técnicas arteterapêuticas (desenho, pintura, modelagem,

colagem, teatro, música e dança) de forma que a compreensão que as crianças

atingem dos conteúdos seja ampliada e aprofundada.

Considerando que a linguagem dos contos é a simbólica, a arte atua

como meio de expressão do inconsciente, trazendo para a consciência o

impacto do conto sobre a criança e possibilitando um diálogo consistente sobre

os temas abordados. A comunicação torna-se possível inclusive para crianças

que não dominam a linguagem, através dos símbolos despertados pelas

atividades plásticas propostas a partir da leitura dos contos de fada.

Para a criança é natural expressar seus sentimentos através dos

recursos expressivos da arteterapia, sendo mais fácil expressar-se desta forma

do que falar. A criança pode não ter palavras suficientes em seu vocabulário ou

sua linguagem pode não fluir facilmente. A arte passa então a ser um meio

para se comunicar.

40

BIBLIOGRAFIA

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- Paz e Terra, 1980.

• BOCK, A.; FURTADO, O. e TEIXEIRA, M. Psicologias: Uma

Introdução ao Estudo de Psicologia. São Paulo – Saraiva, 2001.

• DINIZ, L. Alquimia e Arte-terapia. Monografia submetida ao Curso de

Pós-Graduação em Psicologia Junguiana do Instituto Brasileiro de

Medicina de Reabilitação para a obtenção do título de “Especialista em

Psicologia”. Rio de Janeiro, 2000.

• FILHO, L. A Arteterapia como Facilitadora do Processo de

Individuação. Monografia de conclusão de curso apresentada ao

ISEPE, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em

Arteterapia. Rio de Janeiro, 2007.

• FROMM, E. A Linguagem Esquecida: Uma introdução ao

entendimento dos sonhos, contos de fadas e mitos. Rio de Janeiro –

Zahar, 1962.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2 EPÍGRAFE 3 AGRADECIMENTO 4 DEDICATÓRIA 5 RESUMO 6 METODOLOGIA 7 SUMÁRIO 8 INTRODUÇÃO 9 CAPÍTULO I OS CONTOS DE FADA E SUA UTILIZAÇÃO TERAPÊUTICA 11 1.1 A Origem dos Contos de Fada 12 1.2 Os Contos de Fada e as Crianças 14 1.3 O Contador de Histórias 16 CAPÍTULO II OS RECURSOS DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA EM ARTETERAPIA 20 2.1 O que é Arteterapia? 20 2.2 Técnicas Expressivas em Arteterapia 22 CAPÍTULO III A ASSOCIAÇÃO DE CONTOS DE FADA E ARTETERAPIA 29 3.1 A Linguagem dos Contos de Fada 30 3.2 A Linguagem das Crianças 33 3.3 Sugestões Arteterapêuticas com Contos de Fada 35 CONCLUSÃO 39 BIBLIOGRAFIA 40